“A Educação Inclusiva e o grande desafio pedagógico do século XXI”, diz o psicólogo Emílio Figueira


SÃO PAULO – A Educação Inclusiva é um dos temas mais abordados no momento. Esta semana, o psicólogo, educador e escritor Emílio Figueira recebeu a nossa reportagem para uma entrevista exclusiva. Figueira tem como pensamento central sobre Educação Inclusiva o seguinte conceito: “Incluir não tem segredo. Basta receber um aluno, seja ele quem for. Acolher com amor, ter a sensibilidade de perceber e pesquisar o que ele realmente precisa de apoio para se desenvolver em todos os sentidos. Um bom professor precisa ser um suporte seguro que lança seus alunos rumo às infinitas possibilidades”.
O educador foi até recentemente responsável por um treinamento online para professores, onde sozinho ajudou a formar mais de 22 mil professores no Brasil e exterior, sendo grande parte da região norte e nordeste, como ele gosta de destacar. Além de viajar por todo o país ministrando palestras, já escreveu mais de 25 livros e centenas de artigos sobre o assunto. Confira alguns trechos da entrevista:
O GLOBO: Como o conceito de Educação Inclusiva vem sendo construído?
FIGUEIRA: Gosto de explicar da seguinte forma. Durante séculos pessoas com deficiência foram excluídas condas do convívio social. Nos anos 1970 e 1980 nós pessoas com deficiência colocamos a cara na rua para lutar por nossos direitos e espaço na sociedade. Surgiria o conceito de Integração Social, onde entidades e instituições preparavam essas pessoas para serem integradas entre as pessoas sem deficiência aparentes, principalmente no mercado de trabalho. Nos anos 1990 surgiria o conceito de Inclusão Social. Essa é uma história que não cabe aqui. Mas o fato é a Inclusão foi uma grande revolução que abriu as portas de muitas casas de pessoas com deficiência, lançando-as pelas ruas rumo às infinitas possibilidades, atingindo campos e posições até então imagináveis a nossa classe. Essa revolução continua em plena ebulição e ninguém mais se arrisca em duvidar ou limitar pessoas com qualquer tipo de deficiência.
O GLOBO: Você acredita que o Brasil tem avançado na inclusão qualificada dos alunos com algum tipo de deficiência?
FIGUEIRA: Completando minha resposta anterior, no ano de 1994, surgiu a “Declaração de Salamanca – Princípios, Políticas e Práticas em Educação Especial”, proclamada na Conferência Mundial de Educação Especial sobre Necessidades Educacionais Especiais. Esse documento reafirmou o compromisso para com a “Educação para Todos”, reconhecendo a necessidade de providenciar educação para pessoas com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino. Por este motivo, cada vez mais vemos crianças e pessoas com deficiência em nossas escolas, nos espaços de lazeres e em todos os lugares da vida diária. Devemos estar preparados para essa convivência, aceitando as diferenças e a individualidade de cada pessoa, uma vez que o conceito de inclusão mantém este lema: Todas as pessoas têm o mesmo valor.
Pelo o que já vivi nessas últimas cinco décadas, eu fico muito bravo quando alguém vem com o velho discurso pessimista que nada mudou. Claro, ainda temos muito que aprender e avançar em termos de Educação Inclusiva. Mas essa é uma construção que está nas mãos de todos nós.
O GLOBO: Como favorecer ambientes de aprendizagem na prática inclusiva?
FIGUEIRA: Esse é um ponto que tenho abordado muito em meus escritos e palestras. Ainda há muito da cultura paternalista de esperar que tudo venha de cima, já pronto tanto no sentido de leis como de investimentos e recursos, e com a Educação Inclusiva não tem diferente. Noto nesse comportamento e discursos de várias pessoas e professores é que falar em Inclusão Escolar ainda se esbarra em questões culturais e/ou até mesmo um comodismo para não sair da zona de conforto. É comuns os professores dizer que não estão preparados para receberem alunos com deficiência. Não há uma maldade nisto, mas sim certo estado de ansiedade e em muitos, mesmo que seja de forma inconsciente, um mecanismo de defesa contra algo desconhecido.
O GLOBO: Precisamos também de uma mudança cultural?
FIGUEIRA: Isso. Infelizmente para o a maioria dos professores, assim como para grande parte da população, ainda há àqueles velhos conceitos e culturais referentes às pessoas com deficiência, tais como associadas ao estado de doença, que não se desenvolveram ou aprendem como as demais. Mas ora, o desenvolvimento e a aprendizagem humana é individual e ninguém tem um modelo a seguir. De fato, nenhum professor estará preparado para trabalhar com a Inclusão Escolar até momento que chegue à sua turma um aluno a ser incluído. Uma situação que ele nunca vivenciou – o que muitas vezes exige conhecimento de experiências anteriores. Será neste momento que veremos realmente quem é o educador de verdade. O acomodado alegará não estar preparado – pois rejeitar um aluno com essa alegação será muito mais fácil e rápido se livrar da questão. Mas o verdadeiro professor, consciente de seu compromisso e desafio ético de educar a todos que pertencerem ao seu alunado, primeiro o receberá, o que já será o início da inclusão pela afetividade. Ela se constrói pela convivência. E o professor disposto a isto, recebe o aluno em fase de inclusão com o mesmo carinho que recebe os demais. E depois buscará formas de trabalhar com ele.
O GLOBO: Um dos principais questionamentos dos professores é de que muitas vezes não há nenhuma iniciativa da escola em preparar o profissional para receber alunos com deficiência, tão pouco um plano pedagógico e estrutura física que contemplem às necessidades dos estudantes. Como proceder nesses casos?
FIGUEIRA: Continuando o que comecei a responder acima, afetividade também significa sair da zona de conforto em busca de querer aprender cada vez mais dentro de sua profissão. O professor, educador, pedagogo, enfim, deve ser um eterno estudioso. Ler muito, buscar cursos de formação ou aperfeiçoamento. E isso é algo que nós psicólogos precisamos reforçar em nosso trabalho dentro de uma Equipe Escolar. Assim como qualquer outro profissional, antigamente se fazia quatro aos de uma faculdade e, em cima desses quatro anos, construía-se toda uma carreira até se aposentar. Mas hoje, com um mundo tão dinâmico e em constantes transformações, precisamos estar sempre descobrindo e aprendendo mais. E com a Educação Inclusiva não teve ser diferente.
Este é o principal conceito que quero precisamos destacar aos docentes: O professor precisa criar e manter o hábito de pesquisar!
O GLOBO: E ao receber um aluno inclusivo, como o professor deve proceder?
FIGUEIRA: Quando um professor receber alunos inclusivos, primeiro o acolha em sua sala e comece a conviver com eles, criando laços, descobrindo um ao outro, professor e aluno, o que já será uma pesquisa de campo. Paralelamente, vá ler sobre as deficiências e reais necessidades de cada aluno inclusivo, procurar orientações de práticas pedagógicas para se trabalhar com eles e toda a turma. Possibilidades são muitas. E as informações nunca estiveram tão disponíveis como antes. E de graça. Além das publicações que devem ter na biblioteca de sua escola, basta o professor entrar no Google e achará muito material seguro, no Youtube há milhares de vídeos sobre Educação Inclusiva, práticas pedagógicas inclusivas, casos específicos, por exemplo. E professor seguro ama o que faz alimentado por gestos de afetividade, atingindo resultados imagináveis!
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FONTE: O GLOBO – Matéria publicada no Caderno de Educação, agosto de 2018

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