Existem três formas básicas de atuações psicológicas junto às pessoas com deficiência: trabalhar com o sujeito de forma clínica individual, em ambiente escolar, ou por meio da Psicologia Social, quando podemos trabalhar em grupos, junto à sociedade, in loco da realidade brasileira, muito além das palavras impressas nos manuais da psicologia. Sermos personagem direto na orientação de mudanças da realidade dessas pessoas no seio social. A política de Inclusão abre espaço para atividades de pesquisas, atuação e informação neste campo.
Ser um psicólogo social significa a missão de despertar a consciência emancipada das pessoas. Mas como despertá-la? Como mostrar aos homens que eles são produtos das relações sociais por eles mesmos estabelecidas?
Recebo quase que semanalmente várias mensagens de estudantes e profissionais da psicologia me perguntando: Qual o papel do psicólogo na inclusão? Isto até me levou a escrever o livro “Psicologia e Deficiência – Atuações psicológicas em pessoas com deficiência”. Em meu livro abordo vários pontos e, as questões sociais das pessoas com deficiência é um deles.
Durante os anos 1980 até meados da década seguinte, as pessoas com deficiência tiveram um grande movimento político no Brasil. Resultado disso, foram inúmeras conquistas hoje sendo desfrutadas, como, por exemplo, os conceitos e ações inclusivas. Só que todo aquele movimento esfriou, dando lugar à cultura do individualismo, o quer acredito ser apenas transitório; historicamente, o homem é um ser social que sempre viveu em grupo como uma necessidade. A solidão não faz parte de nossa natureza. Um processo de reorganização grupal, onde passaremos a dar bom-dia ao nosso vizinho e conversar mais com nossos semelhantes, deverá surgir em breve.
Já que direitos e normas sociais oriundos de antigos Movimentos Sociais e Políticos existem em prol da pessoa com deficiência, temos que ter atenção do que é preciso ser feito para eles serem efetivamente cumpridas. Acreditamos como sempre, na necessidade de se investir mais na informação específica nesta área. Precisamos criar caminhos para que leis, direitos e deveres cheguem ao conhecimento de todos os envolvidos nesta temática e das demais autoridades competentes. Esse será o primeiro passo de cidadania a luta por isto.
Tão importante quanto trabalhar com a sociedade, é necessário realizarmos um trabalho com as próprias pessoas com deficiência para que se conscientizem e se reúnam novamente em Movimentos, Associações, Centros e com a sociedade em geral, para “brigar” e fazer valer esses direitos. Criar novas associações, entidades e outros meios, pois, segundo o Programa de Ação Mundial para Pessoa com Deficiência, o PAN, ONU, 1982, parágrafo 94, diz: “As organizações e outras entidades em todos os níveis devem garantir às pessoas com deficiência participação nas atividades na medida mais ampla possível”. É o próprio PAN quem diz em seu Parágrafo 25, que “o princípio de igualdade de direitos entre pessoas com e sem deficiência significa que as necessidades de todo indivíduo são de igual importância, e que estas necessidades devem constituir a base do planejamento social, e todos os recursos devem ser empregados de forma a garantir uma oportunidade igual de participação a cada indivíduo. Todas as políticas referentes à deficiência devem assegurar o acesso das pessoas deficientes a todos os serviços da comunidade”.
Recorrendo à Declaração de Salamanca de 1994, parágrafo 64, é de fundamental importância o envolvimento da comunidade como um todo no processo de Inclusão, “deverá ser buscada a participação da comunidade para complementar as atividades escolares, prestar ajuda a crianças em seus deveres de casa e compensar a falta de apoio familiar. Deve ser mencionado, nesse sentido, o papel das associações de vizinhos para facilitar locais, a função das associações familiares, clubes e movimentos juvenis e o papel potencial de pessoas idosas e de outros voluntários, tanto nos programas escolares como extraescolares”.
Os problemas das pessoas com deficiência, são, quase sempre, os problemas de todos os envolvidos nesta área. Por isso, nasce a necessidade da união da classe, pois é errado incentivar um indivíduo a ir sozinho à busca de soluções para tais problemas, o que pode afetar sua convivência social. Ninguém vive sozinho e nem deve ignorar interesses comuns, principalmente para proteger seus interesses particulares. Cada indivíduo sofre influência da sociedade em que vive, mas, ao mesmo tempo, exerce alguma influência sobre ela. Com essa classe de pessoas não é, e nem pode ser diferente! O simples fato de existir, ocupando um espaço, sendo vistos ou ouvidos, precisando vestir-se e consumir alimentos já é uma forma de influir. Por isso, todos os problemas relacionados à convivência social são problemas de coletividade e as soluções devem ser buscadas em conjunto, levando em conta os interesses de toda a sociedade.
Existe ainda necessidade delas terem que tomar decisões. Essa é uma prática comum no dia-a-dia de qualquer pessoa; decisões são tomadas sobre todos os assuntos. Além dos assuntos corriqueiros, precisamos tomar decisões, desde a melhor forma de reabilitação, até planejamentos de movimentos sociais, visando à inclusão. Muitos por motivo de comodismo ou pelo medo da responsabilidade de decidir, calam-se. Quase sempre essas pessoas procuram esconder o verdadeiro motivo, simulando desprendimento, dizendo que acatarão de boa vontade o que os outros decidirem. Omitir-se, é uma fuga à responsabilidade, quase sempre, ligada à falta de consciência quanto à necessidade de vida social; perdendo assim, a oportunidade de participar de importantes decisões e preferindo deixar que outros decidissem sozinhos assuntos que também trarão benefícios para si; permitindo ainda, que outros decidam em seu lugar, poderá acarretar grandes prejuízos e arrependimentos sem retrocesso. Isso precisa começar a ser evitado e combatido aqui nesta área.
Não cabe mais aquela época onde só os profissionais, técnicos e doutores decidiam o que era melhor e isso era acatado como verdade absoluta. É preciso – e essa é uma nova tendência mundial pautada pela política da inclusão – dar voz à pessoa com deficiência, para que ele diga o que é melhor para si, ao seu tratamento e em sua vida pessoal. Aliás, é preciso haver diálogo e consenso entre ambas as partes, pois se todos reconhecerem essa necessidade e assumirem positivamente sua responsabilidade, os conflitos serão superados de modo mais justo e mais de acordo com as necessidades comuns, em benefício de cada indivíduo e de toda a sociedade. Além que, aqueles que denunciam uma injustiça estão começando a destrui-la.
Precisamos saber que não poderá haver nenhuma grande mudança na sociedade, sem antes haver mudança de consciência de cada um, pois o indivíduo conscientizado não fica indiferente e não desanima perante os obstáculos. Para ele a participação é um compromisso de vida, exigida como um direito e procurada como uma necessidade. E quem tem uma deficiência precisa em primeiro lugar tomar consciência de suas situações e limitações, para depois saber, melhor do que ninguém, como e para que agir.
COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO:
FIGUEIRA, E. Psicologia E Inclusão: Participação Política E Social Das Pessoas Com Deficiência. In: Revista Escola Particular. São Paulo, ed. 18, num. 211, pag. 14-15, outubro de 2015.
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