Aula 19 – O Desenvolvimento Global Do Aluno E Os Efeitos Positivos Das Deficiência



Dentro da Escola, entendo a Inclusão Escolar não só como o processo de transferir o conteúdo aos alunos, mas, também, o ato de promover de forma natural a interação social entre todos. O desenvolvimento global do aluno precisa passar por um sistema de cooperação e convivência entre família, escola, professores, colegas e sociedade em geral. Precisa-se promover noções de respeito entre as diferenças e, dentre outros aspectos, o desenvolvimento psicomotor de todas as crianças. Isso porque quando um aluno com algum tipo de deficiência vê seus colegas sem deficiência realizando certas tarefas, ele será estimulado a imitar e autoestimulará, superando suas próprias deficiências.



Estímulos estes que seu uma criança com deficiência não teria se ficasse em instituições especializadas entre alunos com deficiências semelhantes. Só que, para chegar a este estágio, alguns caminhos e mudanças de mentalidades precisam ocorrer.






Há importâncias e benefícios em se colocar uma criança com deficiência entre crianças sem deficiência, inclusive, posso afirmar isto com conhecimento de causa. Durante os anos 70, estudei por nove anos numa instituição totalmente fechada para pessoas com deficiência – época da institucionalização. Meu progresso foi pequeno, mas, no início da adolescência, fui transferido para uma pequena cidade do interior paulista, indo estudar numa escola de ensino regular. Ali, convivendo com amigos sem deficiência, tanto na escola quanto nas atividades e brincadeiras por toda a cidade, muitas vezes tive que me superar para acompanhá-los.



Ali sim ocorreu o meu real desenvolvimento pessoal, físico e intelectual. Hoje, um filme passa por minha memória dessa época: a maneira natural que fui aceito no grupo escolar, do qual tenho o privilégio de, há quase trinta anos, ainda ter a amizade e contatos com alguns professores e amigos daquela época. Acredito que o processo de Inclusão Escolar e Social tem muito mais chances de sucesso em cidades pequenas. Nesses lugares, ainda encontramos algo fundamental no coração das pessoas: amor e capacidade de auxiliar e incluir a todos nos mesmos círculos de relações. Tudo é natural.



Entretanto, quero falar um pouco sobre um teórico que gosto muito: Lev Semionovitch Vygotsky (1896-1934), psicólogo bielo-russo, descoberto nos meios acadêmicos ocidentais depois da sua morte causada por tuberculose aos 37 anos. Pensador importante, Vygotsky foi pioneiro na noção de que o desenvolvimento intelectual das crianças ocorre em função das interações sociais e condições de vida. Em “Obras Completas – Elementos da Defectologia”, abordou de forma pioneira e sistemática assuntos relacionados à criança ou à pessoa com deficiência com grande significado, gerando ideias e um novo modo de ver tais questões, descrevendo que elas têm dois tipos de deficiências:



Deficiência primária: Trata-se da deficiência propriamente dita – impedimento, dano ou anormalidade de estrutura ou função do corpo, restrição/perda de atividade, sequelas nas partes anatômicas do corpo, tais como órgãos, membros e seus componentes, incluindo a parte mental e psicológica com um desvio significativo ou perda.



eficiência secundária: São as consequências, dificuldades e desvantagens geradas pela primária. No caso, tudo aquilo que uma pessoa com deficiência não consegue realizar em função de sua limitação. Uma situação de desvantagem às demais pessoas sem deficiência, podendo o indivíduo encontrar limitações na execução de atividades, restrições de participação ao se envolver em situações de vida em ambiente físico, social e em atitude, na qual as pessoas vivem e conduzam sua vida.



A partir dessa divisão, podemos dizer que, enquanto família, educadores, profissionais de saúde e de reabilitação, precisamos focar nossas atividades em ajudar a criança e/ou a pessoa a superarem suas deficiências secundárias e não focarmos principalmente nas deficiências primárias. Creio que a família e principalmente os pais sabem disso melhores que ninguém!



Concentrando atenção e estimulando as habilidades das crianças e pessoas com deficiência, podemos formar a base para o desenvolvimento de suas capacidades integrais. Ao longo de uma década, tenho estudado muito a obra de Vygotsky, o qual já tomo a liberdade de chamá-lo de meu amigo. Esse nosso amigo focalizou o desenvolvimento de criança com deficiência, destacando os aspectos qualitativamente diversos, ou seja, não apenas de suas diferenças orgânicas, mas principalmente de suas relações sociais. Ele afirmava que essas crianças e pessoas não são menos desenvolvidas em determinados aspectos que as sem deficiência e, sim, desenvolvem-se de outra maneira. Suas forças eram muito mais importantes do que suas faltas.



Vygotsky rejeitava as descrições simplesmente quantitativas, em termos de traços psicológicos refletidos nos testes de psicologia, destacando que esses instrumentos apenas indicavam uma visão incompleta ou unidimensional sobre a criança. Preferia, então, confiar nas descrições qualitativas da organização de seus comportamentos.



Aprendi com o Vygotsky que, ao nascer ou ao adquirir uma deficiência, a criança passa a ocupar certa posição social especial, levando-a a ter relações com o mundo de maneira diferente dos relacionamentos que envolvem as crianças ditas normais. Contudo, ele afirmava que uma deficiência para uma criança ou adulto pode e deve ser encarada como uma constante estimulação para o desenvolvimento mental. Se um órgão, devido a uma deficiência funcional, não é capaz de enfrentar uma tarefa, o sistema nervoso central e o aparato mental compensam a deficiência pela criação de uma superestrutura psicológica que permite superar o problema. Desta forma, a criança ou pessoa com deficiência sempre encontrará alguma forma ou adaptações necessárias para conseguir fazer o que deseja de uma forma ou outra. Isso é verdade, pois na minha vida pessoal sempre foi assim.



São o que Vygotsky intitulou de efeitos positivos da deficiência, caminhos no curso do desenvolvimento que permitem atingir determinados objetivos ou funções, marcando a singularidade do desenvolvimento da criança ou pessoa com deficiência. Embora o desenvolvimento apresente algum desvio fora da normalidade, seguindo caminhos especiais, as leis que regem o desenvolvimento cognitivo e psicológico dessa criança são as mesmas que guiam o desenvolvimento das crianças ditas normais.



Mas onde realmente podem surgir os conflitos na vida de uma criança com deficiência? Simples… Os conflitos surgem a partir do contato dela com o meio exterior e podem criar estímulos para sua superação. Assim, as deficiências poderiam causar limitações e obstáculos para o desenvolvimento da criança, mas também estimulariam processos cognitivos.



Entendendo melhor, o grau de normalidade de seu filho depende de sua adaptação social, ou seja, quanto mais uma criança ou adulto com deficiência estiver incluído e participando do maior número possível das atividades de sua comunidade, menores serão os impactos e efeitos negativos limitantes decorrentes de seu problema.



Será fundamental que, enquanto pais, família e educadores, estimulem as crianças com deficiência a encarar suas limitações não como obstáculo, mas como um desafio e processo criativo da luta dele contra tudo que o limita. Talvez, conhecendo essa visão que Vygotsky descrevia sobre as crianças com deficiência, dizendo que o grau de normalidade depende da adaptação social e que os efeitos positivos das deficiências podem estimular o desenvolvimento cognitivo e psicológico de seus filhos, pais,  familiares e educadores poderão diminuir suas ansiedades, dado que estas nada mais são que a falta de um conhecimento prévio.



Infelizmente, podemos concluir que, de modo cultural, sempre atribuímos uma série de qualidades negativas a uma criança ou pessoa com deficiência, focando principalmente as dificuldades de seus desempenhos, dado que pouco conhecemos das suas particularidades positivas. Todavia, para Vygotsky “é impossível apoiar-se no que falta a uma criança e naquilo que ela não é. Torna-se necessário ter uma ideia, ainda que seja vaga, sobre o que ela possui e sobre o que ela é”.



Enquanto familiares e profissionais de educação ou psicologia e áreas afins, precisamos perder essa cultura de focar a deficiência em si mesma, ou seja, no que falta na pessoa. Devemos buscar outros entendimentos de como se apresenta processo de desenvolvimento dessas pessoas, como elas interagem com o mundo, organizam seus sistemas de compensações (as trocas e as mediações que auxiliam na sua aprendizagem), a participação ou exclusão da vida social, a internalização dos papéis vividos, as concepções que se têm sobre si mesmas. Desta forma, entenderemos que as suas histórias de vida são propostas lançadas já há muitas décadas pelo nosso amigo Vygotsky.

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