O Ensino Da “Psicologia E Deficiência” Nas Faculdades Brasileiras



Publicado em 28/01/2010



Em 2006, em minha pesquisa de Bacharelado intitulada “Uma análise dos programas de Psicologia do Excepcional nos cursos de graduação em Psicologia no Brasil” (orientada pelo Professor Doutor Rinaldo Correr na USC/Bauru), analisei a Formação do Psicólogo no que se refere a orientação dos planos de ensino, de forma particular, as várias esferas do planejamento que se encontram expressos nos documentos oficiais das disciplinas “Psicologia do Excepcional” ou outras denominações correlatas nos cursos de Psicologia que se dispuseram a participar deste estudo.



Nessa pesquisa qualitativa, contando com 25 documentos como objeto de análise, foram focadas cinco categorias. Na primeira focamos os nomes das disciplinas, semestres e anos em que são oferecidas e suas cargas horárias, percebendo que mais da metade (57%) ainda mantém o título “Psicologia do Excepcional”, são predominantes no 5º. e 6º. semestres e a carga horária básica desses cursos é de 60 horas aulas. Uma das primeiras indagações que fazemos, é por que a maioria desses cursos insiste em manter o título “Psicologia do Excepcional”? Não parece, mas por trás de palavras como essa podem estar verdadeiras armadilhas que, mesmo sem sabermos, podem reforçar preconceitos e estereótipos. A abordagem e a terminologia utilizada, ao mesmo tempo refletem a influem na interpretação da sociedade sobre os principais temas de interesse coletivo, acaba reforçando estigmas e posturas preconceituosas transmitidas culturalmente, que podem significar, no mínimo, um empecilho à evolução e ao desenvolvimento social.






Na segunda categoria focamos as Ementas redigidas em cada documento, determinei três sub-categorias para análises, buscando alocar em cada uma o que cada texto expressou: Conservadora, observando que muitas tendências antigas ainda se mantém nesses cursos, principalmente de focar as classificações e conceituações das deficiências, o que até parece ser uma meta principal; Neutra, concepções que achamos importantes e o item História ganha grande espaço nisso; é importante que o aluno conheça a evolução histórica de tudo que envolveu as pessoas com deficiência, percebendo, por exemplo, como se constrói preconceitos, estimas, processos de exclusão; Tendências Atuais, abordando a deficiência dentro da realidade brasileira, trabalho, abordagens cognitivas (a ciência tem avançado muito nessa área), legislação, políticas públicas, trabalho, sexualidade, inclusão, diversidade humana. Na categoria Objetivo, as principais tendências dos objetivos gerais e específicos, o resultado foi basicamente o reflexo das ementas, praticamente todas as intenções se repetem, tendo um grande foco novamente nas classificações e conceituações.



Na quarta categoria, Conteúdos Ministrados, inicialmente buscamos descobrir os principais tópicos nessas disciplinas. Visando fazer essa identificação, construímos tabelas, extraindo os dados pertinentes a cada documento. Ao todo, foram elaboradas 19 tabelas, onde passamos a mapear os principais tópicos explorados em cada uma. Pelo menos, 18 se repetiram mais de uma vez: Classificação (44%), Conceituação (25%), história (18%) e estigma (13%). Com relação aos assuntos mais trabalhados, agrupamos oito das principais temáticas que apareceram nos documentos, organizando-as também por percentagens: Família (21%), Educação Especial (17%), Inclusão (18%), Educação Inclusiva (10%), Integração (10%), Legislação (10%), Trabalho (8%) e Sexualidade (8%). E, focando temas mais voltados para psicologia, a pesquisa revelou: Abordagens Cognitivas (29%), Atuação Profissional (27%), Diagnóstico (20%), Aspectos Psicológicos (17%) e Prevenção (7%).



Na quinta categoria, o foco de análise foram as referências bibliográficas utilizadas nesses cursos, tendo como meta identificar os anos predominantes das publicações e os títulos mais utilizados. Somando de maneira geral o número de referências apresentadas nesses 25 documentos, chagamos ao montante redondo de 500. Em seguida, separamos os anos predominantes de cada década, podemos concluir que os anos predominantes das publicações utilizadas pelos cursos de Psicologia do Excepcional ou similares em ordem decrescente 1997, 1986, 1988, 1993, 2000, 2003, 1979, o que percebemos uma fraca atualização e/ou produção de documentos e pesquisas mais recentes.



Ao se manterem quase que puramente classificando e/ou conceituando o que é deficiência, essas grades demonstram que a formação do psicólogo, no que se refere a essa questão, não apresenta avanço, não estabelece rupturas em termos epistemológicos. Não transcendem na busca do ser humano por de trás de qualquer tipo de limitação: suas reais necessidades, interações sociais, educacionais, relacionamentos familiares e afetivos, necessidades de atividades profissionais e, sobretudo, suas verdadeiras potencialidades a serem estimuladas de forma individual e coletivo.



Talvez o problema seja o que Ligia Assumpção Amaral chamava de “não familiarização do professor” dessas disciplinas com a temática por eles ministradas de maneira a apenas se cumprirem um curso obrigatório, exigido pelo currículo mínimo para o funcionamento das Faculdades de Psicologia. Entre os alunos criou-se o hábito apenas da obrigação de passar por essas matérias como forma de também cumprir currículo; não despertando neles interesse pelo assunto; não lhes mostram o quanto, em suas futuras atuações profissionais, poderão contribuir com a melhora de qualidade da vida de pessoas com deficiência e outras pessoas (por exemplo, familiares) a sua volta; não lhes são apontadas todas as possibilidades de trabalho junto a essa clientela.



É preciso criar mecanismos para estimular professores e alunos nessas disciplinas. Se não avançarmos além das intenções classificatórias e conceituais da deficiência no que tange à formação do psicólogo, não conseguiremos construir um espaço para a interdisciplinaridade. A intervenção psicológica (formação técnica) ainda se concentra no diagnóstico e na classificação, falta-nos uma formação que para uma ação processual, que considere o próximo desenvolvimento. Fazendo uma citação livre, é como nos advertiu Vygotsky, já nos anos 1920 do século passado, “todo o ser humano, independentemente do grau de sua deficiência, aprende e se desenvolve”.



A Psicologia como ciência passou por diversas transformações. De maneira geral, formou-se um modelo, que primeiro pela descrição do comportamento, seguindo padrões positivista, para um modelo, que exige cada vez mais, uma dimensão explicativa. A Psicologia do Excepcional, ao contrário, parece permanecer em uma condição “fossilizada”, sem rupturas. Essa expressão de uma atividade formativa reacionária, está em conflito com as dimensões atuais em que a formação do psicólogo deve estar voltada para a realidade que se transforma ininterruptamente. Sabemos que, seguindo os padrões estabelecidos e por influências internacionais, as pessoas com deficiência sempre foram motivo de classificações por parte da Psicologia. Através da Arbitrariedade do Grau, atribui-se a um indivíduo se este pode ser considerado “normal” ou “anormal” dentro do grupo social, devido suas necessidades sociais, educacionais, psicológicas. Todas as ações estariam norteadas pela maior ou menor necessidade e de apoio ao desempenho da política social grau que a deficiência se manifesta nesse indivíduo. Dessa maneira, a deficiência é definida como um conceito sócio-educacional, a determinação das variáveis que a identificam se baseia nas necessidades educacionais especiais dos indivíduos com deficiência.



As normas estabelecidas em nossa sociedade capitalista passaram a classificar todo tipo de deficiência por suas condições intelectuais, físicas ou sócio-culturais. Nas deficiências mentais, por exemplo, essas pessoas, são assim consideradas por terem QI com um desfio-padrão abaixo da média (QI 70). E tais classificações ainda estão embasando a atuação dos psicólogos brasileiros.



Temos em torno de 25 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência no país. Essa quantidade passou a ter um peso significativo na sociedade. Pessoas que nas últimas décadas, não contentes com o isolamento social, resolveram “pôr a cara na rua”, visando conquistar o seu lugar no seio social. Presentes hoje em todos os segmentos deixaram de ser os “coitadinhos” para ser um público consumidor, produtivo, sabedor de onde realmente quer chegar e exigente de bons serviços. Consequência disso, é que cada vez mais o contexto social está se vendo obrigado a promover e se adaptar à política da inclusão social para recebê-las, embora isso nem sempre ocorra.



Elas estão cada vez mais presentes nos lugares de lazer consumindo cultura e outros produtos: em espaços urbanos as barreiras arquitetônicas – por força de leis – estão começando a serem eliminadas com a construção de rampas, telefones públicos, degraus e guias rebaixadas, construções de elevadores e muito mais; os empresários, atentos às novas tendências, estão criando serviços especializados à essas pessoas; até mesmo os órgãos de comunicação estão abrindo cada vez mais espaço para essa temática.



Precisamos gerar psicólogos mais preparados para atender a essas pessoas, suas necessidades específicas e, em muitos casos, psicólogos para serem o elo dessa inclusão social, mediadores entre o real e o ideal. Considerando o grande número de pessoas com deficiências no país, hoje em qualquer lugar que um psicólogo for atuar, deparará com esse público:



ser for para área organizacional, as empresas devem ter uma cota mínima dessas pessoas contratadas;

• no setor educacional está sendo discutido, implementado e garantido por força da lei, a inclusão escolar;

• no setor hospitalar, elas ficam doentes como as demais;

• na clínica, mesmo se o psicólogo não atender diretamente essas pessoas, atenderá seus parentes.

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