Pesquisa Sobre Deficiência: A Arte De (Re)Produzir Conhecimentos



NOTAS: Este ensaio original escrito em 1991 sobre modelo de metodologia aplicada com base em sua experiência pessoal no campo das pesquisas, onde Emílio Figueira já demonstrava, além de como conduziria suas investigações ao longo de três décadas, vários de seus pontos de vista positivos para se trabalhar com assuntos referentes às pessoas com deficiência.



Visto que pouco se sabe a respeito do que cabe às pessoas portadoras de deficiência nas diferentes culturas, fato esse que, por sua vez, determina certas atitudes e normas de conduta, é necessário iniciar estudos sobre os aspectos socioculturais vinculados às deficiências. Isso permitirá compreender melhor as relações entre as portadoras de deficiência e as não-portadoras, nas diversas culturas. Os resultados de tais estudos permitirão propor enfoques adequados ao ambiente humano. Além disso, deve-se buscar a elaboração de indicadores sociais referentes à educação da pessoa portadora de deficiência, para poder analisar os problemas associados e planejar os programas consequentes. (Parágrafo 184 – Programa de Ação mundial para as Pessoas com Deficiência)






Escrever ou não escrever sobre deficiência? Essa é uma pergunta que nos fazemos constantemente. Mais do que tentar respondê-la, estar a necessidade de uma reflexão sobre a importância de se atuar neste campo. Antes de se pensar em escrever e produzir ou reproduzir conhecimentos sobre às deficiências e/ou seus portadores, temos necessariamente, que passar por várias etapas.



Primeiramente, está a questão da Iniciação ao tema. Ninguém inicia-se neste campo por acaso; uns por ter filhos ou parentes portadores de deficiência; outros porque estagiaram em entidades quando eram universitários e gostaram; alguns por motivos financeiros (poucos, porém!); muitos por paixão e “patriotismo” e os próprios portadores de deficiência (os principais interessados). Enfim, todos têm os seus motivos….



Motivos a parte, agora temos a questão da convivência. É fundamental conviver diretamente com todos os envolvidos da área (portadores de deficiência, pais, técnicos, especialistas, etc.); ter um olho clínico e muita observação; realizar experiências de campo também ajudam em muito. Todavia, é necessário alertarmos para algo. Ainda hoje é constante o grande número de estagiários e até profissionais renomados que, em entidades e associações, só conversam com os profissionais e técnicos, sem o mínimo de diálogo com os portadores de deficiência; ainda não aprenderam a dar dialogo aos próprios; ainda os veem como um simples objeto de trabalho. É precisa dar voz aos mesmos e deixar os portadores de deficiência dizer o que é melhor para si.



O mínimo de leitura também é indispensável. Temos hoje no mercado brasileiro, um número bem significativo de publicações, tanto na área técnica, como apenas informativa; autobiografias e/ou livros e escritos por especialistas portadores de deficiência (uma mescla de duplo conhecimento). Temos também jornais, revistas e boletins especializados na temática. Quanto maior for a nossa leitura, maior será o nosso conhecimento e, consequentemente, a facilitação para atuar neste campo. (Além da aquisição de uma consciência crítica para não aceitar tudo o que for moldado!)



Entraremos agora, na parte que mais oferece subsídios para os nossos trabalhos: a pesquisa! Ela é certamente a base de tudo.



Para se realizar uma pesquisa, seja ela de campo ou bibliográfica, é necessário antes, a seleção (escolha) de um tema específico. Isso porque, mesmo na área das deficiências, os assuntos são muito vastos. Geralmente, cada profissional se limita a realizar estudos em área específica, uns na área da educação especial, outros sobre reabilitação pessoal e/ou profissional, cada terapeuta sem sua especialidade, há quem estude a parte psicológica ou social da deficiência e assim por diante.



Uma questão básica que sempre esbarramos no início de uma pesquisa, refere-se ao financiamento. Alguns profissionais têm o apoio da instituição para a qual trabalha (entidade, universidade, etc); outros procuram apoio financeiro em alguns órgãos (governamentais ou não) que apoiam e incentivam a produção cultural/técnica/científica no país; sobretudo, o candidato a pesquisador, nesses dois casos, precisará de elaborar por escrito o seu projeto de pesquisa (o que hoje não é muito difícil, graças aos inúmeros manuais de modelo e regras existentes no mercado editorial). Mas é preciso uma certa maturidade; nem sempre consegue-se o apoio e financiamento desejado, pois pesquisas sobre portadores de deficiência ainda são de pouco interesse no Brasil (sendo alvo em 95% dos casos de estudos acadêmicos). Aliás, grande parte de nossos pesquisadores realizam seus estudos por iniciativa privada, seja por motivos pessoais e/ou coletivos; realizam principalmente, porque acreditam na força e importância de seu trabalho para a construção de um novo contexto social; acreditam que mudar é preciso!!!



Debilitado o tema e resolvido a questão do financiamento, para outra etapa de nossa pesquisa – o levantamento. Precisa-se fazer uma descoberta mais ampla possível do material disponível sobre o tema que estamos investigando; livros, artigos de revistas e jornais, teses e outros escritos, em bibliotecas, bancos de dados, livrarias, etc. Sempre tomando cuidado com suas respectivas datas para não cair em conceitos ultrapassados e a credibilidade de seus autores também é muito importante, O contato com pessoas ligadas ao assunto (professores, pesquisadores, especialistas) também ajuda muito, principalmente na troca de ideias e confrontos de opiniões. Embora quase ninguém ache interessante, leia também as referências bibliográficas no final de cada trabalho; nelas se descobre bons textos.



Feito o levantamento, vamos começar o tratamento dos dados coletados. Uma leitura preliminar, mas já demarcando as partes de interesse. Xerocar, ajuda a preservar os documentos originais e facilita as nossas anotações. Uma leitura mais detalhada agora, demarcando com caneta o que interessa (os trechos). Leia quantas vezes for preciso, até que se tenha certeza da interpretação do pensamento do autor e se condiz com o que vamos dizer, afirmar, dando sustento ao nosso ponto de vista. Escolhidos os dados, selecionadas as ideias e opiniões de outros autores junto som as nossas, aconselhamos organizar tudo numa espécie de roteiro, enumerando tudo numa ordem de começo, meio e fim; isso além de ajudar a ordenar, dará mais clareza ao seu raciocínio, e consequentemente, facilitará a redação de seu artigo, ensaio, monografia, tese, ou mesmo livro. Programar antes em forma de roteiro, além de evitar preocupação em demasia, agiliza os trabalhos.



Abrimos aqui um espaço para algumas reflexões: Mas que pesquisar e aceitar de forma natural tudo que lhe é dito/escrito, é preciso ousadia para romper o “círculo vicioso ” e muitas vezes discordar, desde que se tenha argumento para tal. Temos que sempre caminhar em busca do novo. Tudo nesse mundo vive em constante transformação. Nada pode ser aceito como uma receita já pronta a ser aplicada. O bom profissional não apenas aceita, estando em constante movimento em busca do novo e tentando descobrir e provar novos conhecimentos. Isso deve ser aplicado em diversas áreas, e no campo das deficiências acreditamos que não deva ser diferente. Mas cuidado… Muitas vezes querer mudar algo ou querer contestar uma opinião alheia pode ser perigoso. Estude bem antes de afirmar e/ou publicar seus conceitos; procure sempre discuti-los antes com outras pessoas, pois a troca de ideias geralmente valorizam em muito nossos trabalhos; ouvir muitas vezes ajuda, mas precisamos nunca esquecer que também temos que ter, ás vezes, as nossas próprias opiniões pessoais. Se possível também, tenha o conceito e materiais bibliográficos para ilustrar seus pontos de vista.



Dentro dessa transformação, precisamos também avançar o raciocínio com relação aos portadores de deficiência como simples “coitadinhos” ou eternos “dependentes”; chega de discursos paternalistas. Ainda hoje há muitos profissionais (até mesmo renomados, como já dissemos), que ainda os veem como simples instrumento de trabalho. Sabemos que muitas coisas já evoluíram com relação a esse campo. Inclusive os próprios portadores dão a cada dia provas de suas potencialidades. Acreditamos como sempre, na necessidade de mudar os moldes desse discurso, centralizando no lado positivo da deficiência. Isso não significa que temos que ocultar o lado negativo e as dificuldades da deficiência, mas saber o momento certo de abordá-los. Assim, ao nosso modo de raciocinar, quanto mais mostrarmos o lado bom da deficiência, mas estaremos incentivando e ajudando novos casos a serem resolvidos e, consequentemente, normalizando a imagem dos portadores de deficiência junto à sociedade.



Uma vez que já passamos por diversas etapas, acreditamos que já podemos começar a pensar em escrever o que estamos produzindo. Muitos dizem encontrar dificuldades para escrever, tendo inclusive, um certo medo. Mas ora, esse é o primeiro obstáculo a ser vencido. Existem vários segredinhos da arte de escrever que podem ajudar-nos na tarefa de redigir, quebrado o gelo, e naturalmente, descobre-se que redigir não é um bicho-de-sete-cabeças, pelo contrário, é uma tarefa até atraente.



Dentre os segredinhos que mencionamos existir para facilitar uma redação, temos o já citado acima, o roteiro, ou seja, programar antes com cada dado em seu devido lugar. Seja qual for o tamanho de seu texto, aconselhamos que tenha o princípio de qualquer redação: a introdução (início resumido do tema em pauta, o porquê de sua abordagem, dentre outras explicações iniciais); o desenvolvimento (desenrolar com mais profundidade o assunto, contendo dados/informações mais aprofundadas, referências, análises, etc) e finalmente a conclusão (uma referência final dos dados colhidos, sua significação, o que significa e o que se aprendeu com esse estudo, os objetivos alcançados e o que se espera para o futuro, dentre outros aspectos que achar ser importante abordá-los).



Obedecendo esses três itens, sua redação estará praticamente completa. Mas ainda há outra questão — a objetividade. Procure não fazer muito rodeia para se chegar ao ponto desejado; nem perca tempo com dados que fujam ao assunto principal tentando, literalmente, “encher linguiça”. Muitas vezes, a própria introdução do texto poderá servir de uma espécie de roteiro para evitar que se saia do tema principal. Objetividade também significa clareza. Evite (exceto nas publicações técnico/científicas), uma abordagem muito intelectualizada. Aliás, muitos usam o discurso intelectualizado como uma forma de se auto-maquiar; ou seja, uma forma de se apresentar como um “ser superior” perante a sociedade, além de também ter aqueles que usam os discursos elitizados como uma forma de esconder as suas fraquezas intelectuais.



Na nossa opinião pessoal, um verdadeiro estudioso das áreas das deficiências, é aquele capaz de interpretar os textos e outros trabalhos de nossos verdadeiros intelectuais (dentro de uma linguagem acadêmica), e ao mesmo tempo ser simples ao ponto de falar e escrever na linguagem do povo. Existe um mito que a população não gosta de ler textos sobre deficiências e seus portadores. Isso não condiz com a verdade. Pesquisas já demostraram que cada dez pessoas, sete se interessam por temas sociais. Temos a nossa própria experiência, os artigos que publicamos em jornais normais (inclusive no interior), são muito mais lidos que os artigos que publicamos em veículos especializados. Assim podemos concluir que objetividade, ajuda em muito a leitura fluir naturalmente, além de prender a atenção de seus leitores.



Às vezes nossas pesquisas não se baseiam em coisas inéditas. Os temas e assuntos sobre deficiência são coisas muito ditas; isso porque as coisas evoluem muito pouco nessa área. Porém, embora o discurso atual possa parecer o mesmo de muitos anos atrás (falta de apoio do governo, ausência de uma política de reabilitação, por exemplo), é precisa ter criatividade para redizer o que já foi dito. Quando se resgata uma pesquisa ou um tema já explorado, cada autor certamente terá uma nova maneira de abordá-lo, uma nova maneira de analisá-lo, além de acrescentar a ele fatos e/ou dados novos. Então, redescobrir e retrabalhar temas antigos, é uma forma de redizer o que já foi dito, além de também ser uma necessidade e uma arte!



Importante também é falarmos sobre a expectativas em torno de uma pesquisa. Não espere que com o seu trabalho, seja alcançado grandes êxitos e reconhecimentos. Não se frustre com as dificuldades da área. Se você for atuar no campo da deficiência esperando sucesso profissional; usar isso como uma espécie de trampolim em sua carreira, é bom nem começar. Aqui os resultados são muito demorados; às vezes nem chegam como deveriam. Esse é um trabalho anônimo, onde muitas de nós realizamos por ideologia e acreditar em sua necessidade e que, mesmo demorado, conseguiremos mudar o comportamento social para um cotidiano melhor para todos.



Uma coisa que gostaríamos de sugerir, é com relação a veiculação. Não guarde o seu texto ou pesquisa só para você. Dê cópias as pessoas interessadas; mande para bibliotecas especializadas e centros de documentação, envie à publicação da área, que talvez elas possam interessar em publicar, até com um pouco de sorte, procure uma editora de livros. Acreditamos que quanto mais fizermos circular informações e conhecimentos nessa área, maior será a nossa facilitação de trabalho e melhor serão as nossas chances de vitória. Divulgando, outras pessoas irão ler, refletir sobre o que escrevemos, e em algumas vezes, recriar conhecimentos em cima de nossos escritos.

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