Artigo publicado no Portal do TEA em 8 de agosto de 2025 @portaldoteaoficial em apoio aos seus livros pela Wak Editora @wakeditora, “Psicologia e Inclusão” e “As Pessoas Com Deficiência Na História Do Brasil”, editados por Pedro Wak @pedro.wak e apoio na divulgação de Ana Lúcia Bonfim @analucia.bomfim, assessora de imprensa
Nas discussões sobre inclusão na educação, é comum
encontrarmos o professor como figura central: ele é o mediador, o facilitador,
o agente que torna possível o acesso ao conhecimento para todos os alunos,
inclusive — ou principalmente — para aqueles que rompem com os padrões de
normalidade estabelecidos. Mas raramente nos perguntamos: quem inclui o
professor?
Há uma espécie de cegueira institucional que apaga a
diversidade entre os próprios docentes. Como se todos os professores fossem
iguais — física, emocional, neurologicamente — e como se estivessem sempre
prontos para acolher, mesmo quando eles próprios precisam ser acolhidos. Nessa
lógica, o professor com deficiência, com transtornos psíquicos, com
particularidades sensoriais ou com vivências dissidentes, torna-se um não-dito.
Um corpo estranho que deve se adaptar em silêncio ao sistema.
É curioso — e ao mesmo tempo trágico — que o mesmo discurso
que prega a inclusão para os alunos não contemple os profissionais que
compartilham dessas mesmas condições. Professores cadeirantes enfrentam
barreiras arquitetônicas dentro das escolas. Professores surdos são
desencorajados a assumir turmas. Professores neurodivergentes são
infantilizados ou tratados como inaptos. E professores com transtornos mentais
muitas vezes ocultam seus diagnósticos com medo do estigma. É a pedagogia do
silenciamento: quem ensina não pode adoecer, não pode falhar, não pode ser
vulnerável.
Essa exclusão silenciosa se manifesta em múltiplos níveis.
Na formação inicial, por exemplo, não há diretrizes inclusivas para os próprios
docentes. Licenciaturas continuam sendo pensadas para um perfil idealizado de
estudante-professor: jovem, normotípico, emocionalmente estável, com plena
mobilidade e autonomia. Na prática, esse perfil exclui uma imensa gama de
sujeitos — e os força a se adaptar a currículos e metodologias que não dialogam
com suas vivências.
Já nas universidades, professores com deficiência relatam a
precariedade dos ambientes físicos e digitais, a falta de recursos de
acessibilidade, a inexistência de apoio institucional efetivo. Mesmo no ensino
remoto, muitas plataformas não atendem aos requisitos mínimos de
acessibilidade.
Nas escolas básicas, é comum que um professor com alguma
limitação física ou sensorial receba olhares de dúvida: “mas como ele vai
dar aula assim?” — como se a presença da diferença comprometesse
automaticamente sua competência. É como se, por trás do discurso progressista,
ainda houvesse a suposição inconsciente de que o bom professor é aquele que
encarna uma certa “normalidade”. Qualquer desvio, mesmo que não afete seu
desempenho, é interpretado como fragilidade.
Mais grave ainda é o capacitismo institucional,
camuflado sob o verniz da eficiência, da excelência e da produtividade.
Exige-se do professor um desempenho padrão, contínuo, linear. Não há espaço
para ritmos próprios, para adaptações no ambiente de trabalho, para processos
não convencionais de ensino. As avaliações de desempenho, por exemplo, costumam
ignorar o contexto de cada docente, reforçando a ideia de que só existe uma
forma “correta” de ser professor. E essa forma raramente contempla corpos e
mentes fora da curva.
Há também a dimensão afetiva dessa exclusão. Muitos
professores com deficiência relatam o sentimento de estar “fora do ideal
docente”, como se tivessem que provar o tempo todo que são capazes, que são
suficientemente bons, que merecem estar ali. É uma pressão invisível, mas
constante, que corrói a autoestima e o senso de pertencimento. Ao invés de
encontrar apoio, escuta e compreensão, esses profissionais muitas vezes lidam
com a solidão — a mesma solidão que tentam combater em sala de aula, junto aos
alunos.
Em muitos casos, o sofrimento emocional do professor é
silenciado sob o discurso da vocação. Espera-se que ele siga em frente, mesmo
esgotado, mesmo adoecido, mesmo sem escuta. A romantização do “educador que não
desiste nunca” acaba por normalizar a negligência institucional com a saúde
mental docente. E quando o sofrimento se torna visível, ele é tratado como
falha individual — nunca como sintoma de um sistema excludente.
Mas talvez o ponto mais urgente dessa discussão seja a
inversão que ela propõe: o professor não é apenas o sujeito que inclui — ele
é também alguém que precisa ser incluído. Reconhecer isso é romper com a
lógica hierárquica que coloca o docente como um agente neutro, imune às
fragilidades humanas. É assumir que a escola não é feita apenas para os alunos,
mas também para os que ensinam. É entender que a verdadeira inclusão começa
quando todos os corpos e subjetividades têm lugar — inclusive aqueles que carregam
marcas, ruídos, diferenças e dores.
Incluir o professor significa ampliar o conceito de
inclusão. Significa pensar em políticas públicas que contemplem não só a
presença, mas a permanência e o bem-estar dos docentes com deficiência.
Significa revisar os currículos das licenciaturas, os concursos públicos, os
ambientes físicos e simbólicos da escola. Significa, sobretudo, escutar.
Escutar o professor que não vê, que não ouve, que se move de outro jeito.
Escutar o professor que convive com a ansiedade, com a depressão, com o
burnout. Escutar o professor que não se encaixa — e que, exatamente por isso,
tem muito a ensinar sobre o valor da diferença.
Talvez só possamos falar em inclusão real quando o sistema
educacional for capaz de acolher também aquele que ensina. Quando o
professor puder entrar na sala de aula sem esconder suas dores, suas
singularidades, sua humanidade. Quando ele não for mais invisível no discurso
que tanto o invoca.
Porque, afinal, ninguém ensina o que não vive. E ninguém
inclui de verdade se não se sente incluído.

