A Pessoa Com Deficiência E O Regaste De Sua Cidadania Através Da Escrita!



Artigo publicado nos anos 1990



Desde épocas remotas, estão presentes no Brasil movimentos populares: movimentos abolicionistas, pela independência, pela República, contra o golpe militar de 64.  Sempre lutamos pelos nossos direitos, principalmente depois da abertura democrática.



Não Indiferentes a todos esses acontecimentos históricos de mudança, as pessoas com deficiência também iniciaram os seu movimento. Resumidamente, podemos dizer que tudo começou em meados da década de 1970, quando, até então, elas eram consideradas uma espécie de objeto, trancafiadas em instituições, sendo cuidadas por aqueles considerados “técnicos e especialistas” no assunto. Nessa década começaram a surgir várias entidades organizadas em nível nacional, representando toda a classe. Oriundo de um movimento mundial, 1980 foi instituído o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD), chegando a reunir mais de 1000 pessoas – com deficiência ou não – em Brasília, no I Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes. Seguindo o lema do AIPD, “Participação plena e igualdade”, tendo por principal característica do movimento, a representação por elas próprias e não mais pelos especialistas.






Em nível internacional foi lançado o Programa de Ação Mundial para as Pessoas com Deficiência, das Nações Unidas (1982), cujo objetivo era promover medidas eficazes para prevenção da deficiência e para sua reabilitação. Visava também à realização dos objetivos de igualdade e participação plena das pessoas com deficiências na vida social. Isto significa oportunidades iguais às de toda a população e uma participação equitativa na melhoria das condições de vida resultante do desenvolvimento social e econômico. Estes princípios devem ser aplicados com o mesmo alcance e a mesma urgência em todos os países, independentemente do seu nível de desenvolvendo (Parágrafo 01 – o Programa tem sido o nosso principal instrumento de nossa luta.) Aproveitando ainda o AIPD, no período de 1982 a 1992 foi instituído pela ONU, como a Década da Pessoa Portadora de Deficiência (1982-1992).



Aqui no Brasil, continuavam a surgir entidades, tanto governamental, como principalmente não-governamental. Todas essas lideranças foram fundamentais para uma das principais etapas da luta travada na década de 1980, ocorrendo uma mudança de postura em relação à pessoa com deficiência. Outro grande passo, foi a criação da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), através de um decreto do Presidente da República, e confirmado pelo Congresso Nacional em outubro de 1989, através da Lei nº. 7.853. Esta lei estabelece normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas com deficiência e sua efetiva integração social. Conquistaram também, na Constituição Brasileira de 1988, vários artigos específicos em relação às suas causas.



Por tudo isso, continuar falando que nada mudou com relação a quem tem deficiência, não é nada justo. Já contam com muitas conquistas na prática, como por exemplo, o “direito de ir e vir”, onde em cidades brasileiras já há redução de barreiras arquitetônicas e contam com frotas de ônibus adaptados para usuários de cadeiras de rodas. No mercado de trabalho, está havendo uma grande abertura e reconhecimento da mão-de-obra dessa classe, principalmente em empresas de grande porte e multinacionais. No setor da Educação, está ocorrendo cada vez mais a inclusão de alunos com deficiência no sistema de ensino regular. Com relação aos esportes, considerado um dos maiores índices de mobilização de pessoas com deficiência, o Brasil vem se consagrando e já atingiu importantes resultados no ranking internacional. E estão sendo criadas “entidades de serviço”, como por exemplo, o Centro de Vida Independente do Rio de Janeiro (CVI/RJ), fundado em 1988, sendo o primeiro no gênero na América Latina. Vários CVIs se espalham pelo Brasil, criados e coordenados por equipes de profissionais com deficiência que informam e orientam o segmento, suas famílias e comunidades.



Baseado nessas e tantas outras animadas conquistas é que o movimento se intensifica e ganha forças a cada dia. São inúmeras as formas de participação: palestras, atividades culturais, lutas por direitos adquiridos, passeatas, manifestações públicas, enfim, cada qual com a sua forma de acordo com a sua necessidade. Porém, há uma forma silenciosa, mas de grande efeito e principalmente de importância social e cultural: a escrita!



A escrita teve o seu surgimento com o desenvolvimento da vida social, que começou, em determinado momento da história, a exigir que os homens ampliassem o uso das formas verbais de comunicação, necessitando compreender o próprio funcionamento da linguagem. Desse estudo surgiram as formas dissertativas que sempre estão presentes em nosso cotidiano, como por exemplo, nos discursos publicitários, jornalísticos, conversas informais e em nossas vidas pessoais, onde ideias estão sendo veiculadas, pontos de vistas debatidos, concepções atacadas ou defendidas. E, como se percebe, o mecanismo de comunicação que envolve os agentes discursivos tanto pode estar baseado em formas interpessoais como massivas.



Hoje e sempre a escrita é algo que possui muitas conotações. Mais do que uma representação através de letras, o texto argumentado representa a construção de nossas ideologias! Quando escrevemos, estamos transmitindo algo: informações, conhecimentos e, quase sempre, formando opiniões, motivo de muita responsabilidade de seu autor… E na área das deficiências, não deixa de ser diferente!



Um exemplo concreto, foi a Campanha da Poliomielite. Quando das realizações e veiculações dos anúncios publicitários, eram usados quase sempre o recurso de linguagem (verbal e não-verbal) para divulgar a intenção e importância de uma vacinação em massa; com isso, produziu-se o efeito e a conscientização da população, conseguindo-se o sucesso da campanha, ou seja, as palavras criaram ações cujos objetivos alcançados foi a erradicação da Poliomielite em nosso país. Esse exemplo, mostra-nos o mecanismo da argumentação com efeito eficaz. E por que não usar essa técnica em defesa dos direitos de pessoas com deficiência e na construção de sua Cidadania, utilizando, por exemplo, palavras mais diretas e simples, recorrer às estruturas frasais menos complexas, apresentar provas contundentes de que as coisas estão melhorando ou piorando?



De um modo geral, cabe-nos aqui um parêntese para algumas reflexões sobre a pessoa com deficiência e sua Cidadania, um tema bem atual, pauta de congressos, encontros, reuniões, artigos e revistas especializadas e nos meios de comunicação em geral.



Cidadania é algo de muitas conotações num amplo sentido. Porém, grosso modo, uma pessoa com algum tipo de limitação só é realmente reconhecida como cidadã, a partir de sua profissionalização, ou seja, a partir do momento que ela passa a ser alguém produtivo – grande característica geral do sistema capitalista. Mas é um longo caminho até se chegar nesse estágio. Se para qualquer pessoa conseguir um emprego ou qualquer outro tipo de colocação nos dias atuais, é difícil para aquelas que portam algum tipo de deficiência torna-se ainda mais difícil, tendo que realmente provar a sua potencialidade. E, depois de empregada, a cobrança (talvez por inveja de algum companheiro de serviço), é ainda maior, não podendo errar, pois o deslize será sempre associado a sua deficiência.



Para realmente atingir a Cidadania plena, a pessoa com deficiência precisa ter garantidos os seus Direitos Sociais (trabalho, educação, habitação, saúde, etc.) e os Direitos Políticos, como participar de sindicatos, partidos, movimentos sociais, escolares, conselhos, organizar associações para conscientizar governantes, parlamento, assembleias e a sociedade em geral de seus Direitos. Porém, ela precisa também se conscientizar de que ao mesmo tempo em que tem os direitos civis e sociais, também tem os seus Deveres, como por exemplo, o de sua Participação para ajudar a agilizar todas as conquistas desejadas, uma forma de vir à tona, recuperando (ou construindo) a sua identidade com indivíduo, em busca de justiça e igualdade, liberdade e ao mesmo tempo de individualidade. Individualidade porque, apesar de estar participando de um grupo, cada um deve ter também a sua opinião pessoal e seus desejos pessoais, o que deve ser respeitado pela coletividade. A bandeira de luta pela Cidadania plena de quem tem deficiência deve se transformar em seu cotidiano em algo de prazer, satisfação, sob condições que respeitem a própria vida, tendo ainda chance e respeito à questão do desejo e a construção da identidade do indivíduo com as atividades que realiza.



Talvez, um dos caminhos mais curtos para que alguém com deficiência conquiste a sua Cidadania plena, é a tão falada e almejada Inclusão Social. Isso significará vez e voz; acesso à educação; condições de progredir culturalmente; ingresso ao mercado de trabalho; sentindo-se útil; participação em atividades recreativas, esportivas, culturais, comunitárias e sociais, permitindo a inserção dessa pessoa na rotina da corrente normal da vida.



Do mesmo modo, podemos garantir que a escrita tem grandes contribuições a oferecer à área. Dividindo essas pessoas em dois grupos distintos, notaremos que uma pequena parte já tomou consciência de seus Direitos e Cidadania, reunindo-se em Movimentos Sociais (individual ou coletivo) e criando associações representativas, como por exemplo, os CVIs; mas uma outra grande parte nem requer ainda tomou consciência que tem Direitos e Deveres perante a Sociedade. Então, através da escrita, podemos oferecer subsídios para reforçar as lutas dos já ativos e, ao mesmo tempo, oferecer condições para que os demais, na medida do possível, conheçam seus Direitos e comecem gradativamente a participar da vida social e política em sua comunidade.



Não podemos, no entanto, esperar que todos tenham uma mesma forma de participação, pois cada um conta com um modo diferente de agir e pensar, tendo sempre em mente, que a Cidadania é um direito de todos, principalmente daqueles mais limitados ou prejudicados. Exemplo disso, em um encontro de APAEs realizado certa vez no Rio de Janeiro, onde foi dada voz as pessoas com deficiência intelectual, sendo que alguns falaram pela primeira vez de suas vidas, do que gostavam e do que não gostavam e o que faziam ou não faziam.  Perguntados sobre o que significava Cidadania para eles, uns opinaram que seria votar nas próximas eleições; para outros eram trabalhar e/ou estudar no sistema regular de ensino e, assim, cada um foi dando a sua opinião. Todas essas formas entendidas como Cidadania são válidas e todas essas pessoas devem ser encorajadas a se envolverem em sua escola, trabalho, associação de classe e na sociedade em geral, num papel ativo em nosso cotidiano, fazendo as nossas próprias escolhas, sendo encorajados a levá-las adiante. É preciso ainda, mais diálogo entre pessoas com deficiência e os profissionais que com eles trabalham, uma relação de intercâmbio, de uma forma democrática e igualitária, onde os pacientes deixam de ser meros receptadores passivos do velho sistema de reabilitação, mas sim, um cidadão consumidor consciente do que querem e precisam, além de criativos em suas vidas…



A luta por tudo isso pode ser feita por meio da escrita e com a colaboração de nós, os profissionais… Baseando-se em nossa experiência pessoal, podemos revelar que iniciamos escrevendo sobre deficiência em 1989. Nesse período já escrevemos e publicamos documentários, entrevistas, resultados de pesquisas, artigos de opinião e alguns livros técnico-científicos em torno da temática. E dentre todo esse contexto, nada gera tanto comentário quanto os textos de opinião pessoal.



Todos nós precisamos nos manifestar, tendo nossos próprios conceitos, para não ficarmos esquecidos num canto pela família, pela sociedade e pelas autoridades em geral, Conquistando com dignidade, nossa Cidadania no convívio social.



Outra área em que precisamos começar a investir e trabalhar através da escrita, é com relação à informação. Isso porque, a maior parte das conquistas dessas pessoas ou de especialistas com relação elas, direitos e recursos do nosso campo, como já frisado, quase nunca chega ao conhecimento da grande maioria. Através de textos, poderemos chegar ao conhecimento dos órgãos de informação pública de forma regular e automática, fazendo circular nos meios de comunicação, informações sobre nossas atividades, artigos de fundo, notas informativas. Poderemos nós mesmos, produzir nossos jornais alternativos, boletins, folhetos, etc. Poderemos também, através da linguagem verbal, realizar entrevistas em rádio e televisão e em qualquer outro meio adequado. São inúmeras as nossas possibilidades.



Informação também significa Educação do Público, principalmente em um país com tantos problemas sociais, com violência, os assaltos à mão armada e de um alto número de acidentes automobilísticos e de trabalho (cerca de três mil por dia), o que aliás, causam aumento de pessoas com deficiência. Escrever é uma forma de Prevenção, além de despertar a sociedade para o que realmente é uma pessoa com deficiência e para suas reais necessidades.  Por outro lado, é também uma forma de conscientização social.



Concluímos que o trabalho escrito por meio de texto informativo e/ou argumentativo, dentro de uma linguagem construtiva e adequada aos leitores, é uma forma de ação democrática e aberta, tornando-se uma grande arma na lutas sociais promovidas por diversos grupos e classes, o que poderá igualmente liberar ou oprimir, maquiar ou revelar como são feitas as manipulações, ideologias, dentre alternativas. Sobretudo, argumentar, opinar e informar é um grande exercício de Cidadania…



Seja qual for o meio de comunicação utilizado ou quem produzir material a partir deste curso, podemos traçar algumas dicas:


  • Primeiramente, sigam a linha do pensamento filosófico do jornalismo moderno – informação e opinião!

  • Faça algo diferente das muitos textos já existentes, como por exemplo, retirar o lado piegas e toda a emotividade que o tema – deficiência – pode suscitar.

  • Para um bom conteúdo, procure manter sempre contato com as entidades, os centros de reabilitação e pessoas ligadas à área, principalmente as pessoas com deficiência, permitindo que falem por si.

  • Divulgue trabalhos, pesquisas sendo realizadas, noticias, notas de promoções das entidades, reportagens e entrevistas, direitos (leis) e deveres, benefícios existentes na cidade e artigos de opinião.

  • Mostre lugares (adaptados ou não) que poderão ser frequentados por usuários de cadeiras de rodas e outros serviços.

  • Dê dicas de livros e artigos especializados, uma vez em que o pessoal da área sofre com a falta dessas bibliografias.

  • Tenha como meta esclarecer à população da importância da prevenção e orientação sobre as deficiências.

  • Procure conscientizar a todos da existência das pessoas com deficiência, sua realidade e participação na sociedade sem qualquer restrição.




Compa

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