A presença da pessoa com deficiência visual nas artes



Publicado pela Rede SACI – São Paulo-SP em 12/03/2003



A arte pode ser um meio para divulgar a inclusão social e mobilizar a sociedade



Introdução



Historicamente, na Antiguidade pagã quem não podia ver estava destinado ao abandono, era considerado um ser desprezível, sem oportunidade de trabalhar, e assim, de levar uma vida normal, sendo barbaramente oprimido. Apesar disso, houve alguns deficientes visuais que só não venceram as barreiras que o defeito lhes impunha, como conseguiram superar intelectualmente seus contemporâneos, como é o caso do poeta grego Homero que, segundo conta a tradição, era cego.



Durante o período renascentista, as pessoas sem visão passaram a ser o tema preferido de vários pintores. Dessa época, podemos encontrar quadros relevantes, tais como “Parábola dos Cegos”, retratando uma cena em que vários cegos vão caindo em uma valeta, de autoria de Pieter Bruegel (1530 – 1569); “O Tocador de Alaúde”, de Georges La Tour (1593 – 1652), no qual o pintor retrata um tocador de alaúde cego e “Os Cegos de Jericó”, de autoria de Nicolas Poussin, pintado no ano de 1651, no qual aparecem dois cegos sendo curados por Jesus.






Foi também durante a Idade Média que o cego pôde encontrar uma posição no mundo, que até então lhe fora tão hostil: surgiram os cancioneiros, declamadores e jograis. Dedicando-se à arte da fala e da canção, os cegos fizeram disso uma profissão, passando a constituir uma classe.



Mas se no passado a pessoa com deficiência visual era focalizada como tema nas artes e na cultura e depois como uma classe artística, a partir da década de 70 de século XX, ela passou a ser protagonista nesses campos, mesmo que timidamente. Nos anos 80, um verdadeiro movimento se alastrou mundialmente, demonstrando sua alta habilidade como artistas nas mais diversas áreas. O que se confirmou na década de 90, quando se encontram trabalhos artísticos e literários de ótima qualidade, desempenhados por essas pessoas, que impressionam e emocionam familiares e especialistas, bem como a população em geral.



Na atualidade, são muitos os portadores de deficiência visual interessados por arte ou que estão praticando diversas atividades artísticas, revelando grandes talentos, mostrando-se de igual aos demais artistas.



Em linhas gerais, essas manifestações artísticas são o mesmo que acreditar na arte como forte instrumento de inclusão social, sendo utilizada como meio de comunicação para disseminar valores e conscientizar a sociedade sobre a adoção de uma postura mais cidadã e construtiva, que mobilize esforços para que os portadores de deficiência/eficiência exerçam seus direitos, habilidades e capacidades que garantam qualidade de vida e direito à cidadania. E exemplos são o que não faltam…



GRUPOS MUSICAIS



Forró no Escuro



Composto por oito músicos deficientes visuais, o conjunto Forró no Escuro, iniciou-se na área musical na Escola de Música do Instituto São Rafael de Belo Horizonte, especializada no ensino para cegos, onde eles já se reuniam há 14 anos.



Com o nome inicial de Tropicalente, apresentaram-se em diversos locais, bares, clubes, festas particulares, shows ou bailes, com um repertório bem eclético, de sertanejo a Beatles, forjando a sua qualidade musical. Das primeiras aulas de música dentro da Instituição, aos shows que costumam agitar plateias em todo o estado de Minas Gerais e São Paulo, o desenvolvimento do trabalho levou os seus integrantes a buscar uma identidade, através de um gênero musical, que traduzisse com riqueza o apelo cultural do conjunto, mantendo intacta a convicção de afastar seu trabalho do velho estereotipo de “lição de vida”.



Profissionalizando-se em janeiro de 1998, e após uma análise de performance, antes mesmo da explosão do forró universitário, o grupo resolveu executar apenas esse estilo musical, uma música alegre e direcionada para o ambiente dançante, tradicional no nordeste do país e no norte de minas e com grande penetração na região Sudeste, atingindo sem distinção a todas as camadas sociais. Assim, aprimorar-se no gênero forró, com uma nova leitura e arranjos próprios para músicas consagradas e com a introdução de canções inéditas, do próprio grupo e de parceiros oriundos do mesmo meio e da mesma escola, o grupo vem destacando-se. Durante todo o primeiro semestre de 1998, o conjunto desdobrou-se em pesquisas, arranjos e ensaios, preparando-se para o lançamento do seu primeiro CD e uma programação de shows. Esta estratégia foi galgada com sucesso, e resultou em vários shows quando dividiu o palco com grandes nomes da música nacional tais como: Sérgio Reis, Banda Mel, Gang do Samba, Chiclete com Banana, Omeriah, dentre outros. O progresso foi ainda maior quando, em 1999, surgiu o primeiro CD da banda, o independente Forró no Escuro, vendendo expressivas seis mil cópias, contando com o patrocínio do Grupo Cofermeta através da Lei Estadual de incentivo à Cultura, do Estado de Minas Gerais.



Após uma participação no Encontro Nacional de Arte Sem Barreiras, realizado na cidade de Belo Horizonte em 1999, foram indicados pela Fundação Nacional de Artes (Funarte), para representar o Brasil na segunda edição do Annual Turkey International Arts Festival, realizado de 14 a 18 de agosto em Istambul, na Turquia.



Em uma das entrevistas do grupo, o vocaslista Popó Guimarães afirmou: “Trabalhamos a sério para que a deficiência visual não seja o elemento mais evidente no trabalho”. Enquanto em outro ponto o acordeonista Tinoquinho destacou: “O preconceito vem através da falta de oportunidades no mercado. Nas entrevistas, as perguntas sempre são feitas a partir de nossa deficiência”. Sempre positivos, para os integrantes do grupo, fazer música, além de arte, também pode ser uma afirmação da possibilidade de inclusão social através da arte.



Irmãos Cegos e Banda



Seguindo a mesma linha do forró, encontraremos em Ituporanga, Santa Catarina, atuando ha mais de 15 anos, o conjunto Irmãos Cegos e Banda. Formado por Osni (guitarra e vocal) Lauri (teclado e vocal), Zequinha (baixo e vocal), Vanderlei (guitarra e vocal) e Douglas (bateria), fazem apresentações em varias Regiões do Brasil. Com variados Estilos Musicais, sempre dando prioridade para os sucessos do momento. Incluem também no repertório músicas de outras épocas, dos gêneros como sertanejos, músicas gaúchas, pagode, axé e muitas outras, em bailes, festas e shows.



O Rotulo “Irmãos Cegos e Banda” surgiu pelo fato de dois dos integrantes serem deficientes visuais, porém nunca procuram valer-se de tal situação para conseguir espaço. Tentam sim conseguí-lo sempre através de profissionalismo e dedicação.



Banda Tribo de Jah



Outro exemplo vem das quentes terras brasileiras, da tão forte e original cultura maranhense, a qual recebe o título de Jamaica Brasileira à capital do Maranhão, desde 1980.



Também criada dentro de uma instituição, na Escola de Cegos do Maranhão, temos a banda Tripo de Jah, composta por quatro músicos cegos e um quinto com visão parcial (apenas em um olho); Frazão (teclados), José Orlando (vocalista), Aquiles Rabelo (baixista), João Rodrigues (baterista) e Neto (guitarrista), que se conheceram no local onde moravam em regime de internato. O gosto pela música ocorreu com a improvisação de instrumentos para a descoberta dos timbres e acordes.



Despertado para uma tendência musical, no início cada um começou a improvisar um instrumento, o baterista João Rodrigues, por exemplo, usou latas de querosene, cadeiras de sala de aula, o Frazão, tocava piano, embora de maneira bem desafinada, tendo que se virar para compor os acórdãos, e também improvisava o teclado de uma sanfona, o Aquiles, como não tinha contrabaixo, tirava o som num violão, mas como o instrumento têm seis cordas ele só usava as quatro últimas. E o guitarrista Neto, foi o último a entrar na banda.



Com o passar do tempo, foram ficando conhecidos e começaram a fazer shows nos bailes populares da capital, São Luis, e outras cidades do interior do estado, tocando serestas, reggae e lambadas. Com uma força do destino, conheceram o radialista Fauzi Beydoun (vocalista), não-deficiente, natural de São Paulo, que morou por quatro anos na Costa do Marfim, na África. Grande apaixonado pela cultura reggae, Fauzi, um exímio colecionador de reggae, que tinha vontade de fazer uma banda, para gravar só esse estilo e assim revolucionou o conteúdo da banda.



Foi a partir daí que a Tribo de Jah deu a partida para difundir o seu reggae, passando para o público suas mensagens de amor, paz, políticas sociais e divinas. Só que não encontravam apoio nos meios de massa; as grandes gravadoras não queriam mais divulgar seus trabalhos, nas rádios nem pensar, a tv não exibia nenhum de seus shows e não apareciam em programas de auditório e os jornais nada publicavam. Sem desanimar, os integrantes da Tribo de Jah, foram mostrando seu trabalho independente, fazendo shows e divulgando seus discos; abrindo espaço, hoje a banda conta com uma gravadora e uma distribuição à nível nacional.



No início de carreira o grupo sofreu muita discriminação. Indo às gravadoras querendo mostrar seu trabalho, ficavam sabendo por um dos diretores, que o pessoal dizia coisas assim: “os caras são cegos, são feios (…)”, ou piadinhas do tipo vão ter “que arrumar cachorros-guia para levar eles ao palco”. Não desistindo e acreditando em seu trabalho, os espaços foram sendo conquistados; as gravadoras os reconheceram artisticamente, tornando-se o sucesso viável, superando a muitos grupos e a muitas bandas existentes por aí. Atraindo muito público, a venda de cd’s foi aumentando gradativamente, mostrando para as gravadoras que o conjunto tinha muito potencial, sem divulgação de massa inclusive.



Mas venceram. Já com muito tempo de estrada fizeram uma viagem no principal palco do reggae mundial, o Reggae Sunsplash Festival, na Jamaica em 1995. Apresentaram-se nos quatro cantos do país, do Nordeste ao Sul; fizeram pequenas temporadas em casas de shows famosas como as cariocas Canecão e Metropolitan e nas paulistas Palace e Olímpia. Internacionalmente, além da Jamaica, a banda já tocou em alguns países como Buenos Aires, na Argentina, Caiena, na Guiana Francesa, além de shows na Europa em países como a França e Itália.



* Segundo a OMS-Organização Mundial de Saúde, cerca de 1% da população mundial apresenta algum grau de deficiência visual. Mais de 90% encontram-se nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil.

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