A presença da pessoa com deficiência visual nas Artes VIII



Publicado pela Rede SACI em 29/04/2003




Nesse último artigo, Emílio Figueira encerra sua série sobre um tema ainda pouco divulgado



A arte nas instituições



No Brasil, o fazer Arte é uma prática cada vez mais presente nas instituições que mantêm cursos regulares para escultura (argila e pedra), música (vocal e instrumental), pintura (aquarela e desenho) e tecelagem artística. Resultados dessas produções, muitas vezes de cunho terapêutico, são expostos através de grupos itinerantes ou exposições em outras instituições, hospitais e locais que podem se beneficiar deste conforto e incentivo para transformação e inclusão social. E podemos pegar, dentre muitos, um sólido exemplo institucional…



Cituado no Rio de Janeiro, o Instituto Benjamin Constant (IBC) é um órgão do Ministério da Educação do Governo do Brasil, tendo suas ações destinadas às questões relacionadas à Deficiência Visual. Fundado pelo Imperador D. Pedro II através do Decreto Imperial n.º 1.428, de 12 de setembro de 1854, tendo sido inaugurado, solenemente, no dia 17 de setembro do mesmo ano, na presença do Imperador, da Imperatriz e de todo o Ministério, com o nome de Imperial Instituto dos Meninos Cegos, o IBC, primeira instituição de educação especial da América Latina, constitui-se hoje em um centro de excelência e de referência nacional na área, com atividades voltadas para o atendimento das necessidades acadêmicas, reabilitacionais, médicas, profissionais, culturais, esportivas e de lazer da pessoa cega e portadora de visão subnormal. Através do ensino, da pesquisa e da extensão, o conhecimento é construído e difundido para todo o país e para o exterior, objetivando sempre o aprimoramento e a adequação do atendimento às necessidades específicas de sua clientela.






Detalhe curioso que criação do Instituto contou com o apoio e ajuda direta do escritor José Alvares de Azevedo, que lendo e escrevendo, persuadiu D. Pedro II da necessidade e da vantagem de se criar uma instituição voltada ao ensino de pessoas deficientes da visão. Também, através de seus conhecimentos, auxiliou na vinda, diretamente de Paris, dos materiais escolares indispensáveis aos futuros alunos. Nessa empreetada, Azevedo chegou a realizar a tradução de “História dos Meninos Cegos de Paris”, da autoria de J. Guadet. Ao lado do Dr. José Francisco Xavier Sigaud – primeiro diretor do Instituto – teve um importante papel de como precursor da primeira escola para educar meninos cegos no Brasil. Só que o escritor não chegou a participar da inauguração, falecendo de maneira prematura aos vinte anos de idade, vítima de tuberculose em 17 de março daquele ano.



Logo em seus primeiros anos, era crescente o prestígio da instituição, e aumentava o número dos alunos profissionalizados como encadernadores, no campo artístico formava-se organistas, afinadores de piano e na educação professores (de Português, Francês, Música ou História Sagrada).



Interessante também no campo da literatura, foi a criação em 1861 de uma tipografia para impressão em pontos salientes, tendo a frente dedicado artesão Nicolau Henrique Soares, marco inicial da atual Imprensa Braille. Em 1863, publicava-se o primeiro livro em alto-relevo brasileiro, intitulado “História Cronológica do Imperial Instituto dos Meninos Cegos”, escrito por Cláudio Luiz da Costa, abrangendo, em três volumes, os fatos das duas primeiras administrações.



Segundo Francisco Mendes Lemos e Paulo Felicíssimo Ferreira, autores da história do IBC, é “impossível pensar a História do Instituto Benjamin Constant sem o suporte, regular e contínuo, das transcrições para o Sistema Braille, já que isto tornaria inexequível o processo de leitura direta por parte do estudante cego, privando-o, no mínimo, do conhecimento da ortografia e das pontuações, com sérios prejuízos para a compreensão de conceitos diferentes representados por símbolos foneticamente semelhantes, ou, ainda para o atendimento dos diversos matizes de linguagem escrita, contidos nas pausas, na entoação ou na ordem das ideias. (…)Nas oficinas, os livros eram impressos só para os alunos, que tinham de usá-los por muitos anos, já que para cada obra era exigida uma composição tipográfica, e os trabalhos de encadernação e tipografia, executados pelos alunos das séries mais adiantadas com a orientação de um mestre, eram todos manuais”. Podemos recordar através de registros, duas publicações que saíram dessas oficinas: em abril de 1942, a Revista Brasileira para Cegos – RBC, criada por sugestão do professor José Espínola Veiga, tinha distribuição gratuita para todo o país e, em setembro de 1959, a Imprensa Braille transcrevia o primeiro número da revista infanto-juvenil “Pontinhos”, fundada pelo professor Renato Monard da Gama Malcher, que já coordenava a elaboração da RBC.



Ainda hoje a literatura é muito incentivada no Instituto. A Biblioteca Louis Braille está equipada com um acervo de títulos didáticos, informativos, culturais e de lazer impressos no Sistema Braille, à tinta e gravados em fitas cassete. Existe o seu setor do livro falado, onde estão as salas de leitura, seção infantil, cabines individuais destinadas à audição, cabines e estúdio para gravação de livros falados. Além do serviço de leitores voluntários, que propicia um considerável aumento na quantidade de informações que podem ser captadas pelos usuários cegos. Para atender às pessoas de visão subnormal, há uma aparelhagem de TV em circuito fechado, a CCTV, que aumenta os tipos impressos em até 60 vezes.



Ensino Musical



A música e musicoterapia são dois elementos fortes na rotina do IBC, estando presente na formação do aluno desde o jardim de infância e classes de alfabetização, atuando como elemento formativo, visando a ampliação do diálogo do aluno com os elementos da linguagem musical; propicia situações de expressão a partir de seu esquema corporal e de sua relação com o espaço e o tempo, ampliando, qualitativa e quantitativamente, as experiências sensoriais afetivas e cognitivas. Na fase ginasial, a educação musical atua como um espaço para a sondagem de aptidões na área, promovendo a equiparação de seus cursos com aqueles das escolas da rede não-especializada, através das seguintes atividades: iniciação musical, musicalização, teoria e solfejo, teclado, instrumentos de corda, instrumento de sopro e canto coral. Aulas de violão, de piano, percussão e instrumentos de sopro para criança, adolescentes e adultos são ministradas no período da tarde. Reflexo e resultado de todo esse trabalho, é a existência de um coral de expressivo conceito, formado por alunos, reabilitandos, ex-alunos, professores e funcionários, cujo primeiro CD com gravações exclusivas do Coral do IBC foi lançado na semana comemorativa dos 142 anos da instituição (setembro de 1996).



Ao longo de sua história, importantes ex-alunos do Instituto, destacaram-se no mundo das artes e da literatura. Desse montante, podemos citar nomes de autores de obras didáticas ou literárias publicadas: Aires da Mata Machado, João Delduck Pinto Filho, Joaquim José de Lima, Jonir Bechara Cerqueira, José Espínola Veiga, Luzia Villela Pedras, Mamede Freire, Mauro Montagna, Olemar Silva da Costa, Luzimar Alvino Sombra, Edison Ribeiro Lemos, Ernani Vidon, Palmira Fernandes Bastos, Renato Monard da Gama Malcher, Silvino de Souza Coelho Neto, Sylvio Pellico Machado e Vitorino Serra de Moraes. Poetas: Benedicta de Mello, Francisco José da Silva, Iracema Rodrigues Torres Hildebrandt, José Augusto Ribeiro, José Miguel Bastos Filho, Mayá Devi de Oliveira. Tradutores: Hélio Bezerra do Amaral, José Espínola Veiga, José Miguel Bastos Filho. Músicos: Alzídio Cruz, Francisco Gurgurino de Souza, João Freire de Castro, Paulo Guedes de Andrade, Sidney de Souza.



Cegueira já foi tema de autor Nobel



Um interessante fato merece ser citado. Trata-se do livro “Ensaio sobre a Cegueira”, escrito pelo escritor português José Saramago. No desenrolar do enredo, um motorista parado no sinal se descobre subitamente cego. É o primeiro caso de uma ‘treva branca’ que logo se espalha incontrolavelmente. Resguardados em quarentena, os cegos se percebem reduzidos à essência humana, numa verdadeira viagem às trevas. O livro é a fantasia de um autor que nos faz lembrar ‘a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam’. José Saramago nos dá, aqui, uma imagem aterradora e comovente de tempos sombrios, à beira de um novo milênio. E, permeando sua narrativa, Saramago lança diversas ideias que evidencia algumas das mazelas do mundo moderno: egoísmo, solidão, ânsia de poder …



Saramago nasceu em 1922, na província do Ribatejo, em Portugal. Devido a dificuldades econômicas foi obrigado a interromper os estudos secundários, tendo a partir de então exercido diversas atividades profissionais; serralheiro mecânico, desenhista, funcionário público, editor, jornalista, entre outras. Seu primeiro livro foi publicado em 1947. A partir de 1976 passou a viver exclusivamente da literatura, primeiro como tradutor, depois como autor. Romancista, teatrólogo e poeta, em 1998 tornou-se o primeiro autor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura.



Conclusão



Inserir a pessoa portadora de deficiência visual na dinâmica social é um processo que necessita de romper barreiras de um e de outro lado. E a arte pode servir como um grande instrumento para isto, muitas vezes até de maneira natural. Precisamos criar oportunidades para que o deficiente se qualifique, participe dos movimentos sociais e para isso o poder público há que oferecer condições para essa qualificação e para a conquista de autonomia para a leitura, locomoção e acessibilidade aos bens culturais, já que em nosso país a cultura e arte estão um pouco esquecidas para os deficientes; podemos considerar quase oculta de nem perceber o seu trabalho é um Dom artístico e até ser reconhecida como uma obra.



Muito mais que simples registros, que todos os exemplos mostrados aqui, possam servir como espelho para novas ideias e produções artísticas, sejas elas profissionais ou apenas de cunho terapêutico. Sobretudo, que sejam maneiras naturais de inclusão social, permitindo que a arte a cumpra seu papel social, alargando o horizonte das pessoas portadoras de necessidades especiais, proclamando a liberdade física, intelectual e espiritual dos indivíduos.

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