As universidades e faculdades brasileiras estão vendo a presença cada vez maior de graduandos com algum tipo de deficiência em seus campi. Isto porque no Brasil, desde 2008, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, do MEC, promove a transformação dos atuais sistemas de ensino em sistemas educacionais inclusivos. Tem como estratégias a garantia do acesso e a permanência dos estudantes com deficiência, por meio de ações que visem à eliminação de barreiras físicas, pedagógicas e na comunicação, assim como nos ambientes, tendo como foco a promoção da autonomia e a igualdade de direitos dos alunos com deficiência.
No caso do ensino superior, essa política, consolidada por uma ampla legislação composta por leis, visa assegurar as pessoas com deficiência (PcD) o seu ingresso e as oportunidades de desenvolvimento pessoal, social e profissional, bem como não restringir sua participação em determinados ambientes e atividades em razão da deficiência.
No último Censo do IBGE, em 2010, o Brasil tinha 45.606.048 PcD a, o que representava 23,9% da população. Em termos educacionais, entre as PcD com mais de 15 anos no país, 61,13% não tinha instrução ou tinha somente o ensino fundamental completo. Outros 14,15% tinha ensino fundamental completo ou médio incompleto, 17,67% tinha ensino médio completo ou superior completo e apenas 6,66% concluíram um curso superior.
Um número que se elevou. Dados do Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mostram que em um período de dez anos, entre 2004 e 2014, o acesso de pessoas com deficiência ao ensino superior, deu um salto no país. Fatores como criação de novas instituições e cursos e, ainda estímulo ao acesso por meio de iniciativas como o Programa Universidade para Todos (Prouni), o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Programa de Financiamento Estudantil (Fies), o número de matriculados no ensino superior como um todo teve um grande incremento e o ingresso de PcD nestas instituições também cresceu.
Esse crescimento traz novos desafios ao ensino superior. Segundo a Convenção das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência define em seu artigo 1º: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”.
Se antes a pergunta era “O que são pessoas com deficiência?”, hoje a pergunta precisa ser: Como nós professores universitários e demais membros da academia devemos atuar para ajudar alunos com algum deficiência a ter mais autoestima e um desenvolvimento acadêmico satisfatório?
Em Obras Completas – Elementos da Defectologia, Lev Vygotsky abordou de forma pioneira e sistemática assuntos relacionados à criança ou pessoa com deficiência com grande significado, gerando ideias e um novo modo de ver tais questões, descrevendo que essas pessoas têm dos tipos de deficiências:
Primária – trata-se da deficiência propriamente dita – impedimento, dano ou anormalidade de estrutura ou função do corpo, restrição/perda de atividade, sequelas nas partes anatômicas do corpo, como órgãos, membros e seus componentes, incluindo a parte mental e psicológica com um desvio significativo ou perda.
Secundária – são as consequências, dificuldades e desvantagens geradas pela primária. Ou seja, tudo aquilo que uma pessoa com deficiência não consegue realizar em função de sua limitação. Uma situação de desvantagem às demais pessoas sem deficiência, podendo o indivíduo encontrar limitações na execução de atividades, restrições de participação ao se envolver em situações de vida em ambiente físico, social e em atitude no qual as pessoas vivem e conduzam sua vida.
A partir dessa divisão, Vygotsky passou a defender que profissionais de saúde e educadores precisam enfatizar suas atividades em ajudar a pessoa a superar suas deficiências secundárias e não focar nas deficiências primárias.
Vygotsky afirma que uma deficiência é, para o indivíduo, uma constante estimulação para o desenvolvimento intelectual. Se um órgão, devido a uma deficiência funcional ou morfológica, não é capaz de enfrentar uma tarefa, o sistema nervoso central e o aparato mental compensam a deficiência pela criação de uma superestrutura psicológica, que permite superar o problema.
Os conflitos surgem a partir do contato da deficiência com o meio exterior e podem criar estímulos para sua superação. Assim, as deficiências podem causar limitações e obstáculos para o desenvolvimento do aluno, mas também pode estimular processos cognitivos comultativos. São o que ele intitula de efeitos positivos da deficiência.
Incluir os alunos com deficiência na universidade é uma forma de tornar a sociedade mais democrática, sendo papel de todos os cidadãos transformar as instituições de ensino em espaços legítimos de inclusão.
No contexto universitário, a concepção de direitos iguais para todos, também recebe destaque nas políticas propostas pela UNESCO, na Conferência Mundial sobre a Educação Superior, realizada em Paris em outubro de 1998, apresentando como principais postulados ideias em contraposição a concepção atual de ensino superior:
a) Acesso ao ensino. O acesso aos estudos superiores será igual para todos;
b) Responsabilidade do Estado. O Estado conserva uma função essencial no financiamento do ensino superior. O financiamento público da educação superior reflete o apoio que a sociedade lhe presta e dever-se-ia continuar reforçando, sempre mais, a fim de garantir o desenvolvimento deste tipo de ensino, de aumentar a sua eficiência e manter a qualidade e pertinência;
c) Apoio à pesquisa. Promover, gerar e difundir conhecimento por meio da pesquisa. Fomentar e desenvolver a pesquisa científica e tecnológica, ao mesmo tempo que a pesquisa no campo das ciências sociais, das ciências humanas e das artes;
d) Responsabilidade social. A educação superior deve fazer prevalecer os valores e os ideais de uma cultura de paz, formar cidadãos que participem ativamente na sociedade. Para consolidar, num contexto de justiça dos direitos humanos, o desenvolvimento sustentável, a democracia e a paz.
Só que, se tratando do ensino superior a inclusão é uma discussão recente. Este novo refere-se ao desconhecido, e, este diferente, exige do educador ações pautadas não só em políticas públicas como também numa prática reflexiva. O educador universitário também precisa de capacitação, preparação que garanta o desenvolvimento de habilidades e conhecimentos necessários a uma ação segura por parte desses profissionais.
No universo do ensino superior a prática docente frente a alunos com deficiência necessita além de políticas públicas, de ações compartilhadas capazes de orientar o educador na formação de sujeitos, valorizando a diversidade em todos os espaços e fazendo valer o verdadeiro sentido da inclusão enquanto processo que reconhece e respeita diferentes identidades e que aproveita essas diferenças para beneficiar a todos.
Assim, cabe as instituições de ensino superior, instituir políticas de inclusão e demover ações de exclusão, valorizando cada vez mais, ações pautadas no respeito a diversidade, considerando o papel que as mesmas assumem ao longo da história da sociedade.
Na inclusão, as iniciativas são da sociedade. E a academia tem muito a colaborar nesse processo, onde a sociedade se adapta para poder incluir em seu contexto as pessoas com deficiência. Mas, por outro lado, essas mesmas pessoas precisam ser preparadas para assumir seus papéis na sociedade, o que abre várias possibilidades de através do acesso irrestrito e de sua formação também em nível superior.
Será uma forma de parceria entre a sociedade e a academia, visando equacionar problemas, decidindo sobre soluções, efetuando equiparações de oportunidades para todos. Estaremos, assim, realmente criando um ensino superior inclusivo e com um relacionamento prático entre as universidades e alunos com deficiência, na busca do ser humano por de trás da pessoa com qualquer tipo de limitação: suas reais necessidades, interações sociais, educacionais, relacionamentos familiares e afetivos, necessidades de atividades profissionais e, sobretudo, suas verdadeiras potencialidades a serem estimuladas de forma individual e coletiva.