Este ano o Hospital de Pesquisa é Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais-HPRLLP, orgulho e cartão postal de Bauru, está completando 30 anos de existência. São três décadas de muita história e conquistas. Por este motivo, a partir de hoje até o final do ano, às sextas-feiras, utilizaremos a coluna “Espaço Aberto” trazendo trechos de sua história. Serão muitos fatos interessantes e curiosos que, se acompanhando artigos a artigos, permitirão o leitor conhecer e entender o desenvolvimento do grande universo que se tornou o Centrinho.
Começando a nossa narrativa, podemos inicialmente contar que o Centrinho nasceu devido a uma pesquisa realizada por alguns professores da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB-USP), na década de 60. Os docentes eram Halim Nagem Filho, Ney Moraes e Ronaldo G. Flaquer da Rocha. Intitulada “Contribuição para o estudo das más formações congênitas lábio-palatais na população escolar de Bauru”, a pesquisa foi publicada pela revista da FOB, (edição de abril/junho de l968. Seu resumo explicava:
“Para estabelecer a prevalência de fendas labiais e/ou palatais na população de Bauru, Estado de São Paulo, os autores examinaram alunos de 31 grupos escolares, num total de 13.249 crianças. Do total de crianças foram encaminhadas 20 portadoras de más formações congênitas nas quais se fez levantamentos de raça, sexo, ordem de nascimento, estação do ano de nascimento, idade da mãe na época da gestação, consaguinidade, tipo de lesão, estado atual da lesão, época da cirurgia, distúrbios e antecedentes familiares com más formações congênitas. Alguns destes fatores foram analisados quanto a sua relação com a presença de más formações”.
Além de apontar um alto índice de casos de fissuras lábio-palatais na cidade, a pesquisa mostrava também que todos os pacientes, operados ou não, possuíam pelo menos um distúrbio funcional devido ao tratamento inadequado. Esses resultados serviram, principalmente, para alertar e motivar os profissionais e professores da FOB, para o problema das malformações congênitas do lábio e/ou palato.
Segundo trecho de um artigo do Prof. Dr. Ney Moraes (l973), “um problema de saúde cuja solução dependia da atuação oportuna de diversos especialistas, deveria estar na dependência não mais de um único profissional, mas sim de uma equipe. A equipe poderia planejar e investir eficientemente para a reabilitação global dos casos, em relação a todos os aspectos do problema”.
Assim, o hospital contou inicialmente com sete membros efetivos que, embora em condições mínimas, iniciaram os trabalhos, tornando-se os fundadores do Centrinho:
1 – Wadi Kassis – cirurgião plástico;
2 – Halim Filho – protesista maxilo-facial;
3 – Décio Rodrigues Martins – ostodontista;
4 – Bernardo Gonzalez Vono – odontopediatra;
5 – José Alberto de Souza Freitas – radiologista;
6 – Ney Moraes – cirurgião-dentista sanitarista e
7 – Noracylde Lima – anatomista e prótecista.
Tiveram também total apoio do Professores Doutores Paulo de Toledo Artigas e juiz Ferreira Martim.
O seu primeiro nome era: “CENTRO DE PESQUISA E REABILITAÇÃO LESÕES LÁBIO-PALATAIS (CPRLLP)”. Sete anos após a sua criação, no CPRLLP já haviam 580 pacientes em fase de reabilitação, sendo atendidos em um prédio próprio de 2.200 m2, comportando todos os setores necessários à recuperação. “O sonho de ontem tornou-se hoje uma grande realidade, graças ao apoio e dinamismo do Prof. Dr. Luiz Ferreira Martins, artífice maior dessa grande realização” (Tio Gastão, 1973).
José Alberto de Souza Freitas, atual superintendente, em um texto datado de 1973, explicava que poderiam ser citados pelo menos oito fatores que em torno de l967, juntos ou separadamente, tiveram uma influência acentuada na criação do Centrinho: 1) alta prevalência de fissuras lábio-palatais na região de Bauru, com relação de 1 para 650 nascimentos, com um índice de mortalidade de 25% no primeiro ano de vida; 2) a existência de inúmeros casos de adolescentes e adultos não operados, e que viviam marginalizados da sociedade; 3) o conceito da criança como um todo; 4) o estudo e aplicação de conhecimento acerca do crescimento e desenvolvimento da criança; 5) eliminação dos inconvenientes oriundos dos tratamentos estanques; 6) a utilização de equipe para tratar com problemas médicos odontológicos, psicológicos, foniátricos e sociológicos complexos; 7) a inexistência em toda a América do Sul de um centro especializado, que proporcionasse um tratamento completo e integrado ao longo de todo o desenvolvimento da criança, abrangendo todos os setores de recuperação; 8) porque, reabilitar é socialmente tão urgente como ensinar e pesquisar, porque é, como estes últimos, um meio de libertar a pessoa e dar-lhe os elementos que lhe permitem concorrer à igualdade de oportunidade, que ninguém deve excluir: “Igualdade de oportunidade, um dos pilares da democracia.”
Em um artigo chamado “Uma instituição singular”, publicado pelo “Jornal comemorativo dos 60 da USP” – setembro de l994, Olegário Bastos (anestesiologista, escritor, Diretor do Serviço Médico do HPRLLP-USP e membro da Academia de Medicina de São Paulo), relembrando que dedicou sua vida e carreira a essas instituições, recordou o início do HPRLLP neste trecho:
“Durante os anos letivos para a formação de sua primeira turma, professores e alunos tiveram seus olhos dirigidos para pacientes portadores de lesões lábio-palatas que eram acolhidos nos ambulatórios. Registro, na memória, os primeiros casos de fissurados, que foram orientados e acompanhados para tratamento cirúrgico no Hospital da Beneficência Portuguesa, quando deles participamos. Recém-natos, infantes, adolescentes, adultos com sérios problemas de malformções craniofaciais, onde a fissura (lábio-palatal) predominava, eram objeto de ensinados e mestres e discípulos que tinham em mente dar sequência ao tratamento integral. O embrião de um núcleo assistencial numa área diversa germinava. Rememoro que o zelo, o carinho e o empenho eram a tônica daqueles jovens de antanho para aqueles pacientes que encontravam aquela faculdade que se encaminhava firme, sua aliada para a solução de seus defeitos da face, tantas e tantas vezes arredios e a escondê-los furtivamente!”
A primeira curiosidade: O primeiro paciente inscrito no Centrinho, foi Walter Salto, Registro 001; mas Bento Gonçalves, Registro 109, foi o primeiro paciente operado na Beneficência Portuguesa, em 09 de abril de 1973.
NOTA: Essa série de artigos é fruto do documentário “Nem São Francisco Sabia… A História de Centrinho de 1967 a 1995”, hoje Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho) da USP/Bauru. Realizado entre 1994 a 1996 por Emílio Figueira, contou com bolsa de especialização da Universidade de São Paulo-USP. Foram publicados no jornal Diário de Bauru de maio a julho de 1997.