Deficiência, Comunicação Social E O Programa De Ação Mundial



NOTA: Artigo publicado amplamente nos anos 1990.



Falar de pessoas com algum tipo de deficiência já não é mais falar de um universo tão pequeno assim, ou como muitos pensam, insignificante. Os números provam isto. Segundo os dados do Censo Demográfico do IBGE, 46,5 milhões de brasileiros têm deficiências. Essa quantidade de pessoas com deficiência passou a ter um peso significativo na sociedade. Pessoas que nas últimas décadas, não contentes com o isolamento social, resolveram colocar a cara na rua, visando conquistar o seu lugar no seio social. Presentes hoje em todos os segmentos, deixaram de ser os “coitadinhos” para ser um público consumidor, produtivo e, sabedor de onde realmente quer chegar, exigente de bons serviços.



Consequência disso, é que cada vez mais o contexto social está se vendo obrigado a promover e se adaptar à política da inclusão social para recebê-las. Por lei, o mercado de trabalho tem que reservar vagas em seus quadros de funcionários; as escolas e universidades públicas têm que se reestruturar para que alunos com e sem deficiências dividam as mesmas classes de aula; pessoas com deficiência estão cada vez mais presentes nos lugares de lazer consumindo cultura e outros produtos: em espaços urbanos as barreiras arquitetônicas começam a ser eliminadas com a construção de rampas, telefones públicos, degraus e guias rebaixadas, construções de elevadores e muito mais; os empresários, atentos as novas tendências, estão criando serviços especializados a essas pessoas; até mesmo os órgãos de comunicação estão abrindo cada vez mais espaço para essa temática.






AS PRIMEIRAS INICIATIVAS



Desde o início dos anos 1990, o Brasil despertou para uma nova e importante tendência mundial: a questão que envolve “deficiência e comunicação social”. Este tema começou a tomar corpo por meio de uma iniciativa do Centro de Vida Independente (CVI) do Rio de Janeiro, quando em 1991, o CVI lançou o “Mídia e Deficiência: Manual de Estilo”, uma publicação baseada em dicas internacionais – sobretudo, da Espanha -, tendo uma coedição posterior (1994) com a Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência-CORDE. O fato deu origem a uma série de debates em congressos e mesas-redondas.



A intenção de quem está estudando e traçando metas de trabalho nesta área, de um modo geral, é desenvolver um plano para recuperar a imagem social da pessoa com deficiência também dentro dos meios de comunicação social. Muito já foi (e continua sendo) realizado para reabilitá-las no plano familiar, escolar, profissional e social; mas, considerando que os órgãos de comunicação de massa possuem tanto poder nas mãos, formando conceitos e opiniões, muito ainda temos a avançar neste campo pouco explorado, além de ser uma “grande arma” a ser usada em nossos programas de inclusão social.



Uma vez em que o progresso mundial torna-se cada vez mais veloz, rompendo barreiras a cada dia, a mídia nos bombardeia com milhares de informações, cabendo-nos a tarefa de interpretá-las em uma rápida assimilação, pois, por exemplo, a edição de um jornal não sobrevive mais do que 24 horas. Nem sempre a quantidade corresponde à qualidade! A falta de tempo, muitas vezes, leva-nos a formar prematuramente conceitos errados sobre pessoas e situações, surgindo os `pré-conceitos’, oriundos da desinformação que, muitas vezes, levam a sociedade a subestimar a potencialidade e a capacidade das pessoas, gerando discriminação, estigmas e preconceitos. Assim, os meios de comunicação de massa surgem como uma das principais alternativas para reverter o quadro de desconhecimento sobre os impedimentos, deficiências e limitações. Abordando corretamente estas questões, criarão as condições necessárias para que a sociedade atente para o fato de que, mesmo com alguma deficiência, as pessoas podem e devem participar de processo de convivência plana.



Dentre os princípios básicos da utilização da comunicação social no campo da reabilitação, está um ponto que achamos fundamental para ser explorado: a informação! Segundo o “Programa de Ação Mundial para as Pessoas com Deficiência” (Nações Unidas, 1992), parágrafo 30, “deve-se preparar e divulgar informações, com o objetivo de melhorar a situação das pessoas deficientes. Deve-se procurar fazer com que todos os meios de informação pública cooperem, apresentando essas questões ao público e os próprios interessados, de forma que se fomente a compreensão das necessidades das pessoas deficientes, combatendo assim os estereótipos e preconceitos tradicionais”. Isso, porque, a falta de conhecimentos exatos sobre a deficiência, suas causas, prevenção e tratamento, leva-nos a conceitos primários referente a uma classe de modo geral, incluindo a estigmatização, discriminação e ideias errôneas sobre a deficiência”.



Quanto mais tivermos a circulação de informações, maiores serão as chances de eliminar as barreiras e dificuldades que impedem pessoas com deficiência conquistarem seus espaços, desde que sejam isentas do sensacionalismo e priorizando os aspectos éticos e humanísticos do homem além de suas limitações! Mas nem sempre é fácil realizar essa veiculação. No Brasil, como em qualquer outro país capitalista, os meios de comunicação de massa estão voltados ao lucro rápido, raramente abrindo espaço para as classes consideradas minorias. Assim as informações sobre pessoas com deficiências estão restritas às matérias especificas ou às publicações alternativas, embora ainda sejam muito poucas.



Mas avançar é preciso. Ou melhor, tentar é preciso! E certamente poderemos usar como base para tal tentativa, o que sugere o parágrafo 149 do PAM: “Deve-se desenvolver pautas, em consulta com as entidades de pessoas deficientes, para estimular os meios de informação a veicularem uma imagem abrangente e exata, assim como uma representação e imagem equânimes sobre as deficiências e as pessoas portadoras, no rádio, no cinema, na fotografia e na imprensa. Um elemento fundamental de tais pautas seria que as pessoas deficientes tivessem condições de apresentar elas próprias os seus problemas ao público e de sugerir as formas de resolvê-los. É necessário estimular a inclusão de informação sobre a realidade das deficiências nos currículos para formação de jornalistas”.



Esse parágrafo do PAM, certamente, reflete todas as nossas metas e intenções; mas algumas reflexões gostaríamos de traçar. Primeiramente, no que diz respeito a “inclusão do assunto nas escolas para jornalistas”, temos alguns números que apontam para essa necessidade. Em uma pesquisa sobre a “Radiografia da Discriminação”, revela algo que surpreende. No item “Deficientes Físicos”, mostra que 47% da população têm preconceito contra alguém com deficiência, sendo também 45% deles são os “formadores de opiniões” (jornalistas, publicitários, etc.).  Grande parte desse número poderia ser reduzido se houvesse um preparo prévio dos profissionais da informação nos bancos acadêmicos? Podemos e devemos refletir sobre isso…



Quanto ao fato de se dar voz as pessoas com deficiência, esse constitui no grande desafio dos últimos anos. Só de algum tempo para cá, é que a pessoa com deficiência passou a ser ouvida e dizer o que é melhor para si e sua reabilitação. Então, ao iniciarmos um trabalho voltado ao campo da comunicação social, já devemos atentar para esse cuidado. “Deve-se proporcionar às pessoas deficientes e às suas entidades igualdade de acesso, utilização, recursos suficientes e treinamento no que se refere à informação pública, a fim de que possam expressar-se livremente, valendo-se dos meios de informação e comunicar as suas opiniões e experiência ao público em geral” (PAM, parágrafo 154).



No PAM há inúmeros parágrafos sobre o tema “Informação e Educação do Público”. Seria interessante que os envolvidos (ou aqueles que pretendem se envolver com essa nova temática), os conhecessem mais detalhadamente. (Aliás, recomendamos a todos os envolvidos nesta área – com deficiência ou não -, que conheçam o PAM em sua integra; tendo como principais metas a prevenção, reabilitação e igualdade de oportunidades, ele pode ser considerado o nosso principal porta-voz, visto que foi elaborado pela ONU, com intensa participação de entidades e pessoas com limitações do mundo inteiro.).



O tema “Deficiência e Comunicação Social”, ainda é muito recente no Brasil. Muito ainda há para se estudar e realizar neste campo. Mas, sobretudo, já podemos dizer que se a médio longo prazo, conseguirmos conscientizar os “formadores de opiniões” (responsáveis pelo controle ideológico da sociedade), metade da batalha estará ganha.  Sem se dizer ainda, que este é um novo desafio e um novo horizonte que se abre; basta apenas percorrê-lo!

Postar um comentário

Por favor, assine o nosso LIVRO DE VISITAS, escrevendo o que desejar neste espaço. Agradecemos de coração!

Postagem Anterior Próxima Postagem