As Deficiências Representadas Na Mídia



NOTA: Artigo publicado amplamente nos anos 1990.



A questão de como a imagem das pessoas com deficiência é veiculada pelos meios de comunicação de massa ao grande público vem ganhando atenção no Brasil, um tema muito interessante a ser desenvolvido. Sobre essa temática nos anos foram realizados alguns congressos e uma das conclusões a que se chegou foi que não adianta reabilitar física, intelectual e profissionalmente alguém se a sua imagem não for recuperada perante a sociedade para que a mesma o aceite naturalmente. Dessa forma, os meios de comunicação de massa (jornal, rádio, televisão, Internet e vídeo educativo) surgem como as principais alternativas para esse fim.



Neste momento em que se discute no Brasil as questões das pessoas com deficiência em vários ângulos, acreditamos ser de importância abrirmos aqui um parêntese para abordarmos também o problema dentro dos órgãos de comunicação. Vale acentuar que será uma breve abordagem dentro de um breve estudo, através de exemplos documentais. Pretendemos com esta exposição, apresentar uma proposta para que a mesma se enquadre e passe a integrar nossos projetos de pesquisas, visando sempre colocar as pessoas com deficiência na sociedade de maneira natural, através dos trabalhos reabilitacionais exercidos pelas entidades brasileiras.








A IMAGEM DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA MENTAL NA SOCIEDADE E NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO



Nas palavras de Scheaker (1989, p. 03), “não existe uma imagem neutra de uma pessoa deficiente intelectual. Se ela não for deliberadamente construída de uma maneira positiva, as pessoas continuarão a ver os deficientes intelectuais de acordo com suas pré-concepções negativas, não importando se isto é intencional ou não”.



Potencialmente dotadas e criativas, as crianças – seja qual for a sua deficiência -, sempre tem algo a oferecer à sociedade, que os “mitos” muitas vezes acabam por reprimir ou neutralizar. A desinformação colabora para que as pessoas tenham uma ou mais dessas visões, ainda mais para quem tem uma deficiência intelectual:



como sendo tristes e patéticas, destinadas a conduzir uma vida trágica e trazer tristezas a todos que as conhecem;

como sendo eternas crianças, incapazes de crescerem e desenvolverem-se além da compreensão e dependência infantis;

como “doentes” e precisando de supervisão médica;

como “loucas”, destituídas de razão ou incapazes de perceber seu ambiente;

como anormalmente fortes, física ou sexualmente perigosas;

como escolhidas de Deus – o que pode ser uma outra maneira de dizer que elas “não são iguais a nós”.

São tipos de mitos que existiram – e ainda hoje existem – em torno dessas pessoas, como por exemplo, a Síndrome de Down. Elas foram durante décadas isoladas da sociedade, sendo muitas vezes criadas trancadas em quartos escuros. Após começarem a ser estudadas e estimuladas, romperam inúmeras barreiras e mitos desenvolvendo coisas e habilidades consideradas até impossíveis para sua condição, como por exemplo, aprender inglês. Hoje, nem mesmo a ciência se arrisca a pôr limites em suas potencialidades.



Dessa maneira, as entidades e associações que lidam com essas pessoas, devem trabalhar para apresentar uma imagem positiva a respeito delas, substituindo esses temores e preconceitos, permitindo que outras pessoas as vejam como:



pessoas que sejam parecidas com quaisquer outras nas suas necessidades e sentidos normais, nunca diferentes;

pessoas que podem aproveitar a vida e trazer felicidade àqueles que as conhecem;

pessoas que, com a ajuda necessária, podem crescer em habilidades e fazer suas próprias contribuições à família e à comunidade;

pessoas que merecem o mesmo respeito que qualquer outra pessoa humana.

Scheaker (1989, p. 10-11), oferece um bom exemplo retirado da imprensa. Trata-se de um texto que diz:



PEDRO TERÁ OITO ANOS PELO RESTO DA VIDA



Pedro têm oito anos. Mas ele não pode caminhar nem falar adequadamente. Como centenas de outras crianças, Pedro é deficiente mental profundo. Como eles, Pedro precisará de assistência carinhosa de uma equipe de profissionais treinados, pelo resto de sua vida.



Ajude-nos a continuar a prestar esta assistência, enviando sua doação para:…



Para o autor, esse tipo de anúncio é negativo, pois transmite: que Pedro é uma eterna criança; ele nunca se desenvolverá; ele não manterá relacionamentos com outras pessoas e ele sempre será inútil e dependente. O anúncio correto seria:



Aqui sim, o anúncio está transmitindo de forma correta que: Pedro tem deficiência intelectual severa e não é, claramente, tão capaz como outros de sua idade, mas ele está aprendendo a falar e a se comunicar; ele tem amigos; ele gosta de viver; ele pode continuar seu progresso se receber a ajuda que precisa, apresentando uma imagem realista, mas positiva.



São vários os meios utilizados para a divulgação das pessoas com deficiência, tais como pôsteres de propagandas, técnicas publicitárias e/ou tentativas de se colocar estórias no rádio, TV, jornais, revistas, boletins ou trabalhos alternativos. Porém, o principal em questão não é o meio utilizado para veicular essas mensagens, mas sim o modo pelos quais são produzidas, visando que não ocorra o repasse de preconceitos. Essa é uma realidade não somente para técnicos (jornalistas, publicitários, etc.), como também há registros de “gafes” cometidas pelas próprias entidades.



Podemos dar uma explicação rápida. Começando pelas imagens, elas podem dizer mais do que as palavras. Temos que evitar publicações de fotos das pessoas com deficiências intelectuais ou outros tipos, tristes e patéticas, malvestidas ou descuidadas, isoladas do mundo ou deitadas, sem fazer nada, fazendo alguma coisa estranha ou com pouca dignidade.



As palavras (termos) utilizadas também são de grande preocupação. Seja ela falada ou escrita, pode ser pejorativa, repassar ou reforçar preconceitos ou discriminação. Muitas são condenáveis, mas podemos citar como exemplos, duas: Os termos “excepcional” e “mongoloide”.



A ONU, através de alguns órgãos ligados a ela, fez uma revisão nos termos utilizados em todo o mundo e chegou à seguinte conclusão: Quando a gente diz que uma pessoa é “excepcional”, estamos dizendo ao mesmo tempo, que ela é uma exceção na sociedade, ou seja, que é alguém que deve ficar de fora, não podendo se integrar como as demais.



Essa classe não é formada de pessoas doentes; são apenas pessoas com alguma limitação, e mesmo com ela, podem ter uma convivência na sociedade, desde que ambos se adaptem a essa convivência. O termo mais correto é “pessoas com deficiência”, podendo ser ainda mais específica como “pessoas com deficiência intelectual, ou auditiva, ou visual, múltiplas deficiências”.



O mesmo ocorre em relação a quem tem a Síndrome da Down. Quando foi descoberta em 1866, pelo inglês John Langdon Down, o mesmo considerou a Síndrome como um regresso às raças inferiores, criando assim o termo “Mongolian Idiots” (idiotas Mongóis). Esta expressão chegou ao Brasil e outros países como “Mongoloides”. Amigos e essas próprias pessoas com a Síndrome, têm manifestado o desejo de se criar um termo que não os classifiquem como inferiores, que não seja usado nas ruas como sinônimo pejorativo de idiota total pelas pessoas consideradas normais. Assim ficou estabelecido que as expressões mais corretas são, por exemplo: “Maria tem Síndrome de Down”. Ou “Beatriz é uma menina com Síndrome de Down”. Ou pode-se usar também a palavra Down como um termo mais simples: “Antônio é uma criança com Down”.



Às vezes, usamos termos que todo mundo usa, mas que sem sabermos, reforçam preconceitos. As palavras são expressões verbais criadas a partir de uma imagem que nossa mente constrói. E enquanto comunicadores, precisamos estar atento a isto.



Os meios de comunicação de massa surgem como uma das alternativas para se criar e transmitir uma imagem positiva dessas pessoas dentro da sociedade. Porém a coisa não é tão simples assim. Mesmo tendo poder, aqueles que produzem informações, capazes de conquistar mentes e corações, poderão muitas vezes, apresentar o material trabalhado de forma positiva por uma entidade para divulgação, de maneira distorcida para o grande público, transmitindo a mensagem “errada”. Isto porque jornais, revistas e TVs, possuem suas próprias ideias do que são pessoas com deficiência, e como qualquer membro da população passível de erros de interpretação com relação, por exemplo, à deficiência intelectual. Isto também pode ocorrer porque repórteres, fotógrafos e editores, têm o seu orgulho profissional e querem, muitas vezes, colocar sua própria interpretação no material que lhes é oferecido. Segundo Scheaker (1989, p. 22), “mas, mesmo assim, existem coisas que uma associação pode fazer para ajudar os meios de comunicação a apresentarem pessoas com deficiência intelectual de uma maneira positiva. (…)Faça com que a imprensa saiba que a associação considera o que eles dizem sobre pessoas com deficiências intelectuais é importante e o porquê. Se uma história nos meios de comunicação reafirma um dos mitos negativos sobre eles (que são `loucas’ ou `perigosas’, por exemplo) ou refere-se a eles de maneira depreciativa (como chamar pessoa com Síndrome de Down de `mongoloide’), envia-se uma carta da associação, mostrando-lhes onde estão os erros: os meios de comunicação desejam ser populares com seus leitores, ouvintes e espectadores; assim, eles, provavelmente, notarão esta reação”.



NA PUBLICIDADE



E na publicidade, qual o espaço reservado há pessoas com deficiência? Nos Estados Unidos, por exemplo, as agências de publicidade desde o início da década de 1990 já despertaram para o potencial dessas pessoas. Há peças publicitárias, tanto americanas, como europeias, nas quais elas participam como atores de propagandas para TV de marcas famosas como Mc’Donalds, Sabonetes Savory, Tênis Nike, IBM, dentre outras, não falando de deficiências ou das limitações das pessoas; falam dos produtos, sabonetes, sanduíches, etc. E a aceitação entre o público tem sido tão grande que a Associação Americana de Paralíticos desde 1993, tem concedido um “Oscar” para a melhor publicidade desse tipo.



Mas aqui no Brasil, durante muito tempo, pessoas com deficiência ainda são personagens apenas de propagandas institucionais. E, algumas vezes, de maneira negativa. Exemplo disto, foi uma campanha realizada em 1995 pela Associação Brasileira de Reabilitação (ABBR), onde um anúncio foi veiculado em TV, jornais, rádios e revistas; nele, uma criança paralítica era mostrada andando com a ajuda de muletas sob o título “tem gente ainda que ache difícil andar até o telefone”. O mesmo fez, certa vez, a Associação Brasileira de Distrofia Muscular (ABDM), em um impresso de uma página inteira de revista, onde o título em tipos grandes, maiúsculos, largos em negrito dizia: “Quem tem distrofia muscular não consegue levantar os braços. Quanto mais, dinheiro”; era seguido por um grande texto explicando a doença e o tratamento e logotipo mostrava um boneco caído. São dois de muitos exemplos de antigas campanhas publicitárias que acentuavam mais as limitações do que as potencialidades dessas pessoas. (Talvez, eram reflexos das campanhas de saúde públicas da década de 60 do século XX, onde haviam coisas como caveiras, dedos decepados e crianças deformadas pela varíola, onde a ideia era transmitir mensagens claras e objetivas, despertando nas pessoas uma boa dose de medo, abrigando-as a pensar sobre o assunto.)



Todavia, não podemos analisar essas campanhas publicitárias de forma plural, sendo cada caso é um caso. Nos casos onde a adequação está pertinente, mas também há casos onde acaba sendo ofensivo a quem tem uma deficiência, pelo fato da mensagem está mal feita. E, sendo ofensiva a essas pessoas, acaba sendo ofensiva a comunidade, que mesmo sem ter deficiência, são pessoas sensíveis.



Já houve casos de propagandas dessa natureza utilizada como protesto. Em 1994, um foi veiculado na mídia impressa, tendo a foto de um garoto assombreado, sentado em uma cadeira de rodas; o fundo era preto e as letras brancas, onde o título maiúsculo em tipos grandes e fortes dizia: “Senhor Prefeito: Eu também sou tetra”. Assinado pela Fundação Selma, de São Paulo, o texto ao lado da foto, protestava:



O prefeito da cidade de São Paulo, Paulo Maluf, empenhou-se em uma grande causa: conseguir junto aos empresários verba para a compre de 22 automóveis Gol 1000, para presentear a seleção brasileira. Foi ótimo, mas a gente só gostaria de lembras que existem outros brasileiros que também são tetra mesmo não tendo jogado na Copa do Mundo. São pessoas mantidas por várias instituições como a Fundação Selma, que atende dezenas desses campeões todos eles tão importantes quanto a nossa seleção. Sr. Perfeito, será que também não dava para conseguir uma verbinha para ajudar esta seleção menos privilegiada, mas não menos brasileira?



A publicidade pode contribuir principalmente em campanhas de esclarecimentos, na derrubada de preconceitos. Talvez, o primeiro exemplo disto, ocorreu em 1980 – Ano Internacional da Pessoa Deficiente -, a Central de Outdoor, em São Paulo, lançou um concurso onde concorreram 485 cartazes. O vencedor foi um onde a palavra “deficiente” era escrita bem grande, sendo a letra “d” rasgada, ficando “eficiente” e abaixo dizia: “Rasgue o seu preconceito”.



Essas campanhas publicitárias progrediram muito nos últimos anos, principalmente, por parte governamental. Tem um bom exemplo de um cartaz da campanha de vacinação, onde um rapaz sentado em uma cadeira de rodas, tendo atrás sua esposa, a direita uma filha e um bebê em seu colo; estão todos sorrindo, passando a imagem de uma família feliz, ele na posição de marido e pai, o que derruba o velho estereotipo que até pouco tempo dizia que essas pessoas são assexuadas, não podem constituir famílias e coisas dessa natureza. O título dizia: “Paulo Lima teve pólio. Os filhos dele não vão ter”. E o texto destacava uma vitória brasileira: “Desde 1980, o Brasil vem vacinando todas as crianças com menos de 5 anos. O resultado é que a paralisia infantil foi varrida do nosso mapa. Agora temos que mantê-la bem longe. (…) Faça como o Paulo: Dê a vacina para quem você deu a vida”.



Na publicidade brasileira também temos um exemplo positivo de normalidade. A psicóloga e publicitária, hoje Deputada Federal, Mara Gabrilli, causou polêmica para uns e arrancou aplausos de outros, quando em 2000, foi a primeira tetraplégica – devido um acidente de carro ocorrido em 1994 -, a posar nua no Brasil, sendo capa de setembro da revista Trip. Um ano depois, tornou-se a nova modelo da Duloren, a segunda maior fábrica de roupas íntimas do país. Maquiada e penteada durante duas horas, posou nas fotos da propaganda em sua cadeira de rodas, vestido calcinhas e sutiãs de rendas e a campanha foi lançada nacionalmente no dia 8 de março de 2001, justamente no Dia Internacional da Mulher. Mara destacou-se em todos os meios de comunicação por ter tido tais posturas de coragens, tornando-se para muitos, com ou sem deficiência, um exemplo de bem-estar com o seu próprio corpo.



AS CADEIRAS DE RODAS



Outra questão que merece uma profunda reavaliação de conceito, é com relação às pessoas que se utilizam de cadeiras de rodas para a sua locomoção e como aparecem na mídia, reforçando um dos maiores erros de visão cometido pela sociedade, devido à falta de atenção dos profissionais de comunicação, colaborando para uma visão errônea, quando reproduzem exaustivamente a imagem da pessoa em cadeira de rodas, usando um “cobertor xadrez” sobre as pernas.



Essa imagem é transmitida historicamente, tendo como base as primeiras imagens vindas da fria Europa, onde no pós-guerra, alguns militares combatentes adquiriram deficiências e consequentemente passaram a utilizar-se de cadeiras de rodas para sua locomoção. Nos países europeus o clima gelado é constante na maior parte do ano e, uma vez que a pessoa na cadeira de roda tem pouca circulação sanguínea nas pernas, tendo uma sensibilidade ao frio ainda maior, justifica-se o uso desses cobertores.



Mas no Brasil, um país tropical e praticamente quente durante todo o ano, nada justifica que continue a utilização do “cobertor xadrez” sobre as pernas dessas pessoas, o que também pode significar uma conotação negativa da intenção de esconder a parte paralisada do corpo. Essa imagem reproduzida sem qualquer critério ou avaliação, é constante na mídia, nas telenovelas, em peças de teatros, cinemas e em campanhas de utilidade pública que ainda não desenvolveram uma percepção crítica em relação a este estereótipo que reforça, principalmente em países quentes como o Brasil, a ideia de vergonha do corpo, deformação, feiura e depressão.



Outro erro cometido, é com relação às expressões que usam ao se referir a essas pessoas. Expressões como “condenados”, “confinados”, “presos” à uma cadeira de rodas. Elas refletem totalmente o contrário do verdadeiro significado de uma cadeira de rodas, sendo um instrumento para suprir a dificuldade de locomoção de seu usuário, tornando-se um instrumento para a sua independência, para sua libertação, para a vida! Por isso, além da necessidade de se acabar com a estereotipada imagem do “cobertor xadrez”, é necessário trocar essas ultrapassadas expressões para “pessoas que se utilizam de cadeiras de rodas para sua locomoção” ou simplesmente “usuários de cadeiras de rodas”, ou a mais comum hoje em dia, “cadeirantes”.



Trata-se de uma questão tão delicada, que levou Resende, Santana e Silva (1999, p. 07), a fazerem tal reflexão em um artigo na imprensa:



Esta é uma discussão necessária para que se possa diferenciar a cadeira de rodas do usuário, enxergando que eles não formam um. A cadeira de rodas é, apesar da relação de carinho que as pessoas têm com ela, apenas um instrumento facilitador das atividades de vida independente.



Essa forma de associação do instrumento com a pessoa foi percebida na coluna “Autópsia da Insensatez”, publicada em 20/06/99, por Gilberto Dimenstein, no jornal Folha de São Paulo.  Neste espaço da mídia, encontramos, o que no nosso modo de enxergar é um equívoco: ”…Ninguém vai encontrar alegria, muito menos liberdade, num velório ou cadeira de rodas”.



Perder um ente querido não é a mesma coisa que ter alguém da família vivo e com liberdade de andar em cadeira de rodas. Entretanto, não é com ameaças desconectadas da realidade que se educa uma pessoa que não sabe a diferença entre um motorista e um piloto de corrida.



(…)



Certamente Gilberto Dimenstein desconhecia a realidade das pessoas com deficiência física, pois fundiu sofrimento, cadeira de rodas e a pessoa que a utiliza, distorcendo a realidade para exemplificar negativamente uma situação.



NA TELEVISÃO



Nas produções da televisão brasileira têm surgido várias aberturas para a questão da pessoa com deficiência. Uma das primeiras foi a telenovela “Uma história de amor”, escrita por Manoel Carlos, Rede Globo, 1996. Dando atenção especial ao personagem Assunção, com deficiência física, usuário de cadeira de rodas interpretado pelo ator Nuno Leal Maia, o projeto recebeu boas críticas vindas de entidades da classe, os quais enviavam centenas de cartas pedindo que o personagem não voltasse a andar no final para não fugir da sua realidade tão bem construída.



Nuno, que até então não havia interpretado personagens dessa natureza, não decepcionou, demonstrando intimidade com a cadeira de rodas.  Em sua preparação, o ator levou alguns “esperados” tombos, que até então em sua vida pessoal só havia tido contatos superficiais com pessoas com deficiência. Encenar para ele um personagem paraplégico foi para uma experiência nova, segundo declarou em uma entrevista na época: “Eu passei a prestar mais atenção aos deficientes e nas dificuldades que eles enfrentam no seu dia a dia. Como se não bastasse, o texto de Manoel Carlos vai muito à ferida, dando margem ao ator se emocionar”.



Outro grande momento em que uma pessoa com deficiência marcou presença na telenovela brasileira foi em “Mapa da Mina”, escrita por Cassiano Gabus Mendes, levando para todo o Brasil, em 1993, a imagem de Luiz Felippe Badin, um ator com síndrome de Down no papel de um oficce-boy de uma empresa, dando uma cutucada em muitos profissionais de saúde, no sentido de alertá-lo sobre a singularidade de ser humano.



As telenovelas, assim como outras produções da teledramatúrgia, também podem se revelar como grandes aliadas contra o preconceito, se abrirem novos espaços para que se desenvolvam personagens devidamente construídos nas representações de bons atores. A televisão tem uma grande capacidade de construir e destruir mitos!



Todavia, pedimos um parêntese em nossa exposição para traçarmos algumas considerações teóricas e históricas. O problema da pessoa com deficiência como personagem de cinema ou televisão, esbarra-se na construção do roteiro, onde um personagem não tem que ser real, mas sim, verossímil. Esse Realismo é uma linguagem estética centrada no real, construída a partir dos objetivos e seres que compões o mundo concreto, mas não é a realidade concreta, mas sim uma invenção que nos dá a ilusão do real.



O que podemos tirar desse conceito de real e verossímil, é o seguinte: Os roteiristas e diretores, ou mesmos os atores, quando criam suas produções, preocupam-se com a verossimidade – e algumas vezes com o sucesso e audiência – e quase nunca faziam uma pesquisa mais profunda do que realmente é uma pessoa (futuro personagem) com qualquer tipo de deficiência. Utilizavam-se de velhos conceitos que envolviam a imagem negativa dessas pessoas, ou qualquer outro grupo marginalizado e estereotipado no contexto social, reforçando os preconceitos do grande público.



A falta de maiores estudos e elaborações, são tipos de cuidados que sempre passavam despercebidos nas culturas de massa.          Prova da capacidade televisiva, foi uma campanha do cantor Roberto Carlos, no Natal de 1991, na Rede Globo. A campanha teve como tema “A criança e o idoso brasileiro”. Durante toda à tarde entre outras atrações, mostraram reportagens sobre os problemas e saídas para os mesmos. Mas o ponto chave desse evento que nos interessa aqui no presente trabalho, foi a divulgação do “Exame do pezinho”, o qual é realizado em recém-nascido entre 0 à 30 dias de vida para se detectar doença, evitando retardamento mental na criança.



Tendo como tônica “prevenir também é uma forma de amar”, a Rede Globo em convênio com as APAEs (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) de todo o Brasil, montaram pontos de exames em todas as capitais do país. Nesses pontos, artistas, atletas e personalidades falavam ao vivo com Roberto Carlos que, do palco do Rio de Janeiro, comandava a campanha. E, mostrando reportagens e entrevistas com especialistas, inúmeras mães foram informadas naquela tarde sobre a existência do exame, como é feito, sua importância e os problemas que ele pode evitar. E assim o objetivo foi alcançado: Divulgar que a partir de 1992, o exame do pezinho seria realizado em todos os hospitais e postos de saúde do Brasil e, se levado a sério, diminuiria a excepcionalidade no país.



Outro ponto interessante do Especial Roberto Carlos, foi a reixibição de alguns comercias da UNICEF. Eram vídeos mostrando a realidade, problemas e violência contra crianças no Brasil, mostrando estatísticas em uma linguagem bem clara e direta, onde no final aparecia a seguinte indagação: “Que esperança podemos dar a essas crianças?” Esses filmes eram bem elaborados e adequados para nossa época. Infelizmente, eles ficaram pouco tempo no ar.



Mas a televisão também tinha os seus exemplos negativos, reforçando mitos e preconceitos. Certa vez, por exemplo, o programa dominingual da Rede Globo, Fantástico, mostrou a reportagem de uma moça tetraplégica pulando com o seu instrutor de paraquedas. Durante a exibição das imagens do salto, sinônimo de liberdade, o repórter, em uma contradição, afirmava em cima da cena que ela era “uma prisioneira de sua cadeira de rodas”. No extinto programa Fanzine (TV-Cultura, 23/09/92), apresentado por Marcelo Rubens Paiva, debateu o uso da cadeira de rodas. Porém, o VHS exibido mostrou cenas negativas de um hospital, merecendo protesto dos convidados e do próprio apresentador do programa. No telejornal SP-JÁ (Rede Globo, 08/06/92), durante uma reportagem da visita da atriz Shirley Maklen ao Brasil, no final o âncora comentou: “A atriz recebeu flores e um quadro pintado por uma deficiente física”, o que ao nosso ponto de vista, colocou/destacou a deficiência acima da própria obra de arte. São todos os detalhes negativos que começaram a ser percebidos e corrigidos pelos meios de comunicação de massa.



COMO CONTRIBUIR



Por um lado, os meios de comunicações de massa podem trazer prejuízos psíquicos para as próprias pessoas com algum tipo de deficiência, quando a mídia veicula muito o estereótipo da mulher e do homem “modelo”, muitas pessoas se sentem desencaixadas desse estereótipo e acabam se fechando num mundinho muito particular com medo de expor-se e não sentir-se aceito. Mas a principal questão em pauta, é como a imagem da própria pessoa com deficiência é repassada pela mídia ao grande publico? Deve-se inicialmente evitar a valorização excessiva de deficiência. Superestimar ou subestimar o indivíduo, baseando-se apenas no que denota sua deficiência, não reforçando estigmas, estereótipos e preconceitos. Deve-se considerar a pessoa com deficiência apenas como pessoas, com direitos e deveres iguais aos dos demais cidadãos.



Algumas vezes, os profissionais de comunicação não têm consciência de seu papel. Muitas vezes, eles esquecem que trabalham com o discurso e, portanto, com os signos e símbolos que trazem embutidos conceitos, imaginários e, por extensão, ideologias. Não entender estes mecanismos, leva o profissional a reforçar preconceitos e estereótipos. Mas isto não podem ser tomado como regra para todos. Os comunicadores – salvo alguns – sempre são profissionais livres de preconceitos e, quando os cometem, é por falta de informação, pois, bem informados, proíbem-se de ter preconceitos. E poderemos colaborar em mão dupla, tanto na identificação de estereótipos e estigmas em mensagens veiculadas, quanto no treinamento desses profissionais para que aprimorarem as suas consciências.



Poderemos colaborar com as entidades DE e/ou PARA pessoas com deficiências a organizar a educação da comunidade através de programas de comunicação de massa. Uma forma de intermediar isto, será convidar os profissionais da imprensa para conhecer esse seguimento de pessoas, seus setores e atividades. Só que antes terão que preparar o terreno, cujas recomendações são de Scheaker (1989, p. 21-22):






  • Conheça a pessoa-chave que será responsável pela matéria que você oferece. Ela pode ser o editor de um jornal ou rádio local ou, em cidades grandes, um repórter que tem como dever trabalhar em questões de “bem-estar social”;

  • Se possível, marque um encontro com esta pessoa, para descobrir que tipo de material o interessaria e como eles gostariam de apresentá-lo;

  • Convide-os a visitarem o serviço ou programa de seu setor para conhecerem alguns membros e os pacientes envolvidos, numa ocasião social informal. Lembre-se que pessoas da imprensa são também membros do público e talvez precisem de alguma ajuda para seus próprios temores, ignorância e embaraço;

  • Não espere que eles consigam lidar com isso sozinhos;

  • Quando você tiver uma boa matéria para oferecer aos meios de comunicação, tente pensar antes como você gostaria de vê-la apresentada e se criará uma impressão positiva de seus pacientes;

  • Lembre-se que há também outras mensagens positivas a serem transmitidas, como exemplos de cooperação com grupos da comunidade e atividade, as quais são apreciadas por todos;

  • Lembre-se de enfatizar aspectos positivos da vida dos pacientes em ambientes diversos, pode dar uma visão mais equilibrada e otimista;

  • Quando um repórter e/ou fotógrafo vier visitar o seu setor, ou conhecer o seu projeto, pense que talvez eles não sejam pessoas que já passaram por algum trabalho educativo ou científico. Lembre-se que a educação e atenção deve acontecer a todo tempo, pois cada novo membro da imprensa, possivelmente, precisará de ajuda para entender a imagem e conceito que você está tentando transmitir;

  • Lembre-se, também, que eles têm seu orgulho profissional e não gostam que se lhes diga o que têm de fazer. Seja moderado, persuasivo e explique suas preocupações;

  • Lembre-se que o “feedback” é importante. Uma carta de apreciação, quando a matéria saiu bem, ajudará a manter um clima positivo para a próxima, além de reforçar o bom relacionamento;

  • Mas se a matéria saiu “ruim”, tente achar pelo menos uma coisa boa para dizer sobre ela, antes de reclamar. Os membros da imprensa são pessoas também com direito de erros e acertos.






Está aqui portanto, um novo campo que poderá ser explorado: as pessoas com deficiências e a eliminação de seus estereótipos e estigmas repassados socialmente via mídia.

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