Hoje fala-se e promove-se muito a chamada Educação
Inclusiva, uma proposta pedagógica surgida no ano de 1994, com a “Declaração de
Salamanca – Princípios, Políticas e Práticas em Educação Especial”, proclamada
na Conferência Mundial de Educação Especial sobre Necessidades Educacionais
Especiais, que afirma em seu segundo parágrafo:
“Toda criança tem direito fundamental à educação e deve ser
dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem. (…)
Aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola
regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança,
capaz de satisfazer a tais necessidades”.
Escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva
constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias,
criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e
alcançando educação para todos; além disso, tais escolas proveem uma educação
efetiva à maioria das crianças para que aprimorem a eficiência e, em última
instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional.
Mais quais são as bases psicológicas que pautam a Educação
Inclusiva?
Quem lê “Obras Escolhidas, Volume 5, Fundamentos de
Defectologia”. com textos escritos nas décadas 1920/1930 pelo psicólogo
bielo-russo Lev Vygotsky (1896-1934), onde Vygotsky, decorrerá vários temas
ligados à pessoas com deficiência. Notará que ele tenha foi o primeiro pensador
a abordar ideias e conceitos centrais para um projeto de inclusão escolar. E
isto fica bem claro no capítulo terceiro, “Acerca da psicologia e da pedagogia
das deficiências infantis”, opondo-se eloquentemente contra a segregação escolar
desses alunos.
Apoiando-se em sua teoria sócio-histórica e do
desenvolvimento infantil e humano em geral, Vygotsky defendia a sócio gênese
como a condição para que a criança passe por transformações essenciais,
conseguindo desenvolver suas estruturas humanas fundamentais do pensamento e da
linguagem na qualidade das interações sociais em seu grupo (sociedade, família,
escola, etc.).
E uma criança com algum tipo de deficiência sendo isolada no
âmbito familiar, escolar ou comunitário, na ótica vygotskiana, muito mais que
apenas um problema social ou ético, poderia causar-lhe prejuízos psicossociais
delicados na dinâmica sociogênica de seu desenvolvimento infantil sadio.
É necessário intensas
e positivas trocas psicossociais que fortaleçam esse desenvolvimento. “E quanto
mais for a segregação social – no círculo básico, a família, primeiro grupo que
prática a exclusão, com atitudes de rejeição ou superproteção -, por meio da
exclusão escolar ou da incompreensão comunitária, maiores serão os prejuízos no
desenvolvimento intelectual, afetivo, social e moral dessa criança”.
Desde a primeira fase de seus escritos, Vygotsky já se
opunha contra o envio sistemático das crianças com deficiência para as escolas
especiais, cujo projeto pedagógico teria uma orientação demasiadamente
terapêutica e, com efeito, o afastamento crescente da criança do ensino
regular. Os maiores prejuízos desses alunos estaria no plano social. Essas
crianças segregadas ficavam debilitadas das trocas interpsicológicas,
fundamentais às condições do desenvolvimento psíquico que derivam da qualidade
das trocas sociais. E alunos com deficiência incluído no ensino regular poderia
significar ganho para todas as partes envolvidas.
CRÍTICAS DE VYGOTSKY ÀS ESCOLAS ESPECIAIS
Uma das principais críticas feitas por ele às escolas
especiais era por suas rotinas enfadonhas, artificiais e nada interessantes. A
falta de atividades com sentidos de vida aos seus alunos, relacionadas a jogos,
ao trabalho, ao desejo e a vivência de uma linguagem viva. Falta de estímulos
para que superassem suas limitações e dificuldades, formando uma concepção de
mundo, a aquisição de conhecimentos fundamentais para entenderem as relações
com a vida.
Vygotsky combateu sistematicamente uma proposta de formação
de grupos com igualdade nos perfis, que se homogeneizarem a partir
particularmente dos critérios de condição intelectual e de desempenho
acadêmico. Por meio da individualidade de cada criança, surgiriam as trocas
psicossociais, enriquecendo e contribuindo para o crescimento de cada um no
grupo.
Essa mesma visão da importância de educar essas crianças em
escolas comuns, Vygotsky teve com relação as que tinham deficiências
intelectuais que, segundo ele, nem todas as funções estavam prejudicadas ao
mesmo tempo. Mesmo que e as funções psicológicas superiores (percepção, atenção
memória) dessas crianças encontrassem uma barreira em seu desenvolvimento, isso
não ocorreria de forma mecânica, podendo encontrar outras vias de compensações
nas relações sociais.
Em um processo de compensação cada função mental tem
influência de modo particular e qualitativo, alimentado pelo contato social,
construído culturalmente. Com isso a criança poderia se alto estimular. “A
socialização da criança não só ativa e exercita suas funções psicológicas, como
é a fonte do surgimento de uma conduta determinada historicamente. E a relação
social é a fonte de desenvolvimento dessas funções, particularmente na criança
com deficiência intelectual”.
Se educadas no ensino especial, essas escolas tendiam a se
acomodar, adaptando-se às condições e graus de dificuldades desses alunos em
desenvolver pensamentos abstratos. Sua aprendizagem era fundamentada apenas no
caráter concreto e na visualização. E,
para Vygotsky, “a tarefa da escola consiste em não adaptar-se à deficiência,
mas sim em vencê-la. A criança com deficiência intelectual necessita mais que a
normal que a escola desenvolva nela os processos mentais, pois, entregue à sua
própria sorte, ela não chega a dominá-los”.
FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES E ZONAS DE
DESENVOLVIMENTO PROXIMAL
Dando uma olhada geral na teoria Sócio-Histórica de
Vygotsky, fica fácil entender esses pontos de vistas que ele também tinha em
particular com as crianças com algum tipo de deficiência. Ele defendia que a
base do desenvolvimento do indivíduo é resultado de um processo
sócio-histórico. Enfatizava o papel da linguagem e da aprendizagem nesse
desenvolvimento, sendo questão central a aquisição de conhecimentos pela
interação do sujeito com o meio. Suas concepções sobre o processo de formação
de conceitos remetem às relações entre pensamento e linguagem. No processo
cultural ocorre a construção de significados pelos indivíduos, sendo papel da
escola a transmissão de conhecimento, que é e natureza diferente daqueles
aprendidos na vida cotidiana.
Para Vygotsky, o funcionamento do cérebro é uma base
biológica e suas peculiaridades definem limites e possibilidades para o
desenvolvimento humano. Essas concepções fundamentam sua ideia de que as
funções psicológicas superiores – pensamento, memória, percepção e atenção,
colocando o pensamento tem origem na motivação, interesse, necessidade,
impulso, afeto e emoção -, são construídas ao longo da história social do
homem, em sua relação com o mundo. Desse modo, as funções psicológicas
superiores referem-se a processos voluntários, ações conscientes, mecanismos
intencionais e dependem de processos de aprendizagem.
“A linguagem, sistema simbólico dos grupos humanos,
representa um salto qualitativo na evolução da espécie. É ela que fornece os
conceitos, as formas de organização do real, a mediação entre o sujeito e o
objeto do conhecimento. É por meio dela que as funções mentais superiores são
socialmente formadas e culturalmente transmitidas, portanto, sociedades e
culturas diferentes produzem estruturas diferenciadas”.
Por meio da cultura, o indivíduo tem os sistemas simbólicos
de representação da realidade, onde ele estará em constante processo de
recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significações. O
processo de internalização é fundamental para o desenvolvimento do
funcionamento psicológico humano. A internalização envolve uma atividade
externa que deve ser modificada para tornar-se uma atividade interna, é
interpessoal e se torna intrapessoal.
E toda criança – com ou sem deficiência – não deve ficar de
fora ou ser isolada desse processo de aprendizagem que interage com o
desenvolvimento, produzindo abertura nas zonas de desenvolvimento proximal que
é a distância entre aquilo que a criança faz sozinha e o que ela é capaz de
fazer com a intervenção de um adulto; potencialidade para aprender, que não é a
mesma para todas as pessoas; ou seja, distância entre o nível de
desenvolvimento real e o potencial, nas quais as interações sociais são centrais,
estando então, ambos os processos, aprendizagem e desenvolvimento,
inter-relacionados; assim, um conceito que se pretenda trabalhar, como por
exemplo, em matemática, requer sempre um grau de experiência anterior para a
criança.
Em uma visão geral do pensamento e escritos de Vygotsky,
podemos concluir que, culturalmente, sempre atribuímos uma série de qualidades
negativas à pessoa com deficiência, focando principalmente as dificuldades de
seus desempenhos. Pouco conhecermos das suas particularidades positivas. Mas
para Vygotsky, “é impossível apoiar-se no que falta a uma criança, naquilo que
ela não é. Torna-se necessário ter uma ideia, ainda que seja vaga, sobre o que
ela possui, sobre o que ela é”.
Enquanto profissionais de psicologia, educação ou áreas
afins, precisamos perder essa cultura de focar a deficiência em si mesma, no
que falta na pessoa e buscar outros entendimentos de como se apresenta seu
processo de desenvolvimento. Ter um conhecimento classificatório geral das
deficiências é importante, mas também precisamos formar profissionais que
consigam transpor além desse conhecimento teórico. Psicólogos e pedagogos que
estudem como essas pessoas interagem com o mundo; como organizam seus sistemas
de compensações, as trocas, as mediações que auxiliam na sua aprendizagem; a
participação ou exclusão da vida social; a internalização dos papéis vividos;
as concepções que se tem sobre si mesmo; a sua história de vida. São propostas
lançadas já há muitas décadas por Vygotsky.
ATENÇÃO ÀS HABILIDADES NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Em “Obras Completas –
Elementos da Defectologia”, Vygotsky abordou de forma pioneira e sistemática
assuntos relacionados à criança ou pessoa com deficiência com grande
significado, gerando ideias e um novo modo de ver tais questões, descrevendo
que essas pessoas têm dos tipos de deficiências:
DEFICIÊNCIA PRIMÁRIA – trata-se da deficiência
propriamente dita – impedimento, dano ou anormalidade de estrutura ou função do
corpo, restrição/perda de atividade, sequelas nas partes anatômicas do corpo
como órgãos, membros e seus componentes, incluindo a parte mental e psicológica
com um desvio significativo ou perda.
DEFICIÊNCIA
SECUNDÁRIA – são as consequências, dificuldades e desvantagens geradas pela
primária. Ou seja, tudo aquilo que uma pessoa com deficiência não consegue
realizar em função de sua limitação. Uma situação de desvantagem às demais
pessoas sem deficiência, podendo o indivíduo encontrar limitações na execução
de atividades, restrições de participação ao se envolver em situações de vida
em ambiente físico, social e em atitude no qual as pessoas vivem e conduzam sua
vida.
A partir dessa
divisão, Vygotsky passou a defender que profissionais de saúde e educadores
precisam focar suas atividades em ajudar a pessoa a superar suas deficiências
secundárias e não ficar focando nas deficiências primárias.
De todo o pensamento vygotskyriano, talvez a síntese mais
interessante seja esta. Concentrando sua atenção nas habilidades que poderiam
formar a base para o desenvolvimento de suas capacidades integrais e partindo
dos pressupostos gerais que orientavam a sua concepção do desenvolvimento de
pessoas consideradas normais, Vygotsky focalizou o desenvolvimento de criança
com deficiência, destacando-lhes os aspectos qualitativamente diversos, não
apenas de suas diferenças orgânicas, mas principalmente de suas relações
sociais.
Por meio de uma análise de uma compreensão dialética do
desenvolvimento, na qual os aspectos tidos como normais e especiais se
interpenetram constituindo os sujeitos, afirmava que essas pessoas não são
menos desenvolvidas em determinados aspectos que as sem deficiência e sim,
desenvolvem-se de outra maneira. Suas forças eram muito mais importantes do que
suas faltas. Rejeitava as descrições simplesmente quantitativas, em termos de
traços psicológicos refletidos nos testes psicológicos, destacando que estes instrumentos
apenas indicavam uma visão incompleta ou unidimensional sobre a criança.
Preferia, então, confiar nas descrições qualitativas da organização de seus
comportamentos.
Ao nascer ou adquirir uma deficiência, a criança passa a
ocupar uma certa posição social especial, levando-a ter relações com o mundo de
maneira diferente das que envolvem as crianças ditas normais.
“Para Vygotsky, junto com suas características biológicas
(núcleo primário da deficiência), começa a constituir-se um núcleo secundário,
formado pelas relações sociais, onde as interações serão responsáveis pelo
desenvolvimento das funções especificamente humanas, surgindo as transformações
das funções elementares (biológicas). A criança, ao interagir com um mundo
mediado por signos, transformará tais relações interpsicológicas em
intrapsicológicas. Portanto, a consciência e as funções superiores se originaram
na relação com os objetos e com as pessoas, nas condições objetivas com a vida”.
EFEITOS POSITIVOS DA DEFICIÊNCIAS
Vygotsky afirmava que uma deficiência era, para o indivíduo,
uma constante estimulação para o desenvolvimento intelectual. Se um órgão,
devido a uma deficiência funcional o mortológica, não é capaz de enfrentar uma
tarefa, o sistema nervoso central e o aparato mental compensam a deficiência
pela criação de uma super estrutura psicológica que permite superar o problema.
Os conflitos surgem a partir do contato da deficiência com o meio exterior e
podem criar estímulos para sua superação. Assim, as deficiências poderiam
causar limitações e obstáculos para o desenvolvimento da criança, mas também
estimularia processos cognitivos comultativos.
São o que ele intitulou de efeitos positivos da deficiência,
caminhos isotrópicos, no curso do desenvolvimento que permitem atingir
determinados objetivos ou funções, é que marcam a singularidade do
desenvolvimento da pessoa com deficiência. Embora o desenvolvimento apresente
algum desvio fora da normalidade, seguindo caminhos especiais, para Vygotsky as
leis que regem o desenvolvimento cognitivo e psicológico dessa criança são as
mesmas que guiam o desenvolvimento das crianças ditas normais. O grau de normalidade
depende de sua adaptação social. Destacava em todo o seu estudo a deficiência, “não
como obstáculo, mas como um desafio e processo criativo é a luta do homem com
tudo que o limita”.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
muito bom
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