Uma das pautas brasileiras recentes é a baixa adesão à vacinação da poliomielite, o que fez o governo prorrogar o calendário até o final deste mês. Ironicamente, são os mesmos governos federal, estaduais e municipais que, (em um país onde movimentos de pessoas com profundas limitações mentais promovem movimentos antivacinas, prejudicando o calendário básico de vacinação), não fizeram nenhuma campanha efetiva e massiva em torno da questão.
A poliomielite teve grandes consequências históricas no Brasil, levando a saciedade civil e científica a se mobilizar em torno dela, amenizando seus prejuízos humanos e sociais, conforme narro em um dos capítulos do meu livro “As Pessoas Com Deficiência Na História Do Brasil” (Wak, 4ª ed. 2020). E, neste momento de tanto descaso em torno da doença, acho interessante revermos esses fatos históricos. Até para não repetimos os mesmos erros nesta época tendo tantos meios de informação a nosso favor.
Em meados da década de 1950, estudantes de medicina e especialistas trouxeram da Europa e dos Estados Unidos os métodos e paradigmas do modelo de reabilitação do pós-guerra, cuja finalidade era proporcionar ao paciente o retorno à vida em sociedade. Os grandes centros de reabilitação europeus e norte-americanos, que recebiam predominantemente vítimas da Segunda Guerra Mundial, desenvolveram técnicas e inspiraram o surgimento de organizações similares em todo o mundo. Em países como o Brasil, onde a principal causa da deficiência física não era a guerra. Nesse período, surgiram os primeiros centros brasileiros de reabilitação para atenderem as pessoas acometidas pelo grande surto de poliomielite, também chamada de pólio ou paralisia infantil, é uma doença infecciosa viral aguda transmitida de pessoa a pessoa, principalmente pela via fecal-oral.
Os primeiros relatos de casos de poliomielite no Brasil foram no início de 1911, em São Paulo, pelo Dr. Luiz Hoppe, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e no Rio de Janeiro, pelo Dr. Oswaldo Oliveira, do Hospital Misericórdia. Naquele ano ocorreu o primeiro surto de poliomielite descrito pelo Dr. Fernandes Figueira, no Rio de Janeiro, e um segundo registro de surto no país, em 1917, registrado pelo Dr. Francisco de Salles Gomes, em Americana/SP.
Porém, outros surtos de considerável magnitude ocorreram na década de 1930, em Porto Alegre (1935), Santos (1937), São Paulo e Rio de Janeiro (1939). A partir de 1950, foram descritos surtos em diversas cidades, com destaque para o de 1953, a maior epidemia já registrada no Brasil, que atingiu o coeficiente de 21,5 casos por 100 mil habitantes, no Rio de Janeiro.
Essa epidemia de poliomielite no país, especialmente no Rio de Janeiro, deixou milhares de crianças com sequelas durante a década de 1950, fez surgir o clamor social diante do quadro e a associação de familiares das vítimas, empresários, senhoras da sociedade e médicos experientes criaram as condições para o surgimento de uma entidade beneficente de luta contra a paralisia infantil. Nascia assim um dos primeiros Centros de Reabilitação em 1954, a Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), com o objetivo de possibilitar que vítimas de pólio e pessoas com sequelas motoras tivessem acesso a um tratamento especializado e fossem reintegradas à sociedade.
Outras organizações filantrópicas surgiram no contexto da epidemia de poliomielite nos anos 1950, como a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) de São Paulo, o Instituto Bahiano de Reabilitação (IBR) de Salvador, a Associação Fluminense de Reabilitação (AFR) de Niterói. Alguns hospitais tornaram-se centros de referência na reabilitação de pessoas com sequelas de poliomielite, a exemplo do Hospital da Baleia e do Hospital Arapiara, ambos em Belo Horizonte - MG.
Nos anos 1960 no Brasil, os avanços e mudanças de comportamentos como um todo, trouxeram mudanças significativas no perfil dos usuários dos centros de reabilitação. Era a década da consolidação da urbanização e da industrialização da sociedade e o êxito das campanhas nacionais de vacinação provocaram dois efeitos: diminuíram os casos de sequelas por poliomielite e aumentaram os casos de deficiências associados a causas violentas, principalmente acidentes automobilísticos (carro e moto), de mergulho e ferimentos ocasionados por armas de fogo.
Ainda em 1971, é instituído o Plano Nacional de Controle da Poliomielite (PNCP) - Estratégia de Vacinação em massa em um só dia (3 a 4 anos de idade). Em 1974, foi expedida no ESP a Norma Técnica SS 7/74, de 23.02.74 (CSC), estabelecendo um novo conjunto de formulários e fluxos para a investigação epidemiológica das doenças de notificação compulsória em todos os níveis do sistema.
No mesmo ano, o PNCP foi incorporado ao PNI (Programa Nacional de Imunização), estabelecendo a vacinação de rotina com a vacina Sabin em nível nacional, incluída no calendário infantil de vacinação. Em 1975 foi promulgada a Lei Nº. 6.229, de 17.07.75 que dispõe sobre o Sistema Nacional de Saúde e a Lei 6.259, de 31.10.75, que cria o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica, estabelecendo normas técnicas, e em relação ao controle da poliomielite, definindo a rede de laboratórios de Saúde Pública com responsabilidade de diagnóstico da infecção pelo poliovírus no sangue e fezes dos casos notificados.
Em 1989 são registrados os últimos casos de isolamento de poliovírus selvagem no Brasil, após um período de realização de grandes campanhas vacinais e vigilância epidemiológica. Em 1991, no Peru foi registrado o último caso das Américas. Em 1994, o Brasil recebeu da OMS/OPS o “Certificado de Erradicação da Transmissão Autóctone do Poliovírus Selvagem nas Américas”.