ESSES NOSSOS MEDOS E FORMAS DE AMAR! – Por Emílio Figueira

 


Numa dessas tardes ensolaradas, peguei o meu fiel companheiro chapéu e fui caminhar sozinho pelo Parque da Água Branca. Como sempre, observando a tudo. Passei pela Casa de Caboclo, onde um grupo tocava e cantava modas de viola. Fiquei por ali alguns momentos e voltei a caminhar, meditando na vida e nos meus projetos. Até que sentei em um solitário banco à sombra de várias árvores.
Uma linda moça muito bem vestida de social, levemente maquiada, cabelo preso, provavelmente uma executiva daqueles prédios comerciais ali em volta, apareceu do nada, sentou-se ao meu lado. Em dado momento, ela deixou escapar em um suspiro: “Por que esse medo de amar?” Olhei-a como quem olha para uma velha amiga e citei um verso do mineiro Beto Guedes: “O nosso medo de amar é o medo de ser feliz!” Ela olhou-me interessada e começamos a dialogar sobre essa questão.

O passado nos manda notícias que no Brasil colonial, os casamentos eram arranjados entre famílias, interesses econômicos e patriarcais. Com a industrialização e a migração das pessoas para os centros urbanos, esses hábitos continuaram por um bom tempo, mas o amor romântico venceu. Passamos a ter o direito de escolher os nossos parceiros. A partir daí, iniciou-se a nossa árdua tarefa de sair à procura, conhecer pessoas, experenciar vários namoros em busca da chamada pessoa certa.
Só que essa busca teve suas consequências. Nossa realidade não permite mais espaço para os contos-de-fadas. Estamos vivendo em uma cultura cada vez mais individualizada, pautada pelos nossos interesses individuais. O ego de nossa individualidade incha-se cada vez mais. E isso se reflete no campo sentimental.
Nosso discurso continua a dizer que sonhamos viver um grande amor; mas nossas ações não querem fazer concessões do tipo ceder às pressões do parceiro. Queremos sim, impor-nos sobre o outro, ser servido sentimentalmente, mas desde que a outra parte esteja sobre em nosso domínio. Esquecemos que amar é a arte de às vezes ceder, compartilhar, ser recíproco e não os donos de todas as situações; estamos muito mais em busca de nossas satisfações pessoais e financeiras do que propriamente amorosas.
Pautado pelo nosso medo de perder a nossa individualidade e independência (e muitos hoje têm orgulho de bater no peito e afirmar isto!), surgem alguns medos oriundo de várias fontes, sendo uma delas as nossas fragilidades que tentamos a todo instante ocultar. Só consegue viver uma história de amor quem não teme a se entregar numa relação, a ter certo grau de dependência do outro, o que também não significa ficar na mão da pessoa e sim compartilhar sentimentos e momentos juntos.
E muitos hoje em dia, por não conseguirem ter essa abertura de entrega amorosa, sufocada pelo modismo do individualismo, estão desenvolvendo em suas psiques grande sofrimento e dor. Essas pessoas querem apenas ser amadas em vez de amar para não se decepcionar ocorrer o fim das relações. Sobre o escudo de quem é maduro e dono da situação, na verdade pode esse comportamento estar “denunciando” um ato de falta de amadurecimento sentimental, o medo de se entregar nas experimentações ou, sendo popular, revelar um ato de covardia.
Estar cada vez mais em alta e amor-passional, egoísta com suas necessidades de exclusividade e absorção muito mais interessado nas atrações físicas, paixão e idealização do parceiro. De surgimento súbito e com pouca duração por ser basicamente muito mais uma questão de emoção/atração do que deliberação e escolha. É no amor-passional que estão muito mais os medos que o amor se acabe, surgindo os sentimentos de perdas. Por isto, há mais as necessidades e assistência mútua nas atividades cotidianas básicas de cada um, a enorme necessidade de estar a todo o momento policiando os passos e atividades do outro.
Já é fato consumado e a Psicologia Existencial-Humanista estar aí para constatar: nada deixa o ser humano tão feliz e realizado quanto estar bem no campo sentimental, estar ao lado da pessoa amada com sensação de plenitude e paz. Se o amor vai bem, tudo vai bem na vida! Mas ao lado da dependência, também temos medo da felicidade. De nos entregarmos numa relação que, com o tempo, poderá não dar certo e nos frustrarmos, machucarmos sentimentalmente. E para evitarmos o que pode ser ou não uma decepção, preferimos não nos arriscar nas relações. Esquecemos que o simples ato viver já é um fator de risco com ganhos e perdas em qualquer setor. Foi o genial Guimarães Rosa que afirmou: “Viver e muito perigoso!”.
A mente humana tem de maneira natural a mania de ser negativa. Quando nos entregamos em uma nova relação amorosa, passado o clima inicial de euforia, poderá surgir, mesmo que de maneira inconsciente, sentimentos de inquietação, nervosismo vago e indefinido como se fosse impossível preservar tamanha felicidade. Temos várias dúvidas com relação àquela pessoa e momento que estamos vivendo. E esse sentimento de perda é cada vez maior à medida que nos sentimos mais felizes. Um estranho raciocínio, como uma criança que teme perder o seu brinquedo preferido. Amar é mesmo um sentimento bipolar entre a sensação de plenitude e um pânico inconsciente do medo da perda.
Hoje em dia, quando buscamos cada vez mais o imediatismo, as pessoas não estão dispostas a investir na construção de relacionamentos onde tudo tem o seu tempo de acontecer, respeitando as fases. Com isso, afastam-se cada vez mais de seus direitos de felicidade. Quando surgem as oportunidades, procuramos nas pessoas muito mais seus defeitos, criamos os obstáculos para não entramos naquela relação – o que no fundo revela o nosso medo de amar, um jeito de apagar nossa alegria. Novos mecanismos de defesa da vida atual.
As pessoas poderiam encontrar a felicidade se buscar o amor-companheiro, menos intenso e mais tranquilo. Com emoções também fortes, mas calmas e estáveis, permitindo espaços para prazeres provenientes de outras fontes além das aparências físicas e de posses. Fundado em princípios de respeitos, há pela pessoa amada sentimentos de admiração e confiança, sendo o amor sinônimo de paz e tranquilidade. Um relacionamento de trocas e com cuidado pelo o outro, permitindo uma verdadeira felicidade para o casal. O amor-companheiro realiza-se pelo ato de precisar do outro com o desejo de sua presença; o cuidado com o desejo de ajudar, fazer alguma coisa pelo ser amado; a confiança em que se ama; tolerância com as faltas do parceiro.
Aqueles que desenvolvem essa experiência de aconchego com o ser amado, terão esses sinais em sua intimidade: o desejo de promover o bem-estar de quem se ama; experenciar até nas coisas mais simples a felicidade ao seu lado; ter alta consideração pelo outro, concedendo-lhe um valor de importância; poder contar ou apoiar o ser amado nos momentos de necessidades; ter compreensão mútua; dividir tanto o seu eu quanto as posses com quem se ama; receber e oferecer apoio emocional; ter uma comunicação íntima.
Um pouco parecido com o amor-companheiro, porém mais profundo, também posso falar do amor-pragmático que enfatiza a confiança e a tolerância, típico de adultos maduros, possibilitando relacionamentos duradouros como o casamento. O amor concretiza-se pela interação de ambos, onde o cuidado e carinho são recíprocos. Sem ter a ansiedade e insegurança de perda do amor-passional, o amor-pragmático desenvolve-se mais lentamente e com controle dos envolvidos, que não temem declarar a sua dependência saudável um pelo outro.
Não “se apaixonam”, mas sim “se permitem” ser atraídos pelo ser amado em relacionamentos equitativos, absorvendo da relação o mesmo tanto que coloca. A compatibilidade é fundamental, assim como a similaridade de atitudes, necessidades complementares e lealdade. Enquanto o amor-passional procura a “pessoa especial” (muitas vezes tão idealizada que nunca será encontrada no mundo real!), o amor-pragmático enfatiza um “processo especial” onde os componentes relacionais nascem, são construídos e valorizados a partir dos momentos vivenciados.
Beto Guedes também diz que “toda forma de amar vale a pena!” Mas o medo de perda sempre existirá em todos nós. E sinto que nesta sociedade individualista e com muitas formas de competições, ele estar cada vez mais acentuado. E o que é pior: não estamos nos atentando para o fato da falsa impressão psíquica que felicidade atrai tragédias! Nossa força emocional deve consistir em identificar e superar nossos próprios medos, inclusive no amor. E com certeza, muitas dessas pessoas que hoje abrem mão de uma vida sentimental em nome de suas independências, no futuro estarão “chorando as pitangas” deitadas em várias formas de divãs.
A moça levantou-se, agradeceu, deu-me um beijo na face e um sorriso, ofereceu-me o seu cartão, dizendo: “Quando quiser, pode me ligar, tá! Espero encontrá-lo mais vezes no meu futuro”. E foi-se. Acho que já tenho a primeira cliente da minha futura clínica psicanalítica. Ou algo mais…
 Foto: Google Imagem

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