OS CAQUIS DA AACD – Por Emílio Figueira

#Pracegover – Vários caquis em um vermelho vivo. / Foto: Reprodução

Minha mãe sempre tem comprado caquis. Tenho como rotina, comê-los de pé na pia da cozinha, saboreando o seu delicioso gosto doce, deixando escorrer um pouco pelo canto da boca. E esses dias, em um desses momentos, tive uma memória afetiva.

Lembrei-me que quando pequeno e aluno paciente da AACD, em praticamente todos os almoços tinham caquis. Não sei se eles compravam ou ganhavam como doação. Mas era fato, não passava um dia, sem caquis em nossas bandejas de refeições. Acho até que minha amiga de infância Deise Tomazin Barbosa se lembrará disso...

E como uma memória afetiva puxa a outra, ali comendo caquis na pia de minha mãe, lembrei-me de toda a rotina da AACD. Depois das aulas no período da manhã, perto do meio-dia éramos liberados para o almoço. Subíamos a rampa larga e extensa de mármore branco. Após o grande salão onde havia um lindo aquário de peixes, entrávamos no refeitório, o mesmo salão principal de festas, para almoçar (com muito caquis!).

Depois o tempo era livre até às 14 horas no pátio aberto do piso de baixo. Era um enorme gramado. À direita tinha uma piscina cercada, uma quadra de cimento; à esquerda, os brinquedos, lá no fundo uma casinha de madeira onde os jardineiros guardavam as ferramentas. Toda essa área era cercada de uma grande grade xadrez verde, árvores e plantas. Por elas víamos as pessoas na rua, os carros em movimento, a vida acontecendo do lado de fora. Lembro-me de muitas pessoas olhando para dentro, observando-nos com curiosidade, espanto e piedade.

Após às 14 horas, começava outra maratona. Éramos encaminhados às terapias ocupacionais, fonoaudióloga, fisioterapia, atendimento psicológico, avaliações médicas, tudo novamente no segundo piso. Ou encaminhados às salas de atividades artísticas, pintávamos, desenhávamos, recortes e colagens, enrolar bolinhas de papel, atividades com jornais e madeiras, crochê e tricô, tudo visando o nosso desenvolvimento psicomotor. Tínhamos aulas de culinária.

Muitas adaptações foram fundamentais para mim: na hora das refeições usava uma prancha fixada à mesa onde tinha o encaixe do prato, do copo e da tigela de sobremesa (caquis); minha colher era com um cabo grosso de madeira e torta, pois eu ainda não fazia a curva para chegar à boca; o lápis era engrossado e eu usava uma pulseira de meio quilo de chumbo no pulso, visando diminuir a frequência dos movimentos involuntários e conseguir rabiscar, pintar o papel. Por muito tempo usei pesadas botas ortopédicas e fora inúmeros outros recursos que já fugiram de minha memória. E assim minha vida foi sempre de adaptações que permitiram cada vez mais a minha autonomia de hoje...

No final do dia, após quase dez horas na instituição, estudando, fazendo terapias, almoços coletivos no refeitório (com muito caquis!), horas de lazer na área externa e muitas atividades, peruas kombis beges com logotipo vermelho da AACD, inconfundíveis na época nas ruas paulistanas, partiam cheias para entregar cada um em seus respectivos lares. Às vezes, eu permanecia até duas horas balançando no trajeto. Mal chegava em casa por volta das 19 horas, jantava e já ia dormir para no outro dia, 5:30 horas da manhã, levantar-me e ir com meu pai, que, no velho fusquinha, deixava-me na instituição antes de ir para o seu trabalho. Rotina de quase sete anos!

Nossas memórias afetivas são assim, desenvolvem-se a partir de uma percepção sensorial como um odor, um som, uma cor, ligada a um momento afetivo importante. E sempre uma memória afetiva puxa a outra, seja no gosto doce de um caqui ou outras diversas formas de despertar recordações!

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