Quem tem mais de quarenta anos e é um saudosista dos anos 80s assim como eu, lembra-se mesmo que vagamente dos episódios do “O Incrível Hulk”. Um dos marcos daquela década, Bill Bixby era o Dr. David Banner, que, ao se irritar, transformava-se em um monstro verde denominado Hulk. Isso ocorria porque Banner era um cientista e, diante um erro em seus experimentos, adquiriu esse legado de mutação, o que o levou a abandonar os laboratórios e sair pelo mundo. Hulk, uma grande criatura verde vivida pelo ator Lou Ferrignol. Embora um brutamontes, era politicamente correto. Não socava ninguém, gostando mesmo de arrasar com os malfeitores a distancia ou esmagar as armas e virar os carros deles. Fato que me marcou muito é que, após tudo resolvido, cada episódio terminava em um tom melancólico, o Dr. Banner indo embora da cidade com um característico solo de piano ao fundo.
Esses dias, pensando nas pessoas que passam por nossa vida, o Hulk me veio como uma metáfora. Muitos sujeitos de passagens por motivos de estudos, locais de trabalho ou moradias que permanecem junto a nós durante aquele período; mudam-se as escolas, os locais de trabalho ou residência e, consequentemente, mudam-se as pessoas do nosso cotidiano.
Há pessoas que aparecem em momentos especiais. Durante nossas dificuldades, dúvidas, angústias e em nossos inúmeros questionamentos existenciais. Ou até mesmo um pouco antes dos problemas começarem. Dr. Banner conseguia a cada episódio um novo emprego perto das pessoas que necessitariam de sua ajuda. Na realidade, essas pessoas surgem basicamente no papel social de amigos. Entram de maneira natural em nosso dia-a-dia. Mesmo conhecendo há pouco tempo, temos a sensação que a conhecemos toda a vida, sendo dignas de nossa confiança e confidências. A sensação que temos é que se tornam nossos melhores amigos e aquela amizade será para sempre! E esse sentimento é de ambas as partes.
Sentimo-nos tão bem junto dessas pessoas. Elas parecem nos entender num olhar. São sensíveis, delicadas, jamais tem um juízo de condenação ou críticas destrutivas para conosco. Pelo contrário, sempre nos dão um sorriso de conforto. Mesmo se elas não tiverem uma palavra de consolo no momento, seus olhares, suas existências ao nosso lado, o fato de nos ouvir, já nos trará alívio. E, com certeza, essas pessoas nos ajudarão, serão fonte de inspiração para vencermos e superarmos os problemas.
De repente, nossos problemas, conflitos e existências do momento, se não solucionados definitivamente, pelo menos perdem o grande peso que tinham sobre nós, tornando-se tão pequenos que não nos incomodam mais. Percebemos que estávamos muitas vezes, fazendo de uma formiguinha um elefante. Mas sem percebemos, essas pessoas começam a se afastar desapercebidamente de nossas vidas. Aqueles contatos quase que frequentemente diminuem de maneira acentuada, chegando até a saírem de nossas histórias.
Esses afastamentos não ocorrem de maneira consciente ou planejada. Essas pessoas especiais nem têm a concepção que realmente são especiais. Mas, muitas vezes sabem que podem e têm o imenso prazer de ajudar quem delas necessitem, sem cobrar ou pedir nada em troca. Conheço inclusive várias pessoas que receberam como pagamento gestos de traições, apunhaladas pelas costas, toda sorte de enganos, mas não perdem o amor e a vontade de ajudar a quem a elas recorrerem.
Aliás, sempre que o Dr. Banner entrava em alguma confusão, tomando muitos murros e pontapés, surgia de dentro de si, motivação para se transformar no Hulk – o que podemos aqui interpretar como a nossa capacidade de recorremos às forças desconhecidas que há dentro de cada um para resolver problemas; forças até então que não imaginamos ter.
Dr. Banner tinha um motivo especial para mudar sempre de cidade. Fugia do jornalista Jack Macgee (vivido pelo ator Jack Calvin), correspondente do tabloide sensacionalista “National Register” que tinha como obsessão capturar a criatura para fazer a grande reportagem de sua vida, tendo quase que certeza que o Dr. Banner era mesmo o tal Hulk.
Voltando àqueles que surgem em nosso cotidiano, são pessoas de valores inestimáveis, vivendo em um mundo de tantos valores descartáveis semeados por interesses individuais. Afastam-se porque já é momento de uma nova missão. Gosto de usar como figura o mundo como um grande tabuleiro de xadrez onde somos as peças que Deus, em sua infinita sabedoria, vai nos mexendo, aproximando e distanciando conforme as necessidades.
Como no seriado, a melancólica música ao piano começa a tocar. Essas pessoas se vão da mesma forma natural que entraram em nosso mundo particular. São como “O Incrível Hulk” que cumpriu mais uma missão. Para aonde vão só o destino saberá. Mas com certeza, se novamente precisarmos durante o nosso peregrinar nesta vida, deparar-nos-emos com outros Hulks em formas humanas. Que nunca ficarão verdes de raiva!
Área
Crônicas 2020 à 2021