TEUS MUNDOS SIM, CABEM NO MEU! – Por Emílio Figueira

#pracegover – Os atores Edson Celulari e Giovana Echeverria sentados nas tradicionais escadarias do Bixica, bairro italiano aqui de São Paulo / Foto: Reprodução

Ontem eu assisti a um filme com minha mãe, TEU MUNDO NÃO CABE EM MEUS OLHOS – lindo título por sinal! Muito interessante, é a história de um homem vivido pelo Edson Celulari, cego desde muito pequeno, pizzaiolo no Bixiga que tem uma vida totalmente ativa, adaptada e feliz. Um corintiano doente de frequentar estádios no meio da geral. Surge a oportunidade de ele voltar a enxergar, trazendo-lhe novos conflitos, após sua esposa Clarice sugerir uma cirurgia de visão para recuperação parcial. O filme mostra muito da psicologia e percepção de vida das pessoas com deficiência visual.

Dirigido por Paulo Nascimento, é um filme leve, com um roteiro inteligente, coproduzido por Brasil, Argentina e Uruguai em 2016. Além de Edson Celulari, o elenco conta com Giovana Echeverria, José Vitor Castiel, Soledad Villamil, Leonardo Machado, Thalles Cabral, Roberto Birindelli e Héctor Bidonde.

Essa obra do cinema nacional me traz algumas memórias e reflexões. Na história da reabilitação brasileira, durante muito tempo, acreditou-se que o ideal seria levar a pessoa com deficiência cada vez mais próximo da concepção das pessoas ditas normais. Até alguns autores da época chegaram a escrever que só pessoas com padrões normais poderiam ser felizes. Mas graças a Deus, esse conceito de padronização humana caiu totalmente por terra.

Hoje defendemos que cada pessoa é única. Mesmo com deficiência, ela tem suas particularidades, percepção, tempo de adaptação, maturação para se adaptar ao mundo a sua volta. O processo de reabilitação e inclusão precisa sim, ajudá-la a amenizar as dificuldades geradas por sua deficiência, mas sempre respeitando suas particularidades e ritmo de viver.

Como no meu caso que continuo fazendo fisioterapia e pilates com foco no alongamento, fortalecimento dos músculos e equilíbrio e as correções em outras partes do corpo vão entrando como ganhos secundários com muitos resultados positivos nesses últimos três anos.

Eu mesmo, vira e mexe, pego-me nessa armadilha de padrão de normalidade, querendo passar por cima de minha própria deficiência de coordenação motora e na dicção. Por exemplo, o ano passado, por conta do meu documentário “Sementes de Minha Inclusão” – coincidentemente também gravado em 2016 -, fui falar em mais de vinte escolas, reuniões de professores e formações pedagógicas.

Comecei a pensar e procurar ajuda de profissionais para falar muito melhor em público, querer ser como aqueles palestrantes referências. Até que falei para mim mesmo: “Pera aí, eu não preciso negar a minha própria condição para ser igual aos outros. Preciso continuar sendo eu mesmo, consciente das minhas limitações e possibilidades. A única diferença é que tenho que usar os recursos tecnológicos e assistivos ao meu favor em minhas apresentações, como fazia tão bem o físico Stephen Hawking!”

Assim, fui adaptando as palestras com vídeos que faço, transmitindo minha história de vida, meus conceitos, ideais e visões de mundo. Criei minha forma de comunicação alternativa. E acredito que o pessoal goste, pois no final, elas batem palmas, ficam até de pé. (Ou será que essas pessoas fazem isso comemorando porque acabou e eu já vou embora? Kkkkk)

Voltando ao filme e dando um pequeno spoiler, no jornal Estadão de abril de 2016, o diretor Paulo
Nascimento declarou: “Minha sócia na Accorde (Marilaine Castro da Costa) está fazendo um mestrado sobre acessibilidade em Portugal. Começou a me contar histórias incríveis desse universo dos cegos. Você sabia que muitos que recuperam a visão não se adaptam e querem fazer cirurgia de reversão?”

Um dos fatos do filme me faz refletir sobre um dos maiores erros humanos da atualidade, embora muitas vezes não cometidos por maldade. O erro de sempre querer dizer como as pessoas têm que ser, o que elas precisam vestir, o que devem pensar, acreditar, como devem se comportar. Estamos sempre querendo idealizar o outro em vez de aceitar as pessoas como são e gostam de viver em seus mundos particulares.

Eu mesmo já fui vítima algumas vezes dessas idealizações. Certa vez, uma conhecida me disse: “Poxa Emílio, você é um cara tão legal. Já pensou se você fosse normal???” (Até hoje não sei se ela se referia a minha deficiência ou a minha feiura mesmo kkkkk)

Ao elaborar o título desta crônica, quase parafraseando o nome do filme, lembrei-me de um pensamento que me acompanha há muito tempo sobre o meu ritmo e modo de conviver com minhas limitações motoras. Inclusive digo em palestras: “Eu não tenho que me adaptar ao mundo de vocês. São vocês que precisam adaptar ao ritmo do meu...!”

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