A Filosofia Do Centrinho (Parte 5)



Uma coisa que Centrinho tem bem definido desde o seu começo, é a sua filosofia de trabalho. Deve-se ressaltar que o trabalho assistencial executado, enquadra-se como uma das preocupações adotadas por todos organismos pessoas responsáveis e se encontra expresso inclusive na própria “Declaração dos Direitos da Criança”, da Organização Mundial das Nações Unidas. Isso foi bem compreendido e defendido pelo jornalista-científico J.Reis, em artigo publicado na Folha de São Paulo, em 1974, onde ele dizia:



“Muito se caminhou desde os tempos em que a universidade era instituição fechada e quase isolada da sociedade, uma espécie de refúgio de sábios e aspirantes a sábios, até a universidade moderna que, sem deixar de ser um núcleo de pesquisa e ensino, também presta serviços diretos à comunidade que a mantém. Muito importante é este aspecto quando nasce dos professores e cientistas, independentemente de qualquer dispositivo de lei ou regulamento que faça desde prestação alguma rotina importa como contra-peso aos que ensinam e investigam. E é muito importante porque revela a existência, dentro de universidade, de crescente consciência social, cuja falta muitas vezes lhe tem sido criticada, acusados os universitários de alheios à participação na vida ativa da sociedade.






“O Centro de Bauru é um exemplo, que tem como missão apostólico trabalho de reabilitar, sem alarde, mas com paciência, os que apresentam malformações congênitas lábio-palatais, submetendo-os e completo exame e tratamento, que apague, não apenas os traços mais aberrantes da lesão, mas todas as suas consequências, na medida do cientificamente possível, isto é, até onde podem ir, ajudando-se mutuamente, o amor à ciência e o amor ao próximo. Sem verbas especiais, sem outro estímulo que a motivação interior dos que edificam e mantém, o Centro cresceu e atende o número cada vez maior de pacientes de todo o Brasil. Ajunte-se a esses méritos o de tratar-se de organização votada ao trabalho numa área – a reabilitação – muitas vezes negligenciada pela sociedade, como decorrência de arraigados preconceitos.



“De fato, quando se fala em reabilitação, muitos, tomando conhecimento de que ela se dirige a minoria, logo se põe a indagar indiferentemente: porque gastar tempo e dinheiro com uns poucos aflitos, quando existam tantos e tantos problemas da maioria, em que esses indiferentes pensam, quando assim raciocinam, costumam ser questões que afetam o seu conforto pessoal. Por isso as obras dedicadas à reabilitação – e temos várias que hoje causam grandes admiração! –  costumam nascer da liderança de algumas pessoas de fé inquebrantável e de profunda solidariedade humana. Com seu raciocínio os indiferentes não atentam para o supremo valor de cada pessoa em si e se esquecem do pensamento do velho Ampére quando dizia que só se sentiria feliz quando não houvesse ninguém infeliz no mundo. Se pensamos com sinceridade no valor de cada ser humano e em seu direito a completa realização, logo percebemos não ser lícito, nesses casos, raciocinar em termos de maioria ou minoria. Reabilitar é socialmente tão urgente como alfabetizar e ensinar, porque é, como estes últimos, um meio de libertar a pessoa e dar-lhe os elementos, que lhe permitam concorrer à igualdade de oportunidades, que a ninguém deve excluir. Conceitos aparentemente simples esse, de igualdade de oportunidades, um dos pilares da democracia. Quando nele penetramos mais profundamente, surgem todavia aspectos inesperados, como esse das pessoas que, para concorrer àquela igualdade, precisam ser antes reabilitados de defeitos que lhe escapam à vontade, como escaparam muitas vezes a seus pais. Para dar um exemplo, fora dessa área, é instrutivo recordar que no país onde mais se tem proclamado a igualdade de oportunidades na educação, os Estados Unidos, o relatório Coleman e, depois, o relatório Mohynlanpettigrew mostraram que, a despeito de todos os esforços públicos para assegurá-los, a  desigualdade ainda se manifesta, não pela negação de escolas, equipamentos ou mestres às chamadas minorias, mas num aspecto  mais sutil, que é a oportunidade de conviver os menos providos com os mais abastados, nessas e escolas. Os indiferentes também não atentavam para o círculo vicioso que criavam. Deixando de reabilitar os deficientes, marginalizavam-nos e assim lhes tiravam oportunidades de trabalho e vida digna e autônoma, colocando-os na dependência paternalista de alguns ou final atirando muitas delas à miséria que, quando recorriam à caridade pública, encontravam a cortante resposta: Vá trabalhar!…”



Toda filosofia é bonita e sábia quando bem aplicada. Mas nada supera o depoimento pessoal de um ser humano; ainda mais quando de gratidão e reconhecimento de alguém que realmente viveu o problema, vendo sua vida se transformar, graças a Deus e a vontade humana, em algo melhor. E entre tantos destemunhos, escolhemos este de 1977 da ex-paciente de Santa Catarina, Ida Maria Diezole:



“Um dia te conheci. Convivi com você 6 meses. Foram 5 meses de uma experiência nova: Onde aprendi tantas coisas. Coisas que não conseguia compreender de jeito nenhum, com você eu compreendi facilmente. Você marcou a minha vida! Com você aprendi a conhecer as pessoas, descobri o carinho, a compreensão, a saudade. Com você aprendi que mesmo longe de nossa terra natal e familiares, pode-se viver bem. Com você aprendi a cultivar amizades, a espalhar meu carinho. Com você aprendi que nunca se é inútil, quando se tem vontade de ajudar alguém. Com você aprendi que nem sempre o sol brilha, mas que também nosso caminho não é só trevas. Com você aprendi a confiar e a guardar segredos. Com você descobri que além de mim, milhares de outras pessoas sofrem, talvez problemas bem maiores, e eu na minha cegueira, a minha covardia, não queria perceber. Mas, por felicidade conheci você e me ensinou a ver tudo que antes não queria ver. Com você aprendi que a vida é ruim, quando temos uma personalidade fraca, covarde. Aprendi que se temos uma personalidade forte, se em vez de deixar de lado, enfrentamos os problemas, se soubemos aceitar nossos próximos, a vida é muito boa. A você devo muito, muito mesmo. Devo a metade de minha caminhada para uma vida melhor. É por isso CENTRINHO, que eu não consigo te esquecer”.



NOTA: Essa série de artigos é fruto do documentário “Nem São Francisco Sabia… A História de Centrinho de 1967 a 1995”, hoje Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho) da USP/Bauru. Realizado entre 1994 a 1996 por Emílio Figueira, contou com bolsa de especialização da Universidade de São Paulo-USP. Foram publicados no jornal Diário de Bauru de maio a julho de 1997.

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