A História Da Imprensa Alternativa Voltada À Pessoa Com Deficiência No Brasil




O PIONEIRISMO DO JORNAL “DESAFIO DE HOJE”





Meios de Comunicação Alternativos são uma forma que setores populares, conjunto de classes e as camadas sociais menos favorecidas, encontraram (ou encontram) em certos momentos históricos, como instrumentos para mudar progressivamente a sociedade, criando novas condições propicias para tais mudanças. E na área da deficiência, temos pelos menos, dois registros. A história da imprensa alternativa no Brasil, voltada às questões que envolvem as pessoas com deficiência, teve seu início no ano de 1981, com o surgimento do jornal carioca “Desafio de Hoje”, primeiro trabalho totalmente jornalístico. O projeto concretizou-se logo após um acidente sofrido por Maria Therezinha C. L. de Oliveira, jornalista e diretora-responsável do jornal. O primeiro número circulou no Congresso da Cruz Vermelha, realizado no Rio de Janeiro, em 17 de outubro de 1981. “Nasceu quase artesanalmente, sem um modelo para se espelhar; porém, com coragem e muita disposição de trabalho, num país onde nunca antes se havia pensado numa imprensa especializada voltada para a pessoa deficiente”1. Dentre seus muitos objetivos, o primeiro e firme era o ideal de conscientizar a população para os problemas que atingem as pessoas com as mais variadas deficiências no Brasil.







O “Desafio de Hoje” teve uma história longa, com muitas conquistas e realizações. Nessa lista destaca-se o momento que o jornal ganhou o campo internacional. Devido ao apoio de Centros de Reabilitações portugueses, do Secretariado Nacional de Lisboa e da TAP, a publicação brasileira começou a circular em Portugal em julho de 1983, mantendo-se por lá durante dois anos. “Esse esforço de expandir o trabalho e os horizontes do jornal resultou num intercâmbio de projetos técnicos e práticos nos campos da prevenção, educação especial e integração social das pessoas com deficiência nos dois países”14. Na mesma época, suas edições foram gravadas em fitas cassetes, tornando-se o único jornal daquele país dirigido aos deficientes visuais. A iniciativa inédita contou com o apoio da Sonovox e da Bibliloteca do Porto, em Portugal.



O jornal foi o primeiro órgão de imprensa brasileiro a se deslocar até o exterior para cobrir eventos envolvendo a temática. “Em 1984, DH partiu ativamente do XV Congresso Mundial da `Rahabilitation International’, realizado em Lisboa, divulgando no Brasil, posteriormente, os trabalhos apresentados, como por exemplo, o Programa Educacional “A Turma de Barro”, que tem como objetivo conscientizar as crianças não deficientes, para que facilitem a integração das crianças portadoras de deficiências à sociedade”14.



No contexto de suas realizações, a equipe do DH criou o Destaque 86, em comemorativo ao seu 5º. aniversário. Pela primeira vez no Brasil, em outubro de 1986, foi realizada a outorga de diplomas de Menção Honrosa e Placas de Prata a pessoas e entidades que haviam se destacado na causa da luta pelos direitos das pessoas com deficiência. A comissão que escolheu os premiados foi composta por pessoas renomadas. “Centenas de pessoas, vindas de vários Estados brasileiros, compareceram à cerimônia, entre as quais portadores de deficiências e seus familiares, autoridades governamentais, médicos, empresários, professores de educação especial e representantes de diversas entidades e associações da área”2.



Em 1983, o jornal lançou o projeto CONSBRA (Conscientizando o Brasil), procurando conscientizar a sociedade sobre as questões das deficiências através da promoção de debates, mesas-redondas e palestras com temas atuais de maior importância, sempre com a participação de especialistas no assunto.



Toda a repercussão alcançada pelo “Desafio de Hoje”, resultou em 14 Moções de Aplausos de várias Assembleias Legislativas estaduais e municipais, diplomas e medalhas. Em várias ocasiões, o jornal contou com o apoio da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que considerava o trabalho pioneiro e de maior importância. Sua redação recebia cada vez mais, milhares de correspondências vindas de todo o país e do exterior.



CONTEÚDO E OBJETIVO



O “Desafio de Hoje” tinha uma estrutura totalmente jornalística. Suas páginas (uma média de 12 por edição), traziam reportagens mostrando as barreiras que as pessoas com deficiência enfrentam em seu dia-a-dia, matérias revelando exemplos de coragem e otimismo, entrevistas com essas pessoas e especialistas da área, procurando encontrar possíveis soluções, foram alguns de seus objetivos durante seus anos de existência. Haviam também matérias preventivas, procurando sensibilizar o governo e os empresários para a necessidade de proporcionar a essa classe melhores condições de vida e o alargamento do mercado de trabalho, mostrando o lado positivo das deficiências, dando ênfase às capacidades da pessoa e nunca às suas limitações.



A prevenção era o maior objetivo do “Desafio de Hoje”. Através de veiculação de informações corretas, da promoção de campanhas públicas e de uma elucidação bem conduzida de dúvidas gerais, muitas doenças e acidentes, tanto de trânsito como de trabalho, responsáveis por um grande número de deficiências, podem ser evitados. Conscientizar o governo e a população sobre as inúmeras dificuldades enfrentadas pelas pessoas portadoras de deficiência; combater o preconceito – que, via de regra, é resultado da desinformação – e divulgar os serviços disponíveis para pessoas com deficiência e seus familiares, informando-os, ainda, sobre novas técnicas e pesquisas científicas são também alguns dos principais objetivos do jornal2.



O objetivo do jornal começava logo pela primeira página. A palavra “Desafio” aparecia em destaque num negrito desenhado, e o “De Hoje”, num tipo menor em branco, alinhado a direita na linha das informações adicionais (ano, número, local de publicação, mês). Era um tipo de título moderno para, refletindo o cenário contemporâneo.



Ainda na primeira página, eram impressas as manchetes e conteúdo da edição. Sem qualquer tensionalíssimo, os tipos eram com faces leves e finos. Abaixo dos títulos, geralmente havia um olho (resumo do texto e seu significado), seguido pelo número da página que encontrava-se. Na página de rosto do jornal, fotos ou ilustração com textos-legendas referente ao assunto.



Mas, às vezes, fugia-se à regra, como por exemplo, a edição de dezembro de 1991, quando foram publicadas as seguintes manchetes:



– CRIANÇAS EXCEPCIONAIS FINALMENTE INTEGRADAS NO ENSINO REGULAR



– EMPRESAS BRASILEIRAS CUMPREM A LEI E CONTRATAM DEFICIENTES



– INAUGURADA A MILIONÉSIMA BIBLILOTECA EM BRAILLE



– HANSENÍASE FOI ERRADICADA DO PAÍS



– PROGRAMAS DE TV PROPORCIONAM LAZER E INFORMAÇÃO AOS SURDOS



E no centro da página havia um quadro negro com a figura de uma pomba branca com um ramo no bico e letras formando a seguinte mensagem (também em branco): “Estas são as manchetes que o “Desafio de Hoje” gostaria de publicar neste Natal. Que o sonho se torne realidade em breve: integrar deficientes num ideal de Paz, Fraternidade e Igualdade”



Na segunda página, a primeira coluna ocupava-se inteiramente com o expediente. No cabeçário, o logotipo do jornal, o nome da ideizadora Diana Mendes Pimentel Soh, a diretora-responsável Maria Therezinha C. L. de Oliveira e da editora Bárbara Heliodora C. L. de Oliveira. Visando garantir o sério e bom conteúdo do “Desafio de Hoje”, o jornal conta com uma consultoria, cujos nomes também estavam no Expediente nas seguintes áreas: fisiatria, oftalmologia, psiquiatria infantil, otorrinoloringologia, genética, geriatria, obstetrícia, endocrinologia, psiquiatria, neurologia pediatrica, homeopatia, fonoaudiogia, educação especial, reabilitação, esportes e consultoria jurídica. Havia outras informações básicas (diagramação e secretaria gráfica, nome e endereço da empresa jornalísticas) e o tradicional “DH não se responsabiliza por conceitos emitidos em matérias assinadas”.



Acima na segunda página, ficava o Editorial. Com um tipo de letra maior que as demais, ele se destacava, geralmente dividido em duas colunas. Seu conteúdo não representava somente a opinião do jornal, como também‚ o principal foco de conscientização do veículo. Eram textos bem elaborados e diretos, como este trecho:



Falar de evolução para as questões referentes às pessoas portadoras de deficiências, por mais específico que seja o tema, significa falar das condições de vida da população brasileira em geral, motivo pelo qual é fundamental enfatizar a necessidade de salários mais dignos, condições de habitação e de saneamento adequadas, alimentação e transportes acessíveis, empregos, etc.



Da mesma forma, lutar por melhores condições de vida para o deficiente e por sua reabilitação específica é lutar também, paralelamente, pela reabilitação social do nosso povo, tendo sempre em mente o Artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que afirma: “Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar”.



Um dos mais básicos direitos de todo ser humano – o direito de ir e vir – é permanentemente negado às pessoas portadores de deficiências físicas no Brasil. O número que não têm mais condições de caminhar e utiliza cadeira de rodas aumenta constantemente. Entretanto, em vez de serem criadas condições para que essas pessoas possam se locomover livremente, a cada dia mais e mais obstáculos arquitetônicos surgem em nossas cidades: escadas inúteis, ausência de rampas de acesso, portas estreitas e tantas outras barreiras que só servem para dificultar a vida dos deficientes.



Perder a mobilidade das pernas pode acontecer a qualquer momento. Em relação ao transporte, caso fosse você atingido, como chegaria ao seu local de trabalho, ao banco, ao correio, igreja, às lojas e aos supermercados para as compras diárias.



(…)



Os portadores de deficiências precisam ser ouvidos e ter poder de decisão. Necessitam que a sociedade os entenda e que com eles solidarize. Precisam participar da construção do próprio destino, através da elaboração e fiscalização das leis que garantem seus direitos e estabelecem seus deveres. E os meios de comunicação têm a obrigação de abrir espaço para as informações necessárias a esse esforço de integração.



A pessoa portadora de deficiência não precisam de piedade; precisa, sim, de respeito e solidariedade. Aliás, como todos os outros seres humanos, que a despeito de seus pontos fracos e de suas diferenças, se igualam em essência e, embora poucas vezes de fato reconheçam, estão muito longe da perfeição.



Ainda na segunda página, havia a seção “Cartas”, onde eram publicadas correspondências de leitores de todas as regiões do país. Seus textos cumprimentavam o jornal, falavam e opinavam sobre matérias publicadas, pedidos de assinaturas, agradecimentos e outras manifestações. As cartas trazem o nome de seus autores e algumas vezes os seus endereços.



A terceira página, dedicada totalmente a matérias jornalísticas, muitas vezes, a principal chamada da edição. Sempre ilustradas com fotos e box.



Na quarta, estava a seção “Destaque”, uma página inteira de pequenos tópicos, divididos em retrancas (geralmente uma ou duas palavras), destacando descobertas científicas e/ou tecnológicas, divulgação de eventos, cursos, congressos, lançamentos de livros e outras publicações, etc‚ leitura obrigatória para quem desejava ficar por dentro e bem informado nessa área.



A quinta página também ocupava-se por reportagens. Já as duas páginas centrais (6 e 7), em quase todas as edições, publicava um assunto único. Analisando com mais profundidade, o tema poderia ser uma reportagem de cunho jornalístico da equipe do jornal, ou um trabalho de algum especialista. Todos os temas eram acompanhados por fotos, ilustrações e algumas vezes, gráficos. Nas demais também eram impressas matérias, boxes, publicidades, colunas e a oitava eram dedicadas a esportes para pessoas com deficiência, como veremos a seguir.



Dentro do conteúdo do jornal, podemos destacar outras colunas. Entre elas, haviam o “Painel”, oferecendo serviços (recursos humanos, cursos de mestrados e doutorados, medicina estética, etc), através de tópicos divulgando os endereços dos locais. Às vezes, publicava os “Classificados Especiais”, divulgando os endereços de profissionais (fonoaudiologas, fisioterapeutas, nutricionistas, etc), além de oferta e empregos às pessoas com deficiência.



“Desafio de Hoje” oferecia espaço para opiniões, depoimentos e debates. Na seção “Fórum de Debates”, o jornal publicava em cada edição um texto escrito e assinado por um especialista ou pessoa envolvida com a temática, com ponto de vista e/ou relato pessoal.



HD E OS ESPORTES



Sendo muito grande o contingente de pessoas com deficiência no Brasil, também sempre foi grande o desconhecido da maior parte da população em geral, o potencial dessas pessoas e de tudo o que são capazes de realizar. Consciente disso, da importância da reintegração social e da convivência plena, o “Desafio de Hoje”, durante toda a sua existência, apoiou e participado de vários eventos esportivos.



Deslocando-se da redação, sua equipe sempre realizou coberturas exclusivas sobre a participação no exterior de nossos atletas com as mais variadas deficiências. Dentre esses eventos esportivos, destaca-se a Olimpíadas de Seul, em 1988, a Copa do Mundo de Futebol de Amputados, nos Estados Unidos, os Jogos Assen, na Holanda, o Campeonato Internacional de Saint-Etienne, na França, os Jogos de Caracas, na Venezuela, os VIII Jogos Internacional de Verão das Olimpíadas Especiais, realizado em Minneapolis (EUA), onde os atletas brasileiros conquistaram 32 medalhas, competindo com outros 6 mil atletas de 90 países.



No Brasil, o jornal teve uma profunda participação nesse campo. Apoiou o lançamento das “Luminárias”, jogos que reuniam anualmente mais de 1.200 atletas, oriundos das várias partes do país e que competem em várias modalidades como futebol para pessoas com deficiências visuais e amputados, basquete em cadeira de rodas, natação, atletismo, halterofilismo, tênis de mesa e handebol, dentre outras. Outras iniciativas foram apoiadas, tais como o “Projeto São Tomé”, tendo como objetivo levar esses atletas para demonstrações esportivas variadas por todo o Brasil. O jornal patrocinou inúmeros eventos, conferindo medalhas e troféus aos vencedores.



Dentre as inúmeras iniciativas, partiu do “Desafio de Hoje”, lançar o primeiro grupo dessas pessoas que aprenderam a lutar capoeira. Segundo o seu redator, “aqueles que, por impossibilidade física, não puderam participar da capoeira, aprenderam a tocar berimbau, instrumento típico e folclórico que acompanha a luta. Essa iniciativa permitiu que a ideia se expandisse e, dessa forma, hoje, a capoeira é mais uma opção de esporte e lazer para as pessoas portadoras de deficiências”. O evento teve o reconhecimento da Organização dos Estados Americanos(OEA).



Outro importante espaço aberto foi no campo esportivo. Uma página inteira, intitulada “Esportes” e assinada por Aldo Miccolis, um senhor com mais de 35 anos de dedicação aos esportes para pessoas com deficiência no Brasil. As matérias falavam das mais variadas modalidades oferecidas a todos os tipos de limitações, treinos, competições, participações, vitórias, derrotas, recordes, informações de eventos, entidades que promovam atividades nessa área, entrevistas com secretários de esportes e pessoas envolvidas com o assunto. Na página havia a coluna “Minha Palavras”, onde Miccolis escrevia suas opiniões, ponto de vistas e depoimentos. E de uma, transcrevemos este trecho:



O Brasil possui aproximadamente 15 milhões de pessoas portadoras de deficiências físicas, mentais e sensoriais e, inseridos nesta espantosa estatística, existem mulheres jovens que, através, do esporte, encontraram a alegria de viver e a integração social a que têm direito, como cidadãos úteis ao país. Essas jovens constituem exemplos vivos de coragem, dignidade e otimismo, ao superarem barreiras e derrubarem preconceitos.



Não é exagero afirmar que o esporte pode salvar muitas vidas e proporcionar incontáveis alegrias. Quantos deficientes físicos, excepcionais, cegos, surdos, paralisados cerebrais e les autres já subiram em pudins representando nosso país? Posso afirmar que foram centenas(…)4



Um dos mais recentes trabalhos nesta área, foi a cobertura das IX Paraolimpíadas Mundiais, em 1992. Realizada em Baecelona, na Espanha, o evento reuniu quatro mil atletas com deficiências visuais, auditivos, físicos, paralisados cerebrais, pessoas com nanismo, vinda de todas as partes do planeta. Acompanhando esse contingente de alegria e otimismo, estavam outros milhares de pessoas, como professores de educação física, médicos, fisioterapeutas, assistentes sociais, árbitros, jornalistas, fotógrafos, fabricantes de equipamentos e um enorme público que prestigiou o evento.



O Brasil se fez presente com uma delegação de 50 pessoas, sendo 42 atletas. Nossos esportistas bateram e conquistaram sete medalhas – três de ouro e quatro de bronze. Essa atuação não mereceu nenhum destaque ou cobertura dos grandes meios de comunicação brasileiros na época. Mas o “Desafio de Hoje”, representado pelo seu consultor esportivo e colunista Aldo Miccolis, dedicou a primeira página e as duas centrais da edição de setembro de 92.



O jornal “Desafio de Hoje” era uma publicação exclusiva da OâSIS – Empresa Jornalística e Editora LTDA, com sede no bairro de Ipanema, Rio de Janeiro. E como toda empresa do ramo, tinha a sua própria estrutura. Contava com o assessoramento de profissionais da área de saúde e outros técnicos, correspondentes por todo o Brasil e exterior. No formato tabloide e de circulação mensal, o jornal levava aos seus leitores os atuais acontecimentos da área e o que havia de mais moderno na medicina e tecnologia e que oferecem nos campos da prevenção, Educação, Reabilitação e Integração de pessoas que possuíam os mais variados tipos de deficiências.



Seu poder de distribuição era amplo. Possuindo uma listagem exclusiva – elaborada ao longo dos anos -, atingia cerca de 400 mil pessoas. O trabalho por assinatura e correios eram o seu forte. O jornal também era distribuído por entidades e associações brasileiras que com ele se relacionavam, como os Centros de Reabilitação do INSS, APAEs, LBA, Sociedades Pestalozzi, dentre outros segmentos. Fora da área exclusiva, o “Desafio de Hoje” era encaminhado às Secretarias de Saúde, Poderes Executivos, Legislativos e Judiciários, classe médica, técnicos em reabilitação, faculdades, clínicas, escolas especiais e indústrias ligadas a temática.



O jornal tinha o seu lado publicitário, com propagandas de empresas, clínicas, órgãos governamentais e de outros segmentos. Geralmente, os anúncios com mensagens onde os contextos estavam ligados com o tema em questão. Como exemplo ilustrativo, destacamos esta, de uma empresa de petróleo. Tomando uma página inteira, seu texto diz em letras grandes: “O compositor Beethoven, o físico Stephen Hawking, a atriz Sarah Bernhaedt, o escultor Aleijadinho, o músico Ray Charles, o pintor Toulouse-Lautrec, o escritor Jorge Luiz Borges e o político Franklin Roosevelt, provaram ao mundo que a eficiência humana é maior do que qualquer deficiência física”.



A CONQUISTA MAIOR



Durante a sua primeira década de existência, o jornal teve muitas conquistas e viveu grandes momentos – sejam bons ou dificultosos. Mas foi ao comemorar o seu 10º. aniversário, no entanto, que o “Desafio de Hoje” galgou rumo ao seu objetivo principal, que era conscientizar o maior número possível de pessoas para a questão. Passou a ser um encarte do JORNAL DO BRASIL,18 circulando sempre na última terça-feira de cada mês. Segundo a sua equipe, “um projeto grandioso e audacioso. Grandioso no sentindo de ter encontrado eco em um jornal que comunga dos mesmos ideais do DH. Audacioso porque eleva a responsabilidade de levar adiante um projeto de custo extremamente alto”.2 Transcrevemos alguns trechos do Editorial de apresentação da conquista:



Numa época em que a descrença e o egoísmo assolam o país, nós, do “Desafio de Hoje”, nos sentimos muitos felizes ao constatar que não estamos sozinhos. O nosso trabalho, realizado há dez anos com muito sacrifício, frutificou.



(…) A beleza de um sonho ‚ que, por mais inatingível que pareça ser, por mais difícil que seja, fundamental‚ tentar.



Foi isso que fizemos, sem esmorecimento lutando, trabalhando sem tréguas, a maiorias das vezes além dos limites convencionais e normais, enfrentando situações que se unsuportáveis(…)



(…) É por isso que, ao iniciarmos mais uma etapa junto com o JORNAL DO BRASIL – ao qual somos gratos – esperamos permanecer fiéis aos propósitos de conscientização, auxiliando na eliminação de todas as formas de preconceitos e discriminação, ajudando estabelecer iguais oportunidades para todos, lutando por melhores condições de saúde, educação, trabalho e justiça social.



Cabe a cada um de nós cultivar sempre a esperança de que tudo pode melhorar. Somente assim as conquistas tornam-se possíveis e a vitória, uma certeza.5



Ao comemorar um ano de circulação como encarte, o DH e o JB, receberam duas Moções de Congratulação, sendo uma de Wanúbia de Carvalho, deputada federal pelo Rio de Janeiro, que em um trecho de sua carta dirigida à Mesa Diretora da Assembleia Legislativa, menciona: “(…) Acompanho com muito interesse sua trajetória, leio todos os artigos, que são de suma importância e estou a par de sua gratificante e necessária proposta. Por isso, sem qualquer outro compromisso, a não ser o de estar junto a ela nessa luta, gostaria de aplaudi-lo com muito entusiasmo nesse momento de festa (…)”7



Vale ainda destacar que a conquista de espaço junto ao JB, veio de encontro aos objetivos do “Desafio de Hoje” de não somente circular entre essas pessoas, seus familiares e em entidades e pessoas especializadas, mas também entre o público em geral, procurando atingir um de seus principais objetivos: conscientizar a população sobre os inúmeros problemas enfrentados pela pessoa com deficiência no seu dia-a-dia para, todos juntos, encontramos soluções. Sua equipe acreditava e defendia a tese que “os portadores de deficiência não querem, não podem e nem devem formar um grupo à parte; sua integração à sociedade, além de um direito, é condição fundamental para uma vida útil, produtiva e gratificante”9






“REVISTA INTEGRAÇÃO” – A VOZ QUE SE CALOU



Surgida da iniciativa privada entre Luíz Otávio Gomes dos Santos e Mário Alvez Vianna, a “Revista Integração”, foi outro importante órgão de comunicação alternativo nesta área nos anos 80 e 90, tendo como lema a seguinte frase: “Em defesa dos direitos da pessoa deficiente”. Ambos trabalhavam em uma editora onde não havia muita perspectiva futuras. Resolveram partir para um negócio próprio, abrindo a “Seiva Editorial Ltda”.



Desde os primeiros momentos, os dois tinham o objetivo fixo de editar revistas. Como Vianna havia trabalhado na “Revista Mensagem da APAE”, tiveram a ideia de lançar um veículo que abordasse temas relacionados há todas as áreas das deficiências. Seus fundadores recordam que o início foi extremamente difícil. Luíz Otávio (diretor-editorial) e Mário Vianna (diretor-publicitário), não conheciam quase ninguém da área, portanto, não dominavam o assunto. Mas com os objetivos já definidos, procuraram a diretoria do “Lar Escola São Francisco” – entidade pioneira no tratamento, educação, e integração de pessoas com deficiência no Brasil e na América Latina – para editar o seu órgão oficial.



A semente estava plantada. Em junho de 1988, começava a circular o primeiro número da Revista Integração. Sua capa trazia uma foto em cores dos alunos na horta do Lar São Francisco. À página 02, a ficha da entidade com sua diretoria, conselho provedor, conselho fiscal e conselho técnico e mais abaixo o Expediente da Revista. O seu Editorial, à página 04, oferecia um perfil do que seria a publicação:



Ela abordar todas as atividades da instituição preocupando-se sempre em comunicar à coletividade os progressos e o andamento de suas atividades. A revista tratar ainda de temas relacionados a área médica, terapêutica e assistência ao deficiente físico, ceder espaço para as associações e entidades congêneres, além de trabalhos técnico-científicos de pesquisadores do setor.



O deficiente físico terá através da REVISTA INTEGRAÇÃO, o espaço para discutir os seus problemas, expor e debatê-los com autoridades competentes. Ou seja, a Revista passou a ser um foco catalizador e de divulgação das entidades do portador de deficiência em São Paulo e no país. Discutiremos temas concernentes aos transportes, acesso à educação, esportes, integração profissional e social. Faremos troca de experiência entre entidades, associações e órgãos governamentais preocupados com o problema da deficiência em São Paulo e no resto do País. Convidaremos especialistas de área médica para tratar das últimas descobertas em equipamentos e técnicas de reabilitação e recuperação.10



O primeiro número foi dedicado aos 45 anos do Lar Escola São Francisco. A primeira página trazia a seção “Palavra do Presidente” (assim como nas outras edições). Nela, era relatada toda a história desde o início da Instituição. Nas outras páginas (sempre um total de 32), várias matérias focalizando o Lar Escola São Francisco, ilustradas com muitas fotos. E com só este tema, esgotou-se a edição.



A iniciativa tinha tudo para dar certo. A revista – que mantinha-se exclusivamente de anúncios -, no primeiro número, só para que tenha uma ideia, sua equipe conseguiu o suficiente para pagar os custos de produção. No entanto, no que tange à receptividade, foi muito grande, tanto por parte dos leitores como dos profissionais da área.



FUTURAS EDIÇÕES E CONTEÚDOS



Lançado o primeiro número, a Revista Integração passou a circular com a precocidade de quatro em quatro meses, com algumas seções fixas, onde destaca-se a “Matéria de Capa” (sempre um tema principal), “Esportes”, as “Entrevistas” (no estilo pergunta-resposta), “Memórias” (focalizando fatos históricos), “Opinião” (reflexões sobre o tema em pauta), “Depoimento” (tanto de técnico como das próprias pessoas com deficiência), “Trabalhos Técnicos” (artigos de especialistas, geralmente escritos numa linguagem mais científicas), “Curtas” (tópicos, e pequenas matérias, tanto de sua redação como de outras pessoas, contendo eventos, notas sociais, conquistas, justiça e legislação, dentre outras divulgações) e a “Especial”.



O conteúdo de suas matérias sempre apresentava novos objetivos e novidades para área. Podemos destacar exemplos de otimismo como a “Matéria de Capa” da edição de dezembro de 1988, que dizia: “Com a esperança renovada o Natal produz ânimo para novos projetos em prol do deficiente”. Na parte dos objetivos de integração social, destacamos a matéria: “Mulheres deficientes: SEM LIMITES PARA O AMOR”. Sua introdução resumia todo o seu conteúdo: “Muita gente pensa que a deficiência física impede o relacionamento amoroso e sexual, mas isso não é verdade. Derrubando mitos e preconceitos, é a cada dia maior o número de mulheres deficientes que estão saindo vitoriosas de uma luta comovente e garantindo seu direito não só de amar, mas de casar e ter filhos sadios”.11



Com as artes fornecidas pela Maurício de Souza Produções Ltda, a Revista Integração, publicou em sua quinta edição, uma história em quadrinhos da “A Turma da Mônica”. Intitulada “Hamyr, um garoto muito especial”, o enredo mostrava um menino de bengalas-canadense, buscando de maneira descontraída a sua integração nas brincadeiras dos demais membros da turma. Atuando também no campo artístico, Integração publicou a reportagem “Espectro de Emoções”, principal matéria da sétima edição, mostrando que os artistas com deficiência buscando na arte o mais cristalino meio de expressão e ao realizar algo artístico, desvenda os mistérios da criação. O “direito de ir e vir”, mereceu destaque na capa da oitava edição, focalizando as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba, que foram as primeiras capitais a mudar o quadro do verdadeiro desafio que os essas pessoas enfrentam todos os dias para utilizar-se dos transportes coletivos.



Não indiferentes à “Década da Pessoa Deficiente (1982-1992)”, a Revista Integração lançou uma série de artigos abordando temas como reabilitação profissional, esportes e integração social, com o desejo de montar um mosaico de real situação em que se encontra a pessoa com deficiência no Brasil. Na série foi abordado o amplo movimento, de âmbito nacional, com o propósito de se criar uma profunda consciência a respeito da relação: pessoas com deficiência e a sociedade. Dentre as várias metas projetadas estavam a conquista e a sedimentação de seus direitos, como qualquer cidadão, nas relações com a coletividades. A série de artigos foi concluída em dezembro de 1991, num total de quatro edições.



Integração também se preocupava muito com a questão do mercado de trabalho. Fora os constantes artigos de Otto Marques da Silva (um experts no assunto), a revista publicou uma edição especial sobre o tema. Um trecho de seu editorial dizia:



Todos sabem dos grandes problemas de desemprego que afligem a sociedade brasileira como um todo, o que quer dizer então da parcela de cidadãos que porta algum tipo de deficiência. Brasileiros sistematicamente discriminados e relegados à marginalidade, sofrem ainda mais num momento em que a oferta de empregos é reduzida. As informações contidas nessa matéria mostravam claramente ao leitor o quanto é preciso avançar em matéria de profissionalização dessas pessoas e principalmente no que diz respeito à conscientização dois empresários e profissionais responsáveis pelo processo de recrutamento a seleção das empresas(…)12.



INTEGRAÇÃO NOS ESPORTES



Outro campo de forte participação da Integração, foram os esportes, tanto nas coberturas jornalísticas, divulgando os eventos, como em suas próprias realizações. Consciente do potencial de muitos atletas com deficiência e do muito que se têm conquistado para o Brasil, embora discriminados pela grande imprensa, sua equipe publicou no ano de 88, editorial bem realista:



Após o encerramento dos jogos oficiais, realizou-se nas mesmas instalações – Vila Olímpica – a “Paralympics”, a Olimpíadas dos deficientes, onde o Brasil esteve representado com 56 atletas, ou seja, um quarto dos que estiveram na Olimpíada anterior e conquistaram 27 medalhas: quatro de ouro, nove de prata e quatorze de bronze. Os primeiros a imprensa de um modo geral – televisão, rádio e jornal – prestou todo tipo de homenagens, desde programas especiais, até capa de revistas, chegando inclusive a receber barras de ouro da Caixa Econômica Federal. Quanto aos atletas deficientes, os mais premiados, receberam pouca atenção da imprensa e nenhum prêmio especial(…)13.



Nessa edição a revista teve como matéria de capa: “SEUL/88 – Eficiência dos Deficientes”. Na matéria à página 14, foi traçado um panorama da situação que se encontrava o esporte praticado pelas pessoas com deficiência física. Em seguida, destacou o brilhantismo com que os atletas que participaram deste certame internacional, quais as suas queixas e seus projetos para o futuro, além do que esperavam das autoridades governamentais e dos empresários.



Quatro anos mais tarde, a capa da revista voltou a ser o logotipo das Paralympicas. Dessa vez em Barcelona/92. A cobertura foi bem maior, com muitos destaques. Porém, seu editorial voltou a focalizar algumas dificuldades e chamou a atenção para alguns fatos:



Nesta edição, estamos novamente contentes com a participação brasileira na PARALYMPICS, desta vez na cidade de Barcelona, porém nosso sentimento hoje não só de alegria, existe também uma pontinha de tristeza, porque desta vez nossa equipe conquistou “apenas” 7 medalhas. A impressão que temos é que o esporte para pessoas portadoras de deficiências no Brasil, está caminhando para traz e temos a mais absoluta certeza de que isso não se deve a falta de empenho dos atletas ou das entidades e pessoas que lutam para elevar cada vez mais esse tipo de esporte.



O que falta realmente, é uma conscientização maior dos nossos governantes e do próprio povo brasileiro, para que esses atletas possam contar com o apoio necessário para que os objetivos propostos possam ser alcançados14.



Em um artigo posterior15, foram traçadas algumas reflexões sobre a importância do esporte para pessoas com deficiência. Dentre elas, destacam-se: 1) Um desafio para que se volte ou se comece a viver, um caminho de vida, embora em potencial; 2) A razão de viver, um fim em si mesmo; 3) Um veículo de reintegração ou integração; 4) Uma atividade interessante que se observa … distância; 5) Uma atividade que não deve ser negada porque leva … alienação de vida política e 6) Uma atividade que deve ser incentivada porque é um complemento de nossa vida pública e privada.



Outro grande destaque no campo esportivo foi a entrevista intitulada “Uma voz que derrubou barreiras e conquistou espaços”. Nela, foi entrevistado o repórter e locutor esportivo da TV Bandeirantes, Alexandre Santos, um profissional com mais de trinta anos de uma promissória carreira jornalística. Revelando que começou cedo na profissão, Alexandre sempre atuou nos meios de comunicação. Após trabalhar em rádios, ingressou na televisão, traçando uma bela carreira, colecionando muitos prêmios e tornando-se um dos mais conceituados repórteres esportivos do País.



Utilizando-se de uma cadeira de rodas para sua locomoção, Alexandre nunca encontrou dificuldades para desempenhar o seu trabalho. Viajou pelo Brasil e para o exterior (como Estados Unidos, Europa e países da América do Sul), transmitindo jogos, campeonatos, torneios e Copas do Mundo. Diante deste vasto currículo, Alexandre Santos declarou à Revista: “Não acredito que haja preconceito no jornalismo – rádio e televisão. Eu nunca sofri qualquer tipo discriminação”16. Ele olhava a vida com bastante otimismo e acredita que a própria pessoa com deficiência tem que se auto-conscientizar que é uma pessoa normal e lutar para conquistar o seu lugar na sociedade.



DESENVOLVIMENTO E ESTRUTURA



Segundo a sua equipe, o crescimento da Revista foi algo muito emocionante, que fugiu ao controle de sua redação. Segundo Luíz Otávio destacou, “recebíamos cartas de todas cidades que nem sabíamos de sua existência, e não imaginávamos como a revista havia chegado lá. As cartas na maioria, teciam elogios profundos e que confirmavam a nossa proposta inicial – prestar um serviço e engendrar uma consciência frente a um tema tão importante em nossa sociedade”.17 Isso podia ser confirmado através das muitas cartas publicadas no “Espaço do Leitor”, sendo correspondências de todas as partes do Brasil e exterior.



A Revista Integração tornou-se, pela força do tema, independente. A partir da quinta edição, além do Lar Escola São Francisco, passaram a estar representadas outras entidades que atendem às pessoas com deficiência. Esse passo foi dado graças ao crescente interesse e participação dessas entidades a revista, seja através de sugestões, colaborações e o efetivo apoio ao trabalho realizado pala sua equipe. Montado esse “Conselho Editorial” – fixado à página do Expediente -, as entidades passaram a colaborar desde a elaboração de pauta de matéria, ao fornecimento de subsídios para as mesmas, além da divulgação de suas ideias e pesquisas, visando a melhoria



das condições de vida da pessoa com de deficiência (física, intelectual, visual, auditiva e últiplas deficiências), passando a abordar assuntos relacionados há todas elas.



Ao comemorar o primeiro aniversário, trechos de seu Editorial diziam:



“Lançar uma revista que trate de problemas sociais em nosso país é muito difícil. Mantê-la em circulação, é tarefa ainda muito mais difícil(…). (…) Se dificuldades foram encontradas, também não nos faltaram incentivos e reconhecimentos por este trabalho, o que levou-nos a e dobrar forças para atingir o objetivo de cada edição da revista. A grande aceitação da revista nos segmentos a que se destina e os constantes pedidos de envio da revista, fazem-nos acreditar que estamos desenvolvendo um trabalho a altura das aspirações de nossos leitores. Falhas, certamente tiveram muitas, mas, com os recursos disponíveis, fizemos o melhor possível em cada edição (…)”18.



 A revista começou com uma tiragem de 10 mil exemplares. Porém, devido ao Plano Collor – que conseguiu assolar vários segmentos no início dos anos 90, inclusive os microempresários -, suas edições tiveram que ser reduzidas para 7 mil exemplares, voltando a crescer posteriormente. Impressa em off-set, era utilizado a fotocomposição, substituída a partir da 14ª. Edição pelo processo computadorizado – Editorização Eletrônica. Isso ocorreu devido a necessidade de abaixar os custos, uma vez que o novo processo eliminou a etapa do fotolito. Consequentemente, sua equipe conseguiu economizar um pouco e editar a revista com uma qualidade superior.



Suas edições eram distribuídas basicamente pelos Correios, dentro de envelopes, destinadas diretamente às entidades, associações, médicos, psicólogos, psiquiatras, pedagogos, terapeutas, assistentes sociais, fonoaudiólogas, professores, empresas (indústrias, comércios e serviços), estabelecimentos de ortopedia, autoridades municipais, estaduais e federais, autarquias, fundações e pessoas com de deficiência.



Todos os seus custos de produção e distribuição, foram cobertos por patrocinadores. Muitas das propagadas tinham seu contexto ligado ao tema da revista, como esta que destacamos de uma firma de fertilizantes, cuja título era “Um deficiente pode ser mais eficiente do que você imagina”. O texto dizia: “Um deficiente físico tem poucas oportunidades de trabalho. Por isso mesmo, quando surge a chance, quando uma empresa conclui que deficiência física nada tem a ver com a eficiência profissional, o deficiente agarra esta oportunidade e coloca todo seu empenho na realização de seu trabalho”.19



Se de um lado a Revista Integração tinha apoio e muita receptividade na área, por outro, encontrava dificuldades em relação aos patrocínios. Ao comemorar “cinco anos trabalhando pela integração da pessoa com deficiência”, alguns trechos de seu editorial mostravam bem o problema:



Em contraste com esses momentos, tivemos sempre a nos angustiar, a incerteza de podermos dar continuidade ao nosso trabalho. Os contatos com as empresas no sentido de conseguimos anúncios necessários à viabilização das edições, exceto por raras exceções, deram-nos sempre a medida exata de respeito que o empresário brasileiro tem pela pessoa portadora de deficiência e por tudo a que ela se refere (…).



Em alguns casos, as pessoas contatadas, usando de honestidade, expuseram claramente a posição da empresa de não anunciar na revista, evitando com isso que continuássemos a investir tempo e dinheiro em tentativas que resultariam infrutíferas. A grande maioria porém, continua a ser contatada ainda hoje, depois de cinco anos, e continua a protelar a sua participação, sem nunca descartar a hipótese de que ele venha a ocorrer, mas adiando sistematicamente essa participação, demonstrando total falta de respeito à causa e àqueles que por ela trabalham (…)20



A sociedade entre Luíz Otávio e Mário Vianna, durou até a décima quinta edição. O trabalho que vinham realizando em conjunto para editar a revista, tornou-se em determinado momento, muito difícil para ambos. Decididos que apenas um poderia dar continuidade ao projeto e assim reduzirem os custos, ou o título INTEGRAÇÃO morreria. Como entre os dois, Vianna era quem reunia maiores condições para levar adiante o trabalho, em função dos contatos com as empresas patrocinadoras, resolveram para o bem da revista, que ela deveria ficar sobre a responsabilidade do mesmo. Luíz Otávio ficou com a “Seiva Editorial Ltda”, e assim, a razão social da nova editora responsável pela publicação da revista, passou a ser a “MVL Edições e Representações Ltda”.



INTEGRAÇÃO: A PALAVRA CHAVE



A Integração quando surgiu no mercado editorial, em junho de 1988, tinha duas metas bem definidas. Primeiramente lutar pela causa da pessoa com deficiência e em segundo lugar, desenvolver um trabalho profissional competente. No entanto, o desenvolvimento com o tema e com a causa, levou a sua equipe a detectar uma série de problemas que essas pessoas deficiência enfrentavam na convivência social. Esta constatação impulsionou seus fundadores a entrar em outras áreas, qual seja, a promoção de eventos. Segundo palavras de Luiz Otávio, “além da grande alegria que sentimos a cada edição da revista que conseguimos fazer circular, tivemos ainda momentos de plena realização, como por exemplo, quando da realização do I FESTIVAL DA AMIZADE, quando conseguimos reunir para o final da semana de competições esportivas, nada menos de 400 atletas portadores de deficiências, representando todo o estado de São Paulo”.21



O “I Festival da Amizade”, foi um grande marco esportivo no ano de 1989. Os já citados 400 atletas das quatro deficiências – auditiva, física, intelectual e visual – disputaram cerca das 100 provas num espetáculo inesquecível. Mais tarde, em março de 1990, a revista organizou a “I Mini-Maratona em careira de Rodas de São Paulo”. Apesar de toda a infraestrutura montada e fornecida pela Secretária Municipal de São Paulo, a prova não chegou a ser realizada por ausências de atletas.



Outra grande realização foi a “I Mostra de Artes da Pessoa Deficiente”, realizada em setembro de 1990, no Centro Cultural São Paulo. Segundo Luíz Otávio, “o objetivo da mostra foi apresentar à sociedade que o deficiente é capaz de produzir tanto profissionalmente quanto ao aspecto artístico. O artista sem qualquer tipo de deficiência, enfrenta todo tipo de dificuldade para poder expor e conquistar seu espaço, imagine o artista que possui qualquer tipo de deficiência, a luta é ainda maior”22. O sucesso foi alcançado mais uma vez: Participaram mais de uma centena de artistas na área da pintura, escultura, literatura, história em quadrinhos e fotografia – oriundos de São Paulo (capital e interior), outros estados e até da Bolívia.



Era uma publicação bem democrática, sempre aberta e receptiva ao material que lhe chegava, desde que houvesse uma boa redação e ligação com o tema, inclusive, algumas pessoas dedicavam-se seu tempo a escrever textos exclusivos para serem publicados.



Consciente do seu papel no contexto social e da força de formar conceito e opiniões, repassava em suas publicações uma imagem neutra e real dessas pessoas. Nunca havia sensacionalismo, matérias tendenciosas ou de promoção pessoal. A realidade era a sua meta!!! Porém, com a intenção de sempre desmistificar fenômenos, sempre tocava na questão do preconceito. Exemplo, foi uma de suas capas, onde havia um saci desenhado com giz de cera com a seguinte legenda: “Deficiente: Para o povo essa história é uma lenda”34. Em outra edição, a revista publicou um editorial em letras grandes, justificando-se que “fazemos nossas estas palavras ao homenagearmos a pessoa com deficiência e as pessoas que lutam e colaboram pela causa no DIA NACIONAL DA LUTA – 21 de setembro”. O texto era uma frase de John F. Kennedy, e dizia: “ADMITO QUE O DEFICIENTE SEJA VÍTIMA DO DESTINO, MAS NÃO POSSO ADMITIR QUE SEJA VÍTIMA TAMBÉM DE NOSSAS INDIFERÊNCIAS”34



A NOSTALGIA QUE FICOU



Para surpresa de seus leitores e colaboradores, a edição de dezembro de 93, circulou com um grande ponto de interrogação em vermelho na capa, com a seguinte indagação: “Quais serão as surpresas do futuro?” Trechos do editorial diziam:







O trabalho que a Revista Integração desenvolveu ao longo de seus seis anos de existência, sempre teve o objetivo claro de colaborar com o processo de libertação individual das pessoas com deficiência. Entendemos que ao atingir um estágio de vida independente, essas pessoas deixam para trás o principal entrava para poder ter vontades próprias, livrando-se da dependência de outras pessoas, nem sempre muito dispostas a colaborar.



Fizemos o nosso trabalho com o entusiasmo que nos foi permitido ter, pois a revista, infelizmente, também depende de encontrar pessoas dispostas a colaborar. O que não tem acontecido de maneira a suprir as nossas necessidades.



(…)



Durante muito tempo, lutamos contra a decisão de interromper a circulação da revista, mas, a crise econômica que devasta o país foi mais forte e minou toda a nossa resistência.



Dentro de um futuro próximo, quem sabe com o país retomando aos trilhos do desenvolvimento, passamos a retornar este trabalho e continuar a oferecer a nossa pequena colaboração à luta das pessoas com deficiência, que, ao contrário, da revista, continuar cada vez mais forte.



Um dia, quem sabe, a evolução a que nos referimos no início deste texto, ser real e permitir que todos os meios disponíveis sejam utilizados nesta luta. Nesse dia estaremos de volta, pois o nosso ânimo não arrefecerá jamais.



Vamos entender a interrupção da circulação da Revista Integração, como uma retirada estratégica para não morrer definitivamente.



Sua redação recebeu inúmeros pedidos de leitores e colaboradores, para que a revista voltasse a circular. Houve uma tentativa em março de 1994, com a edição número 24; porém, suas forças foram esgotadas. “Neste momento, só nos resta torcer para a que a sociedade e os nossos governantes assumam o mais rápido possível uma postura de igualdade para todos, tornando desta forma, desnecessária a luta dos portadores de deficiência para assegurarem os seus direitos. Neste dia, a REVISTA INTEGRAÇÃO já  não fará falta e o fato de ela ter deixado circular não terá  qualquer importância”. Essas foram as últimas palavras do editorial da revista. Hoje, resta apenas uma nostalgia e um vazio entre seus leitores e colaboradores.





NOTAS




  1. Editorial comemorativo aos dez anos de existência, outubro de 1991.

  2. Relato dos seus onze anos, à página 02, novembro de 1992.

  3. Editorial da edição número 115, de janeiro de 1992.

  4. Coluna da edição de novembro de 1991, à página 11.

  5. O JORNAL DO BRASIL, em suma, é um grande e forte meio de comunicação brasileiro, conhecido e respeitado pela sua tradição. Pioneiro em diversas campanhas públicas, participou desde o início do século no combate à febre amarela, até nos dias atuais em defesa do meio ambiente e da moralização do país. Nessa trajetória, passou pela ajuda ao receamento carioca, as advertências contra a proliferação das favelas e a corrupção policial. O JB foi também o primeiro a dar cobertura ao carnaval e futebol, além de iniciar no país colunas de política internacional, música, arte, seções femininas e de cinema. O JORNAL DO BRASIL, confirmando a sua posição de pioneirismo, abriu espaço, incluindo em seu contexto o encarte “Desafio de Hoje”.

  6. Editorial da edição de setembro de 1991.

  7. Carta datada em “Sala das Sessões, 29 de setembro de 1992”,

  8. Editorial da edição de agosto de 1992.

  9. Editorial da primeira edição, junho de 1988.

  10. Matéria de Ana Maria Moraes Grespo, edição n. 06, setembro de 1989.

  11. Matéria resultada de um exaustivo trabalho de pesquisa feito pelo professor Dorival Carreira, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas: Edição número 19, dezembro de 1992.

  12. Editorial da edição número 03, dezembro de 1988.

  13. Editorial da edição n. 18, setembro de 1992.

  14. Artigo de Paulo Roberto Moreira, edição número 14, setembro de 1991.

  15. Entrevista exclusiva com Alexandre Santos, edição número 3, dezembro de 1991.

  16. Entrevista exclusiva com Luíz Otávio Gomes dos Santos, em dezembro de 1992.

  17. Editorial da edição número 5, junho de 1989.

  18. Texto publicitário da COPAS, à página 05, edição número 8, março de 1990.

  19. Editorial da edição número 20, março de 1993.

  20. Editorial da edição número 20, março de 1993.

  21. Desenho de Manoel Cirilo a pedido do Conselho Municipal da Pessoa Deficiente de São Paulo, edição número 9, julho de 1990.


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