Um grupo cada vez mais vem tomando frente no cenário brasileiro e conquistando espaço na mídia em geral. São as pessoas com deficiência, que após muitas décadas vivendo na tutela, nos anos 80 começaram a se descobrirem e se reunirem em grandes movimentos para conquistar a sua cidadania e hoje é muito forte a sua participação política, pois sabem o que desejam, necessita e como conseguir. Dotadas de inúmeras potencialidades e necessidades como as demais pessoas, muitas conquistas já obtiveram, visando uma vida normalizada. Acusadas de ser uma minoria, a realidade não é bem assim, pois já são quase 47 milhões só no Brasil. Ainda se levarmos em consideração os parentes, amigos e profissionais que trabalham com eles, 25%, ou seja, um quarto da população – direta ou indiretamente está envolvida com este tema.
Após anos de luta procurando normalização para que sejam vistos como cidadãs comuns no convívio social – escola, trabalho, lazer, dentre outros segmentos -, nos anos 90 começou-se a sentir uma necessidade de desenvolver um trabalho de conscientização dos profissionais dos meios de comunicação, acreditando que os mesmos também podem ajudar nesse processo de construção da cidadania e da participação plena na Inclusão Social.
Durante toda a nossa vida, sempre ouvimos o velho ditado que uma imagem vale mais que mil palavras. Algo mais expressivo, de infinita fidelidade aos fatos. Mais confiável até mesmo ao nosso discurso. Afinal, porém a formação de imagem e conceito sobre um determinado segmento precisa de argumentos para sua concretização. Nem sempre os dados que temos em nosso íntimo, ou que nos são oferecidos pelo contexto social, nos permitem formar opiniões e imagens reais de alguma coisa, ou de alguém. Equivale dizer ainda, que há, pelo menos, duas formas de formação de imagem: imagem visual (que registramos diante dos nossos olhos) e a imagem imaginária (aquela que construímos dentro de nossas mentes, fruto dos dados que nos são oferecidos no dia-a-dia).
Por esse motivo, a questão de como a imagem da pessoa com deficiência é veiculada pelos meios de comunicação de massa ao grande público vem ganhando atenção no Brasil. Sobre essa temática foram realizados alguns congressos nos anos 90 e uma das conclusões a que se chegou foi que não adianta reabilitar o indivíduo física, intelectual e profissionalmente se a sua imagem não for recuperada perante a sociedade para que a mesma o aceite naturalmente. Dessa forma, os meios de comunicação de massa (jornal, rádio, televisão, Internet e vídeo educativo) surgem como as principais alternativas para a consecução desse fim.
Hoje, mais e mais jornalistas e meios de comunicação estão falando do tema deficiência. Mas como a maioria dos segmentos, esses profissionais correm contra o relógio, tendo milhares de informações para interpretar em rápidas assimilações. Visto que a edição de um jornal não sobrevive mais que 24 horas, nem sempre essa quantidade corresponde à qualidade. A falta de tempo para se apurar os detalhes de uma matéria, muitas vezes, leva os leitores a formar prematuramente conceitos errados sobre pessoas e situações. Segundo o “Mídia e Deficiência: Manual de Estilo” (1994, 2.a edição), “é quando nos deparamos com os ‘pré-conceitos’, oriundos da desinformação, que muitas vezes levam a sociedade a subestimar as potencialidades e capacidades das pessoas, gerando discriminação, estigmas e preconceitos”.
Entre vários documentos e estudos internacionais, o parágrafo 149, do Programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiência, das Nações Unida, sugere com relação à informação e educação do público: “Devem-se desenvolver pautas, em consultas com as entidades de pessoas deficientes, para estimular os meios de informações a veicularem uma imagem abrangente e exata, assim como uma representação e imagem equânimes sobre as deficiências e as pessoas portadoras, no rádio, no cinema, na fotografia e na imprensa. Um fundamental de tais pautas seria que as pessoas deficientes tivessem condições de apresentar elas próprias os seus problemas ao público e de sugerir as formas de resolvê-los(…)”.
Sabemos que os profissionais de comunicação são pessoas que constantemente estão procurando se aperfeiçoar em nível técnico e conhecimentos para melhor qualidade de suas produções. Visto que muito pouco material há no Brasil para orientá-los ao escrever ou fazer imagens de maneira certa das pessoas com deficiência.
A preocupação pela qualidade de imagem da pessoa com deficiência é uma questão mundial, principalmente nos Estados Unidos e em países europeus. Durante o “II Seminário sobre Discapacidad e Informatión”, realizado pela Real Patronato de Prevención y Atención a Personas con Minusvalia, nos dias 16 e 17 de novembro de 1987, Madri-Espanha, foram elaboradas, dentre outros documentos, dez propostas para que os meios de comunicação veiculem imagens normalizadas dessas pessoas, publicadas em “Discapacidad y Medios de Informacion: Pautas de Estilo”. Essas recomendações começaram a correr o mundo, sendo amplamente divulgadas.
No Brasil, elas foram apresentadas pela primeira vez no início da década de 1990, no “Mídia e Deficiência: Manual de Estilo”, lançado pelo Centro de Vida Independente do Rio de Janeiro-CVI/RJ, mais tarde, em uma coedição com a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência-CORDE. Passados alguns anos, vamos relembrá-las aqui com base no documento original da Real Patronato e do CVI/RJ.
1 – MOSTRE O LADO POSITIVO DA DEFICIÊNCIA
Muitos nos dias de hoje, focalizam em primeiro lugar as limitações e dificuldades de alguém com deficiência. A própria população ao ver uma delas, inicialmente tem a associação de ideias daquilo que aquela pessoa não é capaz de fazer. Por isso, a proposta deste primeiro item, é para que foquem a informação de produções jornalísticas ou publicitárias na capacidade da pessoa, conduzindo a entrevista nos êxitos e nas qualidades humanas, evitando enfoques desnecessários ou prolongados sobre aparelhos otorpéticos (cadeiras de rodas, muletas, bengalas…). Também podemos evitar mencionar a deficiência em uma reportagem informativa de origem normal, como por exemplo: “O diretor da escola municipal, João de Souza, 34, portador de deficiência física, anunciou ontem o início do ano letivo”. Essa citação não tem nada haver com história que estamos escrevendo, sendo que a frase poderá ser simplesmente assim: “O diretor da escola municipal, João de Souza, 34, anunciou ontem o início do ano letivo”.
2 – DÊ ATENÇÃO ÀS SOLUÇÕES
Uma vez que esses profissionais atuam no mundo das comunicações, sabem melhor do que ninguém como é limitado em jornais, rádios e televisão, tendo que disputar com outras matérias e profissionais. Então, nada mais justo que ocupar esse espaço com temas úteis e de interesse público, veiculando matérias de prevenção e tratamento de enfermidades que podem se converter em deficiência. Importante ainda, divulgar serviços disponíveis, recursos de tratamentos, lazer e participação no contexto social de interesse a quem tem deficiência, seus familiares e amigos. Serão informações que poderão ser veiculadas, por exemplo, em campanhas de utilidade pública.
3 – PERMITA QUE AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA FALEM POR SI MESMA
Está aqui um erro cometido constantemente. Quantas vezes assistimos os jornalistas chegarem a entidades e instituições para produzir suas matérias e só entrevistaram diretores e especialistas, nem se quer olham para o lado das pessoas com deficiência. Ou em entrevistas coletivas onde estão ambas as partes, as perguntas quase nunca são dirigidas a quem têm limitações. Recomenda-se sempre que possível, permita as com deficiência, inclusive a intelectual, falem por sim mesma. Sempre que forem produzir matérias nesta área, consulte pessoas com deficiência e suas entidades representativas.
4 – USE O TERMO “PESSOA COM DEFICIÊNCIA”
Os termos utilizados para representar ou descrever as pessoas com deficiência são uma de nossas principais preocupações. A maneira como organizamos as palavras, podem gerar sentidos duplos sendo mensagens positivas ou negativas. Segundo o “Mídia e Deficiência: Manual de Estilo”, considerando que as pessoas não são circunstâncias, evitemos rotulá-las com “os deficientes, os epilépticos, os poliomoelícos, dentre outros”, substituindo para “gente (pessoa) que tem deficiência (epilepsia, paralisia cerebral, sequela de pólio, dentre outras”. Evitemos também, frases que possam rebaixar estas pessoas.
5 – EVITE A IMAGEM DE GUETO
Geralmente, essas pessoas aparecem em abordagens específicas sobre deficiência; mas sempre que possível, apresente-as como parte integrante da população em geral, o que pode ser feito em situações de inclusão social com outras pessoas de sua idade e comunidade, cidadãos colaborando e produzindo. Podem ser focalizadas como figurantes e em papéis secundários, o que vale relembrar aquela dica anterior de evitar descrições desnecessárias, além de não centralizar a atenção em suas deficiências. Uma boa forma de apresentá-las em situações comuns, é mostrar empregadores e empregados com deficiência, trabalhando também em cargos e/ou funções consideradas incomuns a essas pessoas. Muito importante evitar citas as diferenças entre as pessoas, o que poderá agrupá-las em guetos e atitudes segregacionistas, tais como “fulano é uma delas”; pelo contrário, podemos nos beneficiar e enriquecer nossas produções com atitudes inclusivas, tais como “fulano é um de nós”. O próprio documento do CVI/RJ recomenda: “Inclua estas pessoas na publicidade, já que o número delas está em torno de 47 milhões, sem contar seus familiares e amigos que comem, vestem, compram e consumem os produtos anunciados”
6 – CUIDADO COM OS MITOS
Os mitos em torno da pessoa com de deficiência são antigos, transmitidos culturalmente entre as gerações. Estereotipadas como pessoas eternamente independentes, vivem em estado lastimoso, perigosas, assexuadas, não agradáveis ao convívio social, dotadas de alguma habilidade especial causada como compensação da deficiência, entre tantos outros mitos. Mas qualquer pessoa hoje com o mínimo de informação, ao ver tantos acontecimentos, conquistas e o forte movimento dessa classe, sabe que essas velhas visões não condizem com a realidade; assim, os jornalistas também sabem disso, embora sejam pessoas comuns e recebem como base a mesma formação cultural que as demais. Por isso, precisamos tomar cuidado com os mitos, saber evitá-los, sempre mostrando as pessoas com deficiência em situações e atitudes que não exagerem nem suas aptidões nem suas limitações; Lembre-se, que são pessoas normais como você; nem coitadinho, nem super-herói!!!
7 – NÃO CARREGUE NAS TINTAS
Não existe nada mais chato para uma pessoa com deficiência, quando ela é insistem ente chamada como exemplo de força de vontade, exemplo de luta e coisas desse gênero; mesmo porque, ela é uma pessoa desempenhado o seu trabalho como outra qualquer, sendo que a única diferença é que ela tem uma deficiência, o que não lhe faz diferente, melhor ou pior que ninguém!!! Quando forem produzir matérias sobre essas pessoas, focalizem sempre os êxitos e dificuldades, sem contudo, insistir na questão de serem pessoas com deficiência. Não é necessário – até mesmo evitável – exagerar na carga emocional dos fatos, retirando toda a pieguice e sensacionalismo que o tema e a abordagem podem suscitar. Evitem expressões como “valente, corajoso, inspirado”, pois elas não trazem e nem retiram atributos da personalidade dessas ou de qualquer outra pessoa; é perigoso também as falsas comparações visando minimizar as “marcas da deficiência”, pois estaremos correndo o risco de produzir outros errôneos conceitos e falsas imagens mais profundas dessas pessoas das quais a população já mantém falsos mitos. Substituímos ainda, palavras como “simpatia, amor ao próximo, caridade”, por “respeito, aceitação, solidariedade, reconhecimento (de sua capacidade). Para isso, o documento internacional recomenda novamente, que em notícias e nos documentários só destacar se a pessoa tem uma deficiência se tiver haver com o assunto. Isso não significa que devemos ocultar o fato, mas sim, enxergar e valorizar o indivíduo como pessoa, que realmente o é!
8 – VEJA TODOS OS LADOS DA QUESTÃO
Por várias vezes aqui já recomendamos mostrar as pessoas com deficiência de forma normalizada e em situações comuns do dia-a-dia. Isso significa apresentá-la com sua identidade total, experimentando a dor, o prazer, o desejo e as demais coisas que qualquer pessoa experimentam. Todos nós somos dotados de sentimentos que derivam de atitudes criativas, de trabalho, paternidade, sexo, educação e participação na comunidade. Por isso, não podemos deixar de lado a realidade que essas pessoas também são dotadas de potencialidades e fragilidades que as demais.
9 – PREFIRA INFORMAÇÃO NORMALIZADORA
Isso poderá ser feito focalizando as pessoas com deficiência, incluindo as intelectuais, em situações sociais e físicas comuns a toda comunidade, tais como, trabalhando, praticando lazer, indo à escola, cinemas, shopping center, fazendo compras, em lanchonetes e restaurantes, passeios ao ar livre, namorando… Desenvolvendo atividades da vida diária, vestindo-se sozinha, preparando refeições, cuidando da casa e dos filhos, dentre outras.
10 – VEICULE INFORMAÇÃO ACESSÍVEL E PERMITA O ACESSO DAS PESSOAS À INFORMAÇÃO
Por fim, o “Mídia e Deficiência: Manual de Estilo”, recomenda: “Leve em conta a curiosidade natural e a eventual posição embaraçosa que pode se produzir em situações sociais que incluem pessoas com deficiência. Quando for apropriado, ofereça exemplos sem que, de forma positiva, esta curiosidade seja satisfeita e que se possa superar a situação embaraçosa”.
Área
Comunicação Social