A Igreja, A Campanha Da Fraternidade E Os Portadores De Deficiência



NOTA: Este texto na época foi publicado em diversos jornais e revistas na imprensa nacional – veja em Publicações Na Imprensa Geral. Ocasião em que Emilio Figueira recebeu uma comunicação da CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, assinada pelo Subsecretário-Geral da CNBB, Padre Antonio Valentini Neto, datada em 01 de junho de 1995, que em certo trecho diz: “O artigo enriquece os subsídios produzidos pela Coordenação da Campanha da Fraternidade. Especialmente em relação aos portadores de deficiência, que não pode ser, como diz, confundida com doença“. A carta original está ao final do texto.



A Igreja Católica, em 1995, colocou nas ruas, a sua tradicional Campanha da Fraternidade, uma prática anual desde 1964, sempre abordando assuntos de interesse social. O tema desse ano foi “A Fraternidade dos Excluídos”, trazendo em seu contexto a lembrança de milhares de pessoas marginalizadas, compondo uma enorme lista de segregados, sendo prostitutas, aidéticos, moradores de ruas, idosos, portadores de deficiências, desempregados, drogados, presidiários e outras realidades vítimas de um “apartheid social” invisível que prevalece sobre a nossa pátria. Todas vítimas de um capitalismo selvagem, pois segundo a revista Família Cristã (fevereiro, 1995), “é simples demonstrar o grau de iniquidade e hipocrisia de uma sociedade. Basta verificar quantas e quais as categorias de seres humanos marcadas pela becha da exclusão”.






Diante deste quadro podaríamos abordar outros inúmeros aspectos referentes aos excluídos; mas vamos nos limitar a uma classe a qual temos conhecimento de causa: os portadores de deficiência! Podemos pegar como ponto de partida para a nossa reflexão, o “Programa de Ação Mundial para as Pessoas com Deficiência”, o PAM, parágrafos 72 e 73, onde é destacado que “com frequência, as atitudes e os hábitos levam à exclusão das pessoas deficientes da vida social e cultural. As pessoas tendem a evitar o contato e o relacionamento pessoal com elas. Para um número significativo de pessoas deficientes, os preconceitos e a discriminação de que geralmente são vítimas e a consciência de que em grande parte são excluídas das relações sociais normais, causam problemas psicológicos”. Isto, de uma certa forma, é o retrato de mão dupla da deficiência, pois segundo o PAM, “é muito frequente que o pessoal, profissional ou não, que atendem as pessoas deficientes não se dê conta de que elas podem participar da vida social normal e, por conseguinte, não facilita a sua integração em outros grupos sociais”. Mas é possível reverter essa situação? Quais os caminhos e qual a colaboração que a Igreja, baseada em sua Campanha da Fraternidade, poderá continuar dando a essa luta?



Embora a “Campanha da Fraternidade dos Excluídos”, pegaremos um trecho de seu texto-base: “No Brasil temos 7 milhões de portadores de doenças físicas e mentais. No modelo de desenvolvimento competitivo não há espaço para os que têm algum tipo de limitação física ou mental. Cultua-se o corpo humano que se apresenta como uma máquina saudável, produtiva, dentro dos padrões convencionais de estética e eficiência. Nessa situação, os deficientes, além de ter que lidar com a própria deficiência, sofrem um processo de rejeição por serem ‘diferentes’. Isso tem reflexos na vida emocional, afetiva e na formação da autoimagem”.



Todavia, pedimos licença a Igreja, para fazermos algumas reflexões referentes ao seu parágrafo. No que diz respeito a inclusão do portador de deficiência no mercado de trabalho competitivo, isso ainda se constitui em um grande desafio, mas muita coisa já mudou. Muitos portadores de deficiência estão conquistando o seu emprego e, segundo registros, os empregadores estão satisfeitos com eles. A contratação de mão-de-obra das pessoas especiais só não é melhor aproveitada por falta de informações e esclarecimentos nos meios empresariais. Achamos também que é de uma certa forma errado usar o termo “doenças físicas ou mentais”; temos que ter bem definido em mente a diferença entre deficiência e doença, pois muitas vezes, não esclarecidas, podem reforçar preconceitos. Concordamos plenamente que ao serem rejeitados, muitos deficientes apresentam prejuízos emocionais, afetivos e na formação de sua autoimagem, mas esse processo de rejeição analisaremos mais para frente.



Além dos problemas sociais e emocionais (as “barreiras invisíveis”) enfrentados pela classe, existe a questão dos obstáculos materiais, as chamadas “barreiras arquitetônicas”; portas estreitas impedindo o tráfego de cadeiras de rodas; escadas e degraus inacessíveis em edifícios; ônibus coletivos, trens, aviões; telefones públicos, interruptores de luz e botões de elevadores colocados fora de seu alcance e sanitários que não podem utilizar, dentre outros pontos menos comuns. Também há a exclusão quando não se leva à sério a adoção de linguagem de sinais para deficientes auditivos e leitura em Braille para, deficientes visuais.



Mas como mudar tudo isso? Infelizmente, essas barreiras existem alicerceadas na ignorância e indiferença dos povos devido a falta de informações corretas. Ao nosso ponto de vista, muitos desses problemas poderão ser evitados, com poucos gastos, mediante um planejamento cuidadoso…



Acreditamos como sempre, que o problema da deficiência é muito mais social do que psicológico, e a solução muito mais simples que possa parecer. Todo encargo e dificuldades que se despejam sobre os seus portadores, está diretamente ligado a imagem negativa que essas pessoas têm perante a sociedade, como serem inferiores, coitadinhos, eternos dependentes e outros conceitos errôneos dessa natureza. O deficiente não é um rejeitado: é sim, um desconhecido. O lado positivo da deficiência, ou seja, a verdadeira, do que são capazes, suas potencialidades e os benefícios que, se integrados, poderão trazer para o contexto social, estão quase todos ocultos da sociedade, o que impede a construção de uma real cidadania.



Assim, se for explorado esse ponto, a divulgação do lado positivo, grande parte dos problemas dessa classe estarão com os dias contatos. A Igreja, no tocante às pessoas portadoras de deficiência, poderá explorar esse ponto, mostrando sempre aos seus fiéis, o que essas pessoas são capazes; focalizar aqueles que estão atuando no mercado de trabalho e outros tantos exemplos positivos abordando-os sempre de maneira natural e tentar retirar toda a carga emocional e/ou sensacionalismo que o tema sempre suscita. Muitas vezes a sociedade impede ou dificulta o exercício pleno da cidadania, não por maldade, mas sim por desconhecer o que realmente é um portador de deficiência e suas potencialidades. Aliás, que sejam incentivados à participarem mais nas atividades da Igreja, dando sempre voz aos menos, pois assim a inter-relação e a quebra de mitos e receios entre eles e os demais fiéis ocorrerá natura1mente. Os deficientes não precisam de piedade; precisam de oportunidade!



A Igreja poderá incentivar o nascimento de novas associações como a já existente “Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes-FDC”, organizada e fundada por um grupo de portadores de deficiência e que está aberta a todos, tendo como lema “nossas capacidades superam as nossas deficiências”. A proposta da FCD é lutar e defender os direitos da classe. É importante que os próprios interessados se reúnam para discutir seus problemas e brigarem pelos seus direitos, desde que estejam apoiados em leis especiais existentes no país, é preciso que o portador de deficiência tenha a sua consciência despertada a respeito de seus direitos e obrigações, pois, acreditamos que toda mudança precisa vir de dentro para fora e debaixo para cima.



Sobretudo, propostas e soluções existem. Só é preciso que não fiquem no papel e em discussões de grupos limitados, mas partam para prática, para ruas, nas realizações de campanhas de educação do público, visando a eliminação de tais barreiras e a integração concreta dos portadores de deficiência no contexto social.



De um modo geral, a Campanha “A Fraternidade e os Excluídos”, foi um movimento de coragem da Igreja Católica ao abordar um tema de profunda necessidade social, não podendo ser em outro momento mais ideal como esse onde o Brasil busca fundamentais mudanças para amenizar a sua realidade e miséria. O ideal seria que todas as igrejas brasileiras, independentes de suas ideologias religiosas, reunissem forças a favor dos “excluídos”. Pena que isso seja apenas uma utopia!




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