A Presença Da Pessoa Com Deficiência Visual Nas Artes III



Publicado pela Rede Saci, São Paulo-SP, em 25/03/2003



 Sob a batuta de um mestre



Devido a uma paralisia cerebral aos cinco anos, o professor aposentado Sidney Marzullo, hoje com 62, passou a não enxergar mais, depois de uma congestão que o levou a perder todos os sentidos. Com o tratamento, ele foi recuperando-os, mas a visão foi totalmente afetada. Cego, Marzullo foi percebendo uma aptidão: a música.



De uma forma toda especial, Marzullo rege um coral de 18 cegos. Trata-se do União Arte e Integração, que tem feito shows pelos estados brasileiros. Com o auxílio de um instrumento chamado diapasão (utilizado para marcar o tempo durante a condução da música), ele afina, orienta e corrige a participação de sopranos, tenores, barítonos e contraltos, dispostos no palco de forma típica (o quarteto vocal clássico). Por força das circunstâncias, o que normalmente é feito por gestos exige concentração redobrada, já que ele se movimenta entre os coralistas, para controlar de perto o desempenho de cada um.






Em uma matéria publicada na Revista Benjamim Constant, Daniela do Carmo escreveu: “A princípio criado apenas para alunos, o coral foi admitindo, ao longo dos anos, ex-alunos, funcionários, e até mesmo professores do IBC. Os testes para a admissão de novos membros incluem avaliação vocal, acuidade auditiva e rítmica, além de leitura musical em Braille. O coral conta hoje com 29 membros, com idades entre 16 e 60 anos (dois deles de visão normal, responsáveis pelo visual impecável do grupo). Todas as correções são feitas em ensaios coletivos semanais; como todas as letras têm que ser decoradas, Sidney ainda avalia cada um individualmente. Como resultado de muita dedicação e de um longo trabalho, o coral lançou em setembro deste ano um CD, em que o próprio maestro cria novos arranjos para um repertório diversificado”.



Marzullo é um dos poucos maestros cegos a reger um coral com essa característica, tarefa que realiza há 17 anos. Aos 7 anos, já aluno do Instituto Benjamin Constant, teve seu primeiro contato com os vários instrumentos disponíveis nos cursos musicais e profissionalizantes de que participou. Aos 18 anos, já tocava piano em bailes; recebeu convites para tocar em restaurantes, e chegou a gravar vários discos como pianista. Em 1967 saiu o seu primeiro LP em vinil, intitulado “Isto é Dança“, originando uma série de mais seis discos. E quando deixou a CBS, a gravadora lançou uma coletânea de suas melhores músicas intitulado “Os grandes sucessos de Sidney Marzullo“. E mais recentemente, o piano-bar onde trabalha, foi o cenário da gravação de seu último CD com 14 faixas.



Também aprendeu instrumentos de sopro como sax e trompete. E, aos 20 anos, foi convocado para lecionar música no Instituto, sendo indicado pelo seu próprio professor. Durante 33 anos, como parte da cadeira de Teoria Musical, ensinou Musicografia Braille (a técnica de escrever partituras musicais utilizando uma convenção adaptada do alfabeto Braille), além de ter lecionado música em cursos da Prefeitura durante muitos anos, para alunos cegos e de visão normal.



Desde os 16 anos, ele já fazia arranjos e harmonia como gente grande. Exigente, o jovem maestro quis estudar mais, até para dar bom exemplo aos alunos. Foi fazer curso superior no Instituto Villa-Lobos – atual UNI-RIO, onde se formou Professor de Música. Aos 24 anos, era um músico completo. Em 1979, começou a formar o coral, tornando-se um dos poucos regentes cegos no mundo. Ele se comunica com os cantores através de uma baqueta. Com ela, Marzullo bate numa mesa e, numa espécie de código Morse, comanda o andamento das vozes. O repertório do grupo passeia sem cerimônia pela música erudita e pela música popular que vai de Bach, passando por também Tom Jobim, Chico Buarque e Cole Porter.



Como uma vida musical sempre intensa, o maestro participou dos melhores programas da época de ouro do rádio brasileiro. Só na Rádio Nacional, apresentou-se em programas do César de Alencar, Paulo Gracindo e Manoel Barcellos. E na televisão, tomou parte nos programas Discoteca do Chacrinha, do Domingão do Fastão e do Xuxa Park.



Coleciona ao longo de sua carreia muitos troféus e homenagens. Recentemente, em reconhecimento a todo esse trabalho, Sidney Marzullo recebeu o diploma de Amigo do IBC, na cerimônia comemorativa dos 142 anos do Instituto, quando o CD foi lançado oficialmente.



Recordando uma de suas muitas entrevistas, o músico declarou certa vez: “Eu não consigo me situar dentro dos preconceitos, porque procuro superar a todos. Sempre me esforcei para fazer tudo com o máximo de competência, evitando esbarrar com esses tabus. Claro, quase sempre esbarramos com eles e o segredo é superar este tipo de coisa com um trabalho sempre bem feito. (…)Como a música é uma arte envolvente e acaba trazendo as pessoas até a mim, o aspecto da deficiência acaba desaparecendo e fica só o artista. As barreiras quando aparecem são em um primeiro momento, devido até a desinformação da sociedade, mas quando as pessoas se deparam com a minha profissional, tudo isso se perde. Estou há quarenta anos na minha vida profissional e continuo trabalhando sem dificuldades”. (Jornal SuperAção, CVI/Rio, julho/agosto de 1999)



Noites cariocas



Grandes talentos podem ser encontrados na vida noturna do Rio da Janeiro. A exemplo do maestro Sidiney Matozzo, são inúmeros os músicos deficientes visuais que se apresentam em restaurantes, shows, casas de espetáculos das noites cariocas. O pianista Paulo Romário é um deles.



Em novembro de 2001, foi atração das Quintas Especiais do Programa Arte Sem Barreiras/Funarte, na Sala Funarte no Prédio do MEC no Rio de Janeiro. Tendo como convidado o cantor e compositor Tito Madi, o pianista apresentou composições de seu mais recente CD dedicado a Ernesto Nazareth e outros choros, homenageando Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo, Severino Araújo, entre outros mestres desse gênero musical, além de suas mais recentes composições.



Cultivando um vasto currículo, o pianista iniciou seus estudos musicais no Instituto Benjamin Constant, depois na ProArte, fazendo vários cursos regulares e estudando com Homero Magalhães, Dayse De Lucca, Cláudio Santoro e Guerra Peixe. Atuou como compositor, diretor musical e pianista em aproximadamente 20 peças teatrais, destacando-se Gota D’ Água, de Chico Buarque, Santo Inquérito, de Dias Gomes e Santa Joana do Matadouros, entre outras.



Foi membro do conjunto de choro Grupo Pomar, tendo sido um dos finalistas em 1997, no Concurso de Grupos de Choro promovido pela Secretaria Municipal de Cultura da Cidade do Rio de Janeiro. Fez direção musical, piano e voz com musicas de Mauro Menezes para o disco infantil Enquanto Houver Criança e, em 1998 gravou um CD Refletindo Ernesto de Nazareth, incentivado pelo Ministério da Cultura, através do Pronac – Lei Rouanet com patrocínio da Procergs.



E, dentro deste conjunto de músicos noturnos, conhecemos, via Internet, Linero Riberiro, guitarrista e contrabaixista que atualmente toca em uma chamaria de comercial. O músico, ao nosso convite, aceitou a dar um depoimento, relembrando toda a sua carreira:



Bom… No que se refere a instrumento, meu primeiro contato foi com o violão aos 16 anos (tenho 45) e comecei a tocar em festinhas etc. Profissionalmente, toquei pela primeira vez em 1979, num bar de um amigo que me conhecia de festinhas e festivais dos quais participei antes com músico e até como compositor. Estudei no Instituto benjamin Constant onde, por ser um colégio interno, tinha oportunidade de conviver com muita gente que arranhava um violãozinho e que curtia música de todas as formas e fizemos lá muitos festivais e lamento que ao menos alguns dos nossos não tenham ingressado na música pela porta mais nobre, pois afirmo sem medo de errar que por ali passaram pessoas que compunham como gente grande e digo isso sem saudosismo, pode crer!



Ainda outro dia, tentei, juntamente com um desses amigos, recordar uma música que ele compôs na época e a harmonia da dita era tão rica, tão incomum que não conseguimos nos lembrar e assim não pudemos reconstituí-la. (Hoje ele trabalha comigo num restaurante aqui do Rio onde tocamos às sextas-feiras, ele guitarra e eu contra-baixo, e todo aquele talento dele de compositor se desperdiçou.)



Voltando a mim, na verdade, antes de 79, (agora me lembro) cheguei a defender uma graninha tocando numa igreja (Notre Dame em Ipanema) mas, depois, ingrenei até 1982 tocando em algumas casas. (É até gostoso recordar isso!) Quando me iniciei, em 82 noutra profissão, achei que poderia parar com a música já que dá muito pouca grana; mas, em 1985 voltei pra ela e estou até hoje. Recomecei num grupo de pagode e, com ele, tive oportunidade de acompanhar muita gente boa (Jamelão, dominguinhos do Estácio, Alcione, Jorge Bem Jor que na época era só Jorge Bem etc), sempre eventualmente, quer dizer, nunca ficamos sendo conjunto de nenhum desses artistas ou de qualquer outro.

Ah, sim! Trabalhamos muito com o cara que puxava o samba enredo da União da Ilha, Haroldo Melodia, e com o Preto Jóia que puxava o samba da Imperatriz Leopoldinense. era uma fase muito boa já que a gente rodava pra caramba, quer dizer, tocava nos mais diversos lugares.

Inclusive viajando pra Vitória, Sampa e não vou por etc, porque não me lembro de outros Estados, acho que não houveram mesmo. A gente acompanhava, às vezes, aqueles grupos de mulatas que fazem show para turistas e também viajava com elas. Era bom a beça. por volta de 90, 91, sei lá, saí do grupo, o grupo acabou ou foi mudando e aí comecei a tocar com um grupo de forró, mas não levei muito tempo nele e passei a atuar mais como free lance e, tive oportunidade de atuar em lugares onde, se não fosse como músico, já mais entraria: Desde hotéis cinco estrelas até penitenciárias onde toquei na época do grupo de pagode. Lembro-me que nessa penitenciária, neguinho (falo dos internos) fumava tanta maconha que a gente quase fica doidão também! Poxa, acho que as histórias, se bem lembradas e bem contadas, dariam um livro!



Bom… Depois, lá pra 95, 96 comecei a tocar com um grupo de música portuguesa e passei por alguns até o ano passado quando, por sacanear/brincar com o dono desse último, fui despedido mas, toquei com eles um dia desses! Atualmente, só toco nesse restaurante de que já falei e, quando pinta, faço alguma coisa como free, acompanhando um ou outro aqui e ali ou substituindo alguém em algum grupo.



Acho que é mais ou menos isso… Num papo regado a um chopinho renderia bem mais!



Pô, cara, acho que faltou te agradecer pela oportunidade de lembrar tanta coisa boa e dizer que, hoje, também estou ligado ao coral de que já falei anteriormente, isso de dois anos pra cá e que, se não dá grana (e olha que já chegou a dar, eventualmente, é claro!) dá muito prazer. Pô, a gente estava trabalhando (iniciando um trabalho) com o Marcos Leite que é o criador do Garganta Profunda e o cara adoeceu mas, se a gente tiver oportunidade de retomar o trabalho quando ele se recuperar, tenho a certeza de que será muito bom! Um abração do Leniro.







A bateria no teclado de Thiago Pinheiro



Um outro exemplo super interessante. Qualquer professor de piano sentiria arrepios na alma ao ver o multi-instrumentista Thiago Pinheiro, 19 anos, tocando as primeiras notas em seu teclado. Sem exibir a postura elegante de quem passou anos em conservatórios, ele se debruça sobre o seu XP-50, da Roland, usando apenas três dedos da mão direita e quatro da esquerda.



Mas, contrariando aqueles que só acreditam no estudo formal, o som que ele tira de seu teclado é sublime, com uma sensibilidade de deixar qualquer um estarrecido. De olhos fechados, sua performance não deixa nada a dever à de grandes mestres do instrumento como Herbie Hancock e Chick Corea.



Não bastasse a facilidade inata – pois o jovem começou a tocar sozinho no piano, aos três anos-, ele não se contentou apenas em ser um músico competente. Inquieto, é um dedicado pesquisador de novos timbres (novas sonoridades) e criou uma técnica singular de tocar bateria no teclado, batizada por ele de “key drums”, técnica, pela qual ele não pretende substituir a sonoridade de uma bateria de verdade, mas o resultado é muito mais próximo do som original do instrumento que as batidas anódinas dos sequenciadores. Programando o teclado para reproduzir os diversos sons.







Músicos Internacionais







No cenário internacional encontraremos também uma vasta produção de músicos como problemas de deficiências visuais moderadas e totais. Quem não conhece, por exemplo, os compositores e músicos contemporâneos Ray Charles e Stevie Wonder? E na música lírica, também temos um grande representante deste leque de talentos:







Vida e Discografia de Bocelli







No cenário internacional, um dos principais cantores da música lírica mundial merece destaque, pois sua deficiência visual não foi impecílio para seu talento natural, que lhe permitiu quebrar as barreiras. Embora já tivesse a visão fraca de nascença, aos 12 anos de idade sofreu um acidente em um jogo de futebol, ficando totalmente cego.



Desde cedo Andrea Bocelli tinha talento musical raro. Já aos seis anos, seus pais o encorajavam a tomar aulas de piano, mais tarde aprendeu também a tocar flauta e saxofone. Porém, num pequeno desvio de rota, Andrea estudou advocacia na Universidade de Pisa graduando-se Doutor em direito, atuando como advogado de defesa por um ano antes de iniciar sua carreira musical.



Mas seu destino já estava traçado. Andrea foi descoberto por Zucchero Fornaciari em 1992, e habilitado para interpretar toda forma de música, de baladas à óperas. Naquele mesmo ano, o cantor Zucchero o convidou para fazer parte da criação de “Miserere”. Em 1993, acompanhou-o em sua excursão européia e fez muito sucesso com o solo de “Nessum Dorma”. A sua estréia em San Remo Music Festival foi tremendo sucesso onde Andrea alcançou as mais altas marcas registradas para um artista novo com sua interpretação de “Il mare calmo della sera”



Em setembro de 1994, Andrea Bocelli foi pessoalmente convidado por Luciano Pavarotti para participar do Pavarotti International em Modena. Na ocasião, apresentou-se em dueto com Pavarotti, também com Bryan Adams, Andreas Vollenveider, Nancy Gustavsson e Giorgia. Graças a essas parcerias, Andrea Bocelli alcançou uma tremenda reputação no meio clássico, apresentado-se em óperas e recitais e diversos eventos marcantes incluindo uma apresentação para o Papa na Véspera de Natal em 1994.



Em novembro de 1995, ele visitou os Países Baixos, Bélgica, Alemanha, Espanha e França com “Night of the Proms”, compartilhando sua excursão com Al Jarreau, Bryan Ferry, Roger Hodgson mais Orquestra Sinfônica e Coro. Mais de 450 mil pessoas assistiram esses concertos e como um resultado direto, os dois primeiros CDs “Andrea Bocelli” e “Bocelli“, os quais entraram nos primeiros lugares em vendagem nesses países, permanecendo por muito tempo. Esse segundo álbum recebeu o prêmio de platina duplo na Itália, platina sêxtuplo na Bélgica, e platina quadruplo na Alemanha e Países Baixos. A canção “Con te Partirò”, ficou em primeiro lugar durante 6 semanas na França, e 12 semanas na Bélgica.



“Viaggio Italiano” foi o seu terceiro álbum. Lançado na Itália, vendeu mais de 300 mil cópias em poucos meses, misturando melodias famosas e canções tradicionais de Nápoles em um tributo à todos os imigrantes do mundo. Já “Romanza“, quarto lançamento, fez um tremendo sucesso no mundo ocidental. É uma compilação de canções populares, e a canção “Time to Say Goodbye” em dueto com a soprano Sarah Brightman, subiu imediatamente ao topo dos quadros, como fez sua versão solo “Con te Partirò”. Com vendas que se aproximam de três milhões de cópias, e um prêmio de platina sêxtuplo, “Time to Say Goodbye” tornou-se o CD mais vendido. Na Alemanha “Time to Say Goodbye” ficou em primeiro lugar durante 14 semanas. Seu quarto CD já recebeu prêmio por vendagem em todos os países de lançamento. Na França, Países Baixos, Bélgica, Suíça e Áustria. No Reino Unido onde Bocelli era completamente desconhecido, ao ser lançado “Romanza“, transformou-o em um astro em apenas 7 dias. Andrea Bocelli, nascido em Laiaitico, Toscana, na província de Pisa, Itália em 22 de Setembro de 1958. Ele, sua esposa Enrica, e seus dois filhos, Amos e Matteo, vivem na fazenda da família que inclui uma pequena plantação de uvas. Sandro Bocelli, pai de Andrea, fabrica um vinho chamado ‘Chianti Bocell‘.



Aqui no Brasil Andrea Bocelli ficou mais conhecido pela versão de sua música “Vivo per Lei” (Vivo por Ela) em que fez dueto com a cantora Sandy.

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