A presença da pessoa com deficiência visual nas Artes VI



Publicado pelas Rede SACI – São Paulo-SP, em 15/04/2003




Outras exposições que se preocupam com a inclusão dos deficientes visuais



Reproduções de Luiz Sacilotto



Outros exemplos vamos encontrar nos espaços acadêmicos. Em dezembro de 2000, a coordenação do Espaço de Artes da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), no bairro Tatuapé, organizou, pela primeira vez para receber pessoas portadoras de deficiência visual, uma exposição acessível, além do olhar, para a sensibilidade do toque, com obras de Luiz Sacilotto, um dos artistas plásticos pioneiros da arte concreta no País. O artista, nascido em Santo André foi um dos introdutores da arte abstrato-geométrica no Brasil. Desde criança gostava de pintura e aos 15 anos passou a experimentar a arte figurativa.






Seguindo as propostas desenvolvidas pelo Projeto “Museu e Público Especial”, a exposição, vindo de encontro a um trabalho desenvolvido pela Unicid, voltado para dificientes visuais, contou com 35 gravuras, além de duas maquetes de suas recentes esculturas públicas. Doze gravuras foram produzidas em relevo, com poliestireno, pelo artista plástico e arte-educador Alfonso Ballestero, para que as apreciações das obras pudessem ser feitas por meio do tato. Mesmo afirmando que a obra figurativa é mais difícil de ser reproduzida em braile, as reproduções feitas por Ballestero ficou muito próxima de obra de Sacilotto, permitindo aos deficientes visuais perceberem o significado das peças.



Com curadoria de Elisabeth Leone, a mostra teve ainda a oficina “Uma Aventura com Sacilotto”, com desdobramentos da obra do artista plástico, além de jogos para estimular o conhecimento teórico e prático do concretismo. Todo o trabalho foi desenvolvido e coordenado por Elisabeth, com o apoio do Centro de Apoio Acadêmico ao Deficiente (Caad), da Unicid, e orientação de Amanda Tojal, coordenadora do projeto do MAC-USP. As pessoas participam da oficina depois de visitavam a exposição, permitindo aos visitantes criarem figuras geométricas por meio de quebra-cabeças e peças de borracha disponíveis na oficina.



Exposições Internacionais



 Di-visões



Em maio de 2001, foi realizada em Portugal, a primeira exposição de artes plásticas concebida propositadamente para deficientes visuais (que naquele país chamam de “invisuais”), aberta na cidade do Porto, na antiga cantina do quartel do Bom Pastor. Contando com a participação de 85 artistas de vários países, que mostraram as suas mais recentes criações na área da pintura, escultura, fotografia, cerâmica, joalharia, instalação e estilismo, a ideia é pioneira foi do Espaço T -Associação para Apoio à integração Social e Comunitária, que realizou um concurso público aberto a todos os artistas, nacionais e estrangeiros.



Intitulada “Di-visões”, foram muitos os artistas que aderiram a esta idéia inovadora em Portugal, mas já realizada em vários países. A exposição recebeu a candidatura de 300 projetos, mas apenas foram selecionados 70 e convidados quinze artistas, entre os quais Abreu Pessegueiro, Francisco Simões, Mathias Cortez e Paul Jeffrey. Os apoios surgiram depois, vindo da Porto-2001, da Câmara Municipal do Porto e de inúmeras instituições e empresas particulares.



O objetivo principal da mostra era levar cultura as pessoas cegas, provocar-lhes emoções e sentimentos a partir dos objetos de arte. O local da exposição foi previamente preparado e remodelado e a sua concepção foi da responsabilidade do arquiteto belga Didier Evrard, que possui já uma vasta experiência em eventos deste tipo.



O ambiente foi preparado com mais de 200 lâmpadas néons e equipado com um sofisticado sistemas de informação para deficientes visuais. O guia sonoro era composto por uma barra de alumínio colocada no chão e que através de uma bengala emitia sons, indicando todo o percurso da mostra. Simultaneamente foi editado um catálogo que, sendo um instrumento pedagógico.



Um diálogo no escuro: descobrindo o que não se vê



Exposições especiais itinerantes também percorrem o mundo. “Um diálogo no escuro: descobrindo o que não se vê” é um bom exemplo. Trata-se de uma exposição muito interessante foi imaginada e criada na Alemanha por Andreas Heinecke, em dezembro de 2001, no Heureka, no museu de ciência da Finlândia. Nela, os visitantes têm uma jornada fascinante por ambientes diversos, mas totalmente escuros. Cegos passam a ser os guias das pessoas que se sentem agora em um ambiente para o qual não estão preparadas.



Com essa imersão no escuro total, percepções, preconceitos e hábitos tradicionais são questionados. Outros sentidos, que não a visão, são explorados e o visitante é levado a redescobrir, em novos moldes, a audição, o tato e o olfato enquanto realiza atividades de seu dia-a-dia, como frequentar um bar.



O projeto “Diálogo no Escuro” já foi exibida em 60 cidades de 13 países diferentes, com um total de pelo menos 700 mil visitantes. Em Hamburgo, a atividade tem sido usada também dentro de um programa para integrar deficientes visuais ao mercado de trabalho. Já há projetos para se trazer essa novidade para terras brasileiras. A Casa da Ciência da UFRJ está se programando para organizar a exposição no Brasil.



Deficientes visuais têm aulas de pintura



Alguns cursos especiais também estão sendo oferecidos, dirigidos aos portadores de deficiência visual, permitindo-lhes a oportunidade de aprender a pintar em tela. Exemplos como da Fundação Cultural de Blumenau, que ofereceu em agosto de 2001, um curso de pintura para cegos, ministrado pela professora Rosana Dominguez, dentro do Programa Arte Sem Barreiras.



O objetivo foi proporcionar aos portadores de necessidades especiais o acesso à arte. O curso, que foi gratuito, contou com o apoio de empresas, na doação de materiais de pintura, e do Seterb, que colocou à disposição dos alunos um ônibus da linha Cidadã, equipado com elevador para cadeira de roda. Foi a segunda iniciativa da Fundação Cultural em cursos voltados a portadores de necessidades especiais. Recentemente a FCB faz parceria com a Associação dos Cegos do Vale do Itajaí para ministrar curso de tecelagem a cegos, adquirindo teares.



Uma biografia



Algumas biografias desses artistas são bem interessantes de serem relembradas. E Virgínia Vendramini é uma delas…



Artista plástica, poetisa, coralista e professora de Língua Portuguesa do Instituto Benjamim Constant, Rio de Janeiro de 1968 até 2000, quando se aposentou para que pudesse se dedicar integralmente às suas aptidões criativas. Com visão residual até os 16 anos, quando ficou definitivamente cega devido a uma glaucoma, Virgínia passou grande parte da infância em contato com tintas e aquarelas, influenciada pelos pais. Na tapeçaria, pôde se envolver novamente com cores, ainda muito vivas dentro de si. Nascida na cidade paulista de Presidente Prudente, vive no Rio de Janeiro desde 1961, sendo formada em português e literatura pela Universidade Gama Filho.



Apaixonada pelas cores, seu forte são as tapeçarias com totalidades muito vivas, lembrando caleidoscópio em geometria. Essas obras, que levam em média dois meses para ficarem prontas cada uma. Ela aprendeu a arte de tecer examinando outros trabalhos. As lãs são compradas sempre com a mesma pessoa, um vendedor com sensibilidade de artista, que compreende e respeita suas concepções originais. Ela diz que o desenho é um processo que vai se “auto-definindo” à medida que o trabalho vai crescendo. Nem a quantidade nem a distribuição das cores são elementos pré-definidos. Para confeccionar um tapete, o primeiro traço conduz ao seguinte; e, não raro, a partir de um erro, pode nascer uma nova idéia totalmente diferente do original.



Em reconhecimento ao seu trabalho e talento, em 1999, durante uma exposição comemorativa dos 190 anos de nascimento de Louís Braille, a artista plástica recebeu o convite para que seus trabalhos fossem retratados nos cartões da empresa carioca de telefonia Telemar. Foi procurada por um representante da empresa e enviou algumas fotos de tapetes que poderiam se transformar em cartões. Para sua surpresa, todas foram aprovados e cópias de oito de seus trabalhos passaram a circular estampadas nos cartões da Telemar.



E, como criar é o seu forte, Vírgínia vem exercitando traços novos na pintura a dedo, procurando uma nova técnica, uma outra forma de expressão. Em uma das muitas entrevistas que já deu, a artista declarou certa vez: “Você não domina a arte. Ela é quem te leva. O processo vale também para a poesia. Eu não escrevo quando quero, mas sim quando a arte permite que eu escrev”.



Seu primeiro livro de poesias foi “Rosas Não”. Posteriormente vieram “Primavera Urbana” (Rio de Janeiro: Blocos, 1996) e “Hora do Arco-Irís”, vencedor do “Prêmio Murilo Mendes – 1998”, além de ter várias suas poesias já incluídas em três antologias, sua participação está confirmada para outras cinco, tendo ainda mais dois livros prontos. Tudo é escrito por ela mesma no computador, através do programa DOSVOX, permitindo que tenha desenvoltura e agilidade necessárias para mandar seus textos para editores e concursos, sem depender de ninguém. Sobre sua poética, o editor Aníbal Albuquerque escreve: “A qualidade de sua produção poética é responsável pelas continuadas premiações que tem conquistado em concursos literários de todo país. Possuidora de grande sensibilidade, domínio do idioma prático e poder criativo, Virgínia compõe poemas magníficos e vigorosos, em que a musicalidade permite uma leitura agradável de conteúdo enriquecedor de seus versos”.



São inúmeras as publicações e reportagens escritas sobre ela. Confessa em uma delas que, no início, havia uma certa relutância em divulgar seus trabalhos, pois não queria ser reconhecida apenas pelo fato de ser uma pessoa cega fazendo arte. Usando um pseudônimo, foi vencedora em um concurso de poesia. A partir daí, sua autoconfiança foi se firmando. Um processo longo, em que a participação no coral do IBC teve vital importância, já que além de cantar, ela exercia atividades de relações públicas e divulgação.



Além de suas atividades criativas, Virgínia também desenvolve um trabalho no Instituto Oscar Clark (Instituto de Medicina Física e Reabilitação), onde ensina Braille para as pessoas que perderam a visão recentemente. Sua maior preocupação, no entanto, é fazer com que essas pessoas aceitem sua nova condição visual, mostrando que elas ainda podem, com determinação, fazer o que quiserem.

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