A presença da pessoa com deficiência visual nas Artes V



Publicado pela Rede SACI – São Paulo-SP, em 08/04/2003




Conheça o trabalho de artistas preocupados com a inclusão na arte e por meio dela



Exposições Nacionais



Pintando para cego



Um projeto bem interessante: as exposições idealizadas pela artista plástica mineira Eni D’Carvalho[1]. Trata-se de telas concebidas para explorar os sentidos tátil, visual e sinestésico, que produzem sensações múltiplas no apreciador das artes plásticas. O trabalho é voltado especialmente para deficientes visuais que podem tocar as telas, além de ler o texto que acompanha cada obra, escrito em braile, visando instruir o espectador sobre o material, a forma e a ideia que deram origem a concepção do trabalho. Uma maneira de estabelecer uma interação comunicativa com o apreciador das Artes Plásticas.






Segundo o Projeto intitulado “Novas Percepções nas Artes Plásticas” e conhecido carinhosamente como “Pintando para Cegos”, visa sinalizar a chegada de uma nova forma de pensar ações de cultura para os portadores de deficiência visual, cidadãos cuja presença quantitativa deverá adquirir um significado determinante para o estabelecimento de novas relações e, portanto, para a instauração de novas atitudes. Segundo a artista, a reinvenção no trato com as questões dos deficientes visuais será um desafio para todos nós. São telas em acrílico, óleo e técnica mista, utilizando texturas, formas e cores que permitem ao público-alvo, através do tato/contato, perceber as imagens e mensagens, tendo os seguintes objetivos:



– Apresentar aos portadores de Deficiência Visual um trabalho voltado para a sua forma de percepção, integrando-os no contexto das artes plásticas.



– Oferecer ao público visitante a oportunidade de conhecer mais sobre o problema da Deficiência Visual.



– Utilizar a arte como veículo de comunicação, levando a sociedade a uma reflexão da arte inclusiva e democrática na construção de uma sociedade justa, solidária, fraterna e humanitária



– Ampliar o alcance social das artes plásticas



Projetando sua arte como veículo de comunicação entre o homem e a natureza, suas pinturas são elaboradas a partir da “estética da precariedade”, como uma forma de repensar a matéria abandonada pelos meios sociais: “Reciclo-a, buscando um novo alento, um novo signo, distante das tecnologias do mundo moderno”, revelou Eni D’Carvalho em um de seus depoimentos. Ao utilizar elementos da própria natureza, a artista visa a despertar o espectador para o “paradigma da ecologia, que, significa uma nova forma de organizar, com harmonia e equilíbrio, o conjunto de relações dos seres humanos entre si, com a natureza e com o universo”.



Pegaremos um exemplo de suas obras. Um de seus quadros de destaque utilizando a temática da natureza, é o “Roças Verdes”, onde é usado vários elementos para criar diferentes texturas. Pintou no alto da tela o céu de um dia ensolarado. Percebendo outros relevos, o espectador encontra árvores, arbustos, criando uma atmosfera rica e verdejante. Há sementes de girassol e de várias frutas fixadas à esquerda e no meio da tela. Uma porteira está pintada bem ao centro, configurando-se como as portas de entrada das fazendas, sítios bem abaixo, começam as fileiras, configurando o plantio das hortaliças e verduras cultivadas pelos lavradores. Todas estão verdes e viçosas, prontas para a colheita, convidando-nos à saboreá-las.



A intenção de Eni D’Carvalho em “Roças Verdes” é ressaltar a importância da natureza na vida do homem que, além de fazer parte dela, deve ter a responsabilidade de cultivá-la. A obra também lembra a questão êxodo rural, além de outras questões sociais. No geral, toda a sua obra tem por meta levar a sociedade a uma reflexão da arte inclusiva e democrática, valorizando as relações humanas na construção de uma sociedade justa, solidária e humanitária.



Tendo realizado inúmeras mostras dessa natureza já a dois anos em diversas cidades, a artista utiliza técnica mista com celulose, madeira e reciclados. “Utilizo a arte como meio de integração social. Desejo que ela incentive o indivíduo a sonhar, a libertar-se de si mesmo, provocando luz no coração humano”, explica. “Quero que a minha arte possibilite o renascer da consciência de que formamos uma imensa comunidade cósmica e planetária e devemos viver em harmonia e solidariedade porque somos interdependentes, temos a mesma origem e a mesma destinação, estamos ligados à natureza e ao universo”, ressalta Eni D’Carvalho.



Um outro projeto idealizado por Eni D’Carvalho, é o “Passageiros das Artes – Novas Percepções nas Artes Plásticas” visando contemplar o deficiente visual no trato com artes plásticas, estas que serão colocadas dentro do ônibus-galeria de arte como um meio de alicerçar um mundo de percepções diversas, cujas diferenças individuais e coletivas serão consideradas em toda sua plenitude e não serão mais motivo de segregação, mas da fonte de criatividade e construção.



Trata-se de um ônibus-galeria de arte servirá como um meio de inserção e criação das artes plásticas que desnudará sensibilidades e revelará artistas sufocados pelo preconceito e discriminação. A proposta é de (re)descobrir talentos espalhados por Belo Horizonte, toda as Minas Gerais e por onde passar o ônibus. Certamente nas comunidades onde estiver o ônibus-galeria de arte saberá incluir e também desfrutar da convivência e do intercâmbio que proporcionará em sua itinerância. A proposta é inovadora e inédita, o que despertará no deficiente visual a experiência de desenvolver suas percepções na leitura da obra de arte em conexão com a literatura, através da poesia.



Segundo explicação da própria artista, “a exposição de artes plásticas que circulará no ônibus-galeria se constituírá de telas especiais em acrílico, óleo ou técnica mista utilizando texturas, formas e cores com relevo nos objetos, permitindo ao público portador de deficiência visual perceber a mensagem através do tato/contato. É importante ressaltar que a comunicação interativa com o espectador se dará através do auxílio de legendas em braile e escrita comum, o que possibilitará perceber a localização, o material, a forma e a ideia que deram origem à concepção das telas. Os visitantes terão a oportunidade de participar de uma oficina de arte, integrando os diferentes públicos”.



Dentro desse projeto – já aprovado pela Lei Rouanet, mas ainda sem patrocínio -, também está programado a edição de um livro de poesias em escrita comum e braile, que será distribuído para as bibliotecas das escolas normais e especiais, entidades de apoio aos portadores de deficiência visual e comunidades. Serão textos poéticos que servirão de suporte para as obras em exposição, possibilitando a leitura e a percepção que a artista comunica através da arte literatura e artes plásticas.



Perceber sem ver



Vem da cidade paulistana de Bauru outro exemplo positivo. Uma pesquisa desenvolvida pela artista plástica Rosa Maria Riccó Plácido da Silva, pretendeu verificar possíveis materiais expressivos e adequados para a confecção de trabalhos artísticos sobre tela, ou outras bases, destinados especificamente aos portadores de deficiências visuais. Constatou-se inicialmente, através da leitura de livros especializados no assunto e na busca de informações mais abrangentes junto a entidades ligadas aos deficientes visuais, que não havia conhecimento até o presente de trabalhos de natureza artística, isto é, a concepção e execução de obras artísticas voltadas especificamente para esse público.



A vista dessas informações procedeu a organização de um projeto de pesquisa sob título “Perceber sem ver – uma proposta de artes plásticas para deficientes visuais (dv)”, contemplada com bolsa de Iniciação Científica pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – orientadora: Profa. Dra. Nelyze Apparecida Salzedas – UNESP/Bauru e co-orientador: Prof. Carlos Alberto Albertuni – USC/Bauru) e desenvolvida junto a Universidade do Sagrado Coração (Bauru-SP), tendo por objetivo viabilizar a produção de trabalhos artísticos destinados aos deficientes visuais.



A concretização dessa pesquisa visou possibilitar um ingresso e uma compreensão da arte pelo público alvo do projeto, proporcionando a ampliação do universo de seus conhecimentos. Foram realizadas visitas a escolas, sociedades e organizações ligadas aos deficientes visuais, onde através de entrevistas sob a forma de questionário e registro in loco de informações várias idéias foram colhidas. Na seqüência a dedicação na busca por materiais expressivos que pudessem ser utilizados para a confecção das obras artísticas e finalmente a realização de uma exposição para verificação de resultados junto ao público deficiente visual.



Segundo os resultados do projeto descritos por Rosa Riccó, “através da confecção de um quebra-cabeça, de compensados constando de 9 pedaços medindo os 210 x 300 mm cada, elaborou-se um desenho que foi transposto para o papel vegetal e recortado segundo as dimensões das placas. O desenho elaborado inicialmente foi copiado para cima das placas com papel carbono. Cada pedaço do desenho foi recortado em cima das texturas já mencionadas e coladas, com cola “cascorez”, sobre as pranchas demarcadas anteriormente.



“Para o teste definitivo desses materiais, utilizaram-se, inicialmente, das placas isoladamente, sendo que na seqüência as mesmas formas eram aglutinadas formando um quadrado de 900 x 630 mm. Verificou-se que a dimensão, não era de fácil acesso para a extensão do braço, pois eles não alcançavam na totalidade o quadrado. As figuras, configuradas como abstratas confundiam os D.V., uma vez que na sua maioria o tato ficou relegado a um plano menor, isto é, gerou uma confusão.



“No entanto em relação às texturas, conseguiu-se determinar os sentimentos, tais como, ódio agonia, coisas ruins, desagradáveis, tristeza, alegria, coisas boas, brincadeiras, amor, saudade, distância, ansiedade, carinho e dificuldades de manuseio, Os sentimentos mencionados foram utilizados nas obras destinadas aos D.V.



“Foram confeccionadas sete telas na dimensão de 600 x 600 mm, sendo que a dimensão final das obras foram estabelecida na dimensão de 500 x 500 mm. Os temas definidos para se trabalhar foram aqueles ligados ao amor e a beleza. Os títulos ficaram assim definidos: 1. teatro, 2. música, 3. dança, 4. Pintura, 5”



Nota



[1] Mineira de Ubá, Eni D’Cravalho é formada em Administração, Ciências Contábeis e pós-graduada em Administração Hospitalar. Em 1966, passou a se dedicar à arte, fascínio que a acompanha desde criança. Já participou de 32 exposições individuais e algumas coletivas. Em 2000, Eni D’Carvalho recebeu a Medalha da Solidariedade por dedicar-se aos projetos “Meninos de Favela Revelando Talentos” e “Novas Percepções nas Artes Plásticas”. A medalha foi concebida pela Associação dos Servidores Municipais da Prefeitura de Belo Horizonte.

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