O sistema penitenciário e as pessoas com deficiências



Publicado em 13/11/2002



A pouco tempo, li uma matéria intitula da “Penitenciária e suas deficiências”, escrita por Murilo Montiani (Revista Sentidos, fevereiro de 2002). Foi quando passei a pensar que qualquer pessoa, seja deficiente ou não, realmente está sujeita a qualquer coisa nesta vida, inclusive cometer delitos, ser detidas, julgadas e pagar penas. Mas uma outra curiosidade passou a habitar minha mente: como os portadores de deficiências encarcerados estão sendo tratados nos sistemas penitenciários? E, movido por esta curiosidade, foi que um caso recente em nossa região despertou-me a atenção e o desejo de relatá-lo aqui e minha coluna.



Tomei conhecimento de um caso onde um moço foi preso em 30 de agosto de 2002, na comarca de Agudos (ainda que, primário, tenha se apresentado espontaneamente). O referido “réu preso”, deficiente físico permanente (amputadas as duas pernas na altura do coto, pois foi vítima de um atropelamento de trem aos dez anos de idade), após cometer um delito, foi preso e recolhido em cela comum. Após cinco dias foi transferido para a Cadeia Publica de Reginópolis/SP, também em cela comum. Não me interessa e nem cabe aqui julgar qual foi a sua falta, mas sim tive a curiosidade de saber em que condições esse rapaz está vivendo. Assim, fiquei sabendo que está com demais detentos, sem o mínimo de respaldo a sua deficiência, já que inexiste cela adaptada para deficiente físico naquela unidade prisional, embora inúmeros pedidos foram requeridos por sua advogada ao Juiz da Comarca, que porém, segundo me consta, nega a provimento o todos os pedidos, seja de prisão albergue domiciliar, ou mesmo domiciliar, um direito respaldado por lei.






O que mais me chama atenção, é que esse rapaz necessita de cuidados ambulatoriais, já que a região amputada, foi restaurada por meio de enxerto tecidual, sendo propenso a infecções, vez que há secreções na região. Além do mais, ele precisa se “rastejar” pelo solo para sua locomoção, equilibrar-se nos braços para efetuar suas necessidades fisiológicas (já que o sanitário das celas são do tipo vala no chão), há dificuldade para banho, enfim, sua dignidade, independente de sua falha (também não tão grave assim), não está sendo respeitada segundo as normas a equiparação de oportunidades para pessoas portadoras de deficiência. Não se trata de local salubre, pois como é sabido por todos, as cadeias e respectivas celas, tem pouca ventilação, são superlotadas, o tabagismo nas celas é permitido, e com precários procedimentos de higiene e limpeza (completamente fora dos padrões de higiene da vigilância sanitária), ou seja, os direitos do Réu enquanto deficiente físico inexistem naquele local (bem como em qualquer outro do nosso sistema carcerário), só tendem a piorar na iminência de uma infecção. Além do mais, não há nenhuma possibilidade de defesa própria para ele em eventuais situações que saia do normal, como por exemplo, uma rebelião.



Por isto acredito que neste caso, já que não existem celas especiais na região e sua falta foi pequena, acredito que ele poderia estar aguardando o seu julgamento em prisão domiciliar, para evitar danos pior como por exemplo, caso haja a infecção, o preso terá que se submeter a tratamento (as custas da família, que é extremamente humilde), e talvez até a sujeição de nova cirurgia para retirada do local infectado (amputar mais ainda o coto). E quem será o responsável por isso, o Estado por não manter condições adequadas aos seus detentos.



Motivado ainda mais pela curiosidade, tomei a liberdade de procurar a sua advogada para saber como ela está trabalhando neste caso. A referida Doutora me informou que tem procurado na Internet, na biblioteca da Faculdade ITE/Bauru, e até mesmo junto ao cartório das execuções criminais, mais nada encontrou, seja na jurisprudência, em leis, parecer, ou doutrina, algo que defina que o deficiente físico deve ficar em cela adaptada a sua deficiência, ou que na falta desta seja posto em casa albergue ou domiciliar. Que exija cela adaptada para o deficiente físico ou que na sua falta fique em prisão domiciliar, algo que possa amenizar a dramática e humilhante situação de seu cliente. Ela até pede, caso alguém encontre, por favor, remeta urgentemente, pois a sentença esta próxima, e não conseguiu até agora material contundente para robustecer suas alegações finais. E o tempo tem sido o seu maior inimigo, pois o processo já está na fase final, pois ela tem 20 dias para apresentar sua defesa final.



Mas voltando a matéria que citei de início, um parágrafo me despertou a atenção: “O Sistema Carcerário de Estado São Paulo abriga atualmente milhares de detentos e, por muitas vezes quem está fora deste meio nem imagina que muitos presos são deficientes. Portadores de deficiência física e mental se misturam à população carcerária e, por muitas vezes, não recebem o tratamento necessário por falta de estrutura no sistema, ou menos de verba para isso. Mas essa história está mudando. A Secretária de Administração Penitenciária criou, há aproximadamente seis meses, a Coordenadoria de Saúde de Sistema Penitenciário, que não trata de forma diferente o preso com deficiência, mas tenta oferecer condições básicas para que ele possa cumprir apenas a pena pelo crime que cometeu, e não deixá-lo mais dependente dos outros”.



Assim, espero que no caso de rapaz de Agudos, independente de sua sentença, condenado ou absorvido, o que cabe só a justiça julgar, que pelo menos ele possa ter o direito de estar em um lugar adequado a sua autonomia e realidade física. Eu confio sempre no bom senso de nossas autoridades jurídicas!

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