Pintando para cego



Publicado em 12/08/2002





Em um momento onde nunca se discutiu tanto a filosofia da inclusão social, vários artistas também passam a ter esta visão. Um projeto bem interessante são as exposições idealizadas pela artista plástica mineira Eni D’Carvalho*. Trata-se de telas concebidas para explorar os sentidos tátil, visual e sinestésico, que produzem sensações múltiplas no apreciador das artes plásticas. O trabalho é voltado especialmente para deficientes visuais que podem tocar as telas, além de ler o texto que acompanha cada obra, escrito em braile, visando instruir o espectador sobre o material, a forma e a idéia que deram origem a concepção do trabalho. Uma maneira de estabelecer uma interação comunicativa com o apreciador das Artes Plásticas.



Segundo o Projeto intitulado “Novas Percepções nas Artes Plásticas” e conhecido carinhosamente como “Pintando para Cegos”, visa sinalizar a chegada de uma nova forma de pensar ações de cultura para os portadores de deficiência visual, cidadãos cuja presença quantitativa deverá adquirir um significado determinante para o estabelecimento de novas relações e, portanto, para a instauração de novas atitudes. Segundo a artista, a reinvenção no trato com as questões dos deficientes visuais será um desafio para todos nós. São telas em acrílico, óleo e técnica mista, utilizando texturas, formas e cores que permitirão ao público-alvo, através do tato/contato, perceber as imagens e mensagens, tendo os seguintes objetivos:









  •  Apresentar aos portadores de Deficiência Visual um trabalho voltado para a sua forma de percepção, integrando-os no contexto das artes plásticas.

  • Oferecer ao público visitante a oportunidade de conhecer mais sobre o problema da Deficiência Visual.

  • Utilizar a arte como veículo de comunicação, levando a sociedade a uma reflexão da arte inclusiva e democrática na construção de uma sociedade justa, solidária, fraterna e humanitária

  • Ampliar o alcance social das artes plásticas




 Projetando sua arte como veículo de comunicação entre o homem e a natureza, suas pinturas são elaboradas a partir da “estética da precariedade”, como uma forma de repensar a matéria abandonada pelos meios sociais: “Reciclo-a, buscando um novo alento, um novo signo, distante das tecnologias do mundo moderno”, revelou Eni D’Carvalho em um de seus depoimentos. Ao utilizar elementos da própria natureza, a artista visa a despertar o espectador para o “paradigma da ecologia, que, significa uma nova forma de organizar, com harmonia e equilíbrio, o conjunto de relações dos seres humanos entre si, com a natureza e com o universo”.



Pegaremos um exemplo de suas obras. Um de seus quadros de destaque utilizando a temática da natureza, é o “Roças Verdes”, onde é usado vários elementos para criar diferentes texturas.  Pintou no alto da tela o céu de um dia ensolarado. Percebendo outros relevos, o a espectador encontra árvores, arbustos, criando uma atmosfera rica e verdejante. Há sementes de girassol e de várias frutas fixadas à esquerda e no meio da tela. Uma porteira está pintada bem ao centro, configurando-se como as portas de entrada das fazendas, sítios. Bem abaixo, começam as fileiras, configurando o plantio das hortaliças e verduras cultivadas pelos lavradores. Todas estão verdes e viçosas, prontas para a colheita, convidando-nos à saboreá-las.



A intenção de Eni D’Carvalho em “Roças Verdes” é ressaltar a importância da natureza na vida do homem que, além de fazer parte dela, deve ter a responsabilidade de cultivá-la. A obra também lembra a questão êxodo rural, além de outras questões sociais. No geral, toda a sua obra como por meta levar a sociedade a uma reflexão da arte inclusiva e democrática, valorizando as relações humanas na construção de uma sociedade justa, solidária e humanitária.



Tendo realizado inúmeras mostras dessa natureza já a dois anos em diversas cidades, a artista utiliza técnica mista com celulose, madeira e reciclados. “Utilizo a arte como meio de integração social. Desejo que ela incentive o indivíduo a sonhar, a libertar-se de si mesmo, provocando luz no coração humano”, explica. Quero que a minha arte possibilite “o renascer da consciência de que formamos uma imensa comunidade cósmica e planetária e devemos viver em harmonia e solidariedade porque somos interdependentes, temos a mesma origem e a mesma destinação, estamos ligados à natureza e ao universo”, ressalta Eni D’Carvalho.



Um outro projeto idealizado por Eni D’Carvalho, é o “Passageiros das Artes – Novas Percepções nas Artes Plásticas ” visando contemplar o deficiente visual no trato com artes plásticas, estas que serão colocadas dentro do ônibus-galeria de arte como um meio de alicerçar um mundo de percepções diversas, cujas diferenças individuais e coletivas serão consideradas em toda sua plenitude e não serão mais motivo de segregação, mas da fonte de criatividade e construção.



Trata-se de um ônibus-galeria de arte servirá como um meio de inserção e criação das artes plásticas que desnudará sensibilidades e revelará artistas sufocados pelo preconceito e discriminação. A proposta é de re(descobrir) talentos espalhados por Belo Horizonte, Minas Gerais e por onde passar o ônibus. Certamente nas comunidades onde estiver o ônibus-galeria de arte saberá incluir e também desfrutar da convivência e do intercâmbio que proporcionará em sua itinerância. A proposta é inovadora e inédita, o que despertará no deficiente visual a experiência de desenvolver suas percepções na leitura da obra de arte em conexão com a literatura, através da poesia.



Segundo explicação da própria artista, “a exposição de artes plásticas que circulará no ônibus-galeria se constituírá de telas especiais em acrílico, óleo ou técnica mista utilizando texturas, formas e cores com relevo nos objetos, permitindo ao público portador de deficiência visual perceber a mensagem através do tato/contato. É importante ressaltar que a comunicação interativa com o espectador se dará através do auxílio de legendas em braile e escrita comum, o que possibilitará perceber a localização, o material, a forma e a idéia que deram origem à concepção das telas. Os visitantes terão a oportunidade de participar de uma oficina de arte, integrando os diferentes públicos”.



Dentro desse projeto – já aprovado pela Lei Rouanet, mas ainda sem patrocínio -, também está programado a edição de um livro de poesias em escrita comum e braile, que será distribuído para as bibliotecas das escolas normais e especiais, entidades de apoio aos portadores de deficiência visual e comunidades. Serão textos poéticos que servirão de suporte para as obras em exposição, possibilitando a leitura e a percepção que a artista comunica através da arte literatura e artes plásticas.





* Mineira de Ubá, ela é formada em Administração, Ciências Contábeis e pós-graduada em Administração Hospitalar.Em 1966, passou a se dedicar à arte, fascínio que a acompanha desde criança. Já participou de 32 exposições individuais e algumas coletivas. Em 2000, Eni D’Carvalho recebeu a Medalha da Solidariedade por dedicar-se aos projetos “Meninos de Favela Revelando Talentos e “Novas Percepções nas Artes Plásticas”. A medalha foi concebida pela Associação dos Servidores Municipais da Prefeitura de Belo Horizonte.

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