Quando “Caminhei” Sozinho Pelo Agreste Pernambucano



NOTA: Neste relato, Emílio Figueira conta como foi a sua primeira viagem sozinho pelo país, superando-se para participar da “Série Palestrando: Inclusão Social, Respeitar Primeiro, Educar Depois”, em Buíque, 2009, onde ele revela influências que moldaram seu pensamento inclusivo educacional.



No mês de agosto, chegou à minha caixa de mensagem um e-mail me perguntando se eu tinha interesse em fazer uma palestra em Pernambuco. Dentre as explicações, dizia que seria um evento em uma cidade de nome Pesqueira, onde estariam cerca de quinhentos professores da rede municipal para conversarmos sobre Inclusão Escolar. A mensagem assinada por Marilda, enfatizava que sempre esses eventos são realizados em grandes cidades e capitais, sendo a intenção do projeto justamente retirar essa mania de concentração em lugares de sempre e levá-lo para uma cidade do agreste. De cara achei essa ideia fabulosa, a possibilidade de levar para lugares longínquos informações e conhecimentos concentrados nos grandes centros. Aceitei sem medir as consequências. Só depois caí em si: “Meu Deus, aceitei ir a Pernambuco, quase do outro lado do país. Logo eu que não gosto de viajar para lugar nenhum. Um caseiro por opção!” Não era o mesmo do que ir ao shopping perto de casa. Era Pernambuco mesmo!!!






Tudo ia acontecendo de uma maneira mágica. Ao mesmo tempo em que procurava uma forma de escapar dessa, eu ia combinando com eles detalhes, datas, temas da palestra. Cheguei a oferecer-me para intermediar contatos com renomados da área da Educação Inclusiva aqui de São Paulo que poderiam dar conferências bem melhores que a minha. Mas Marilda foi enfática ao afirmar que era exatamente eu quem eles queriam lá!!! Diante disso, como eu poderia dizer não… O jeito era me preparar para essa nova empreitada.



Fui definindo os assuntos. Iria falar para eles inicialmente um pouco da história da pessoa com deficiência; depois falar um pouco das teorias do meu teórico preferido, o psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky, sua visão positiva das deficiências que antes de ser vista como um impedimento deve ser encarada como estimulação para que a pessoa se supere; que quando você coloca uma criança com deficiência entre outra crianças com limitações, ela não terá estímulos para o seu desenvolvimento, mas se você a coloca entre crianças sem deficiências, ela procurará copiar os colegas e querer fazer as mesmas coisas que as caíras e fera a seu desenvolvimento naturalmente; que há a deficiência, primária (que é a limitação propriamente dita) c a deficiência secundária (as consequências de tudo que a pessoa não pode fazer em decorrência da primária), sendo o papel do professor tocar o seu trabalho na ação de amenizar os efeitos dessa secundaria, levando o aluno para uma superação e aprendizagem.



Já que não escaparia desse compromisso, o jeito era me preparar para ele. Escrevi alguns textos com os conteúdos que enviei antes para ser impressos nas apostilas. Em cima deles preparei o PowerPoint com toda a minha fala para ser um apoio ou uma compensação da minha dificuldade de fala em certos momentos. Aí tive outra ideia inédita; preparar um filme curto narrando a minha história pessoal e trajetória pessoal. E, por cinco dias, trabalhei com muita paixão nesse projeto. Mas durante toda essa fase de preparação muitas questões me preocupavam, principalmente o peso da responsabilidade de levar conhecimento para quatrocentos professores. Eles mereciam o melhor de mim. Eu precisava ser capaz de dar algum conhecimento útil a eles.



Os dias foram passando, providenciei as passagens, horários dos vôos, comuniquei à companhia que providenciou toda a assistência que eu precisaria. Na madrugada de dia 16 de outubro, minha mãe e seu marido., o Renato, levaram-me ao aeroporto de Guarulhos. Tive todo o apoio dos funcionários e das comissárias e ali estava eu; pela primeira vez sozinho dentro de um avião, atravessando o meu país, rumo há uma terra onde nunca estivera antes. Devido ao tráfico livre, o vôo adiantou quase uma hora. Em terra firme, um funcionário da companhia me buscou dentro da aeronave, fomos à área do desembarque, colocou minha mala no carrinho e deixou-me empurrá-lo até o lado de fora onde as pessoas esperam os passageiros. Mas eu estava adiantado, ninguém ali com um papel escrito “Emílio Figueira”. Resolvi ficar parado num canto, pois em algum momento alguém viria me resgatar. Era realmente uma sensação diferente e ao mesmo tempo gratificante de liberdade. Estava acostumado a viajar muito sozinho de ônibus pelo estado de São Paulo rumo à Bauru, minha ex-cidade e onde mora minha avó, para Guaraçaí onde conheço praticamente toda a cidade, rumo à Catanduva, cidade de Marina, amiga que amo de paixão. Às vezes, fico até seis horas dentro de um ônibus (culpa da Marina que mora longe), mas naquele momento era diferente; além de voar sozinho, estava indo de encontro às pessoas totalmente desconhecidas, nem imaginava como elas seriam fisicamente.



Fiquei ali observando a diversidade de pessoas que desembarcavam dos vôos. Até que uma moça se aproximou por traz, perguntando-me se eu era o Professor Emílio. Pronto! A partir daquele momento perdi minha identidade de Emílio, pois todos só me tratavam como Professor, o que achei muito legal, sentia-me até importante.



A moça era a Jeizy e estava acompanhada pelo Seu Bil, motorista da empresa. Partimos para lá, conheci Marilda pessoalmente, a Cátia, dona da empresa organizadora do evento e todo o resto da equipe. O plano inicial era irmos no mesmo dia para a cidade de Pesqueira, onde no sábado seria o evento. Mas devido há um imprevisto, levaram-me para um hotel em Olinda. Outro momento de superação. Mi fui almoçar sozinho no restaurante, ficar no hotel a tarde toda bem em frente daquele mar verdinho!



Uma das vantagens de ser um artista, pesquisador, autor, a ser ativo no mundo virtual, é que a gente consegue ter conhecidos em todos os cantos. Meses atrás conheci uma psicóloga moradora no Recife que por conta de sua monografia de pós-graduação, leu um dos meus livros e me enviou e-mail pedindo informações. Semanas antes lhe contei que estaria no Recife e a convidei para minha palestra. Pedi para Jeizy que ligou à ela passando o telefone do meu hotel. No fim de tarde na sexta-feira, ela me ligou e foi ao meu encontro. Conheci Dalva pessoalmente. Ficamos conversando por duas horas, ela me acompanhou na janta e disse que também iria para Pesqueira no mesmo carro que eu.



Na manhazinha seguinte, levantei-me, fiz a barba (pois a cerca de três de dês meses estou me barbeando sozinho, graças a um aparelho elétrico que me foi indicado pelo meu grande amigo Sérgio – o que também significa mais uma vitória na minha independência pessoal!). Fui tomar o café no restaurante do hotel. Antes das sete da manhã, Jeisy, Dalva e Seu Bil, apareceram para me pegar. Estava um dia lindo, ensolarado. Partimos para Pesqueira, região agreste. Passamos por diversas cidades, vi paisagens interessantes, paramos em postos rodoviários e, quase três horas, chegamos. A cidade era bonita, simpática.



No hotel em Pesqueira, o público estava no café de intervalo. Quase quinhentos profissionais da educação básica oriundos da cidade de Buíque. Na verdade, o nome de evento era Série Palestrando “Inclusão Social – Respeitar primeiro, educar depois”. Achei esse título muito inteligente, talvez um dia me “aproprio” dele para um futuro livro. Ainda nos primeiros momentos conheci a professora universitária Érica Montenegro que dividiria as atividades comigo. Uma pessoa porreta, muito comunicativa e divertida e não nos separamos mais. Pude ter a honra de assistir a segunda parte da palestra do professor Luiz Schettini, saborear um pouquinho dos seus muitos anos de sabedoria e casos contados. O mestre falou da importância da afetividade no processo de ensino e aprendizagem. Depois tirei uma foto com bom velhinho, é claro!



Após o almoço foi a minha vez de “assumir” a plateia. Inicialmente exibimos o filme que preparei especialmente para esse evento. Fui muito aplaudido. Bingo!, a ideia do vídeo deu certo. À mesa, Jeisy sentou ao meu lado para me auxiliar, o que achei muito legal e positivo. Se essa ideia foi dela ou da equipe não sei, mas foi fundamental não me sentir sozinho naquela imensa mesa de toalha vermelha. Além de falar um pouco de Vygotsky, outro pouto interessante, foi destacar o fato que quando há um aluno a ser incluído, um bom professor primeiro o recebe. Vão convivendo e se conhecendo uns aos outros – professor, aluno com deficiência e toda a classe. Assim irão adaptando-se e descobrindo as melhores formas de trabalho e atividades dentro da sala de aula, da escola e da sociedade como um todo. Com isso, defendo a teoria que a Inclusão Social e Escolar pode ocorrer de forma natural – desde que ambas as partes estejam abertas e dispostas a isto.



Com certeza, algumas pessoas tiveram dificuldades com a minha dicção, mas foi tudo planejado para que isto fosse suprido; a exibição do filme no telão que durante dez minutos contou um pouco da minha pessoa e trajetória profissional; o conteúdo do que eu ia dizendo foi projetado no datashow, as perguntas e comentários da plateia. Muito bom também que todo o meu conteúdo foi publicado em forma de livreto e distribuído aos presentes



Uma pergunta feita por escrito por uma professora chamada Simara, pedia-me para falar um pouco de como foi o meu processo de inclusão escolar e meu relacionamento com os professores e colegas. Um filme voltou a minha memória da época que morei em Guaraçaí, a maneira natural que fui aceito no grupo escolar e que tenho a privilégio de há quase trinta anos ainda ter a amizade e contatos com alguns professores e amigos dessa época. Então respondi que sempre acreditei que o processo de inclusão escolar e social tem muito mais chances de sucesso em cidades pequenas. Nesses lugares ainda encontramos algo fundamental no coração das pessoas: amor e capacidade de auxiliar e incluir a todos nos mesmos círculos de relações. Tudo é natural.



Após a palestra de Érica, passamos por uma sessão de quase uma hora tirando fotos com todos os presentes. Recebi muito carinho. Porem tive uma surpresa ainda maior. Muitas professoras me contaram que as faculdades de pedagogia daquela região, meus artigos científicos; livros, textos publicados na internet são muitos utilizados e discutidos. Houve uma professora emocionada que me contou que no ano passado me utilizou como o teórico da monografia de conclusão de curso dela e nunca imaginaria que um dia ficaria frente a frente comigo. Esse pessoal nem imagina o quanto foram importantes para me estimular a continuar pesquisando e publicando, principalmente na área da Educação. Saí com meu ânimo renovado, a certeza que meu trabalho intelectual e solitário está sendo útil em lugares que nem imagino, lugares que realmente necessitam de conhecimento.

Entre uma foto e outra, tomamos o café da tarde é a professora Érica me presenteou com a coleção completa dos livros de cordéis de sua autoria. Ela nem imagina o grande amor e respeito que tendo por esse tipo de literatura; sempre defendi nos meios literários que os cordenistas são os realmente poetas naturais brasileiros, pois os demais que cursaram formação literária assim como eu, não tem como fugir das influências estrangeiras ou acadêmicas!



Foram dois dias de intensas emoções. Domingo de manhã embarquei em Recife nas poltronas preferências do avião rumo à São Paulo. Quatro comissárias me tratavam com muito carinho e apoio. Olhando pela janela e por cima das nuvens, vim assimilando toda a rica experiência vivida. Lembrei-me da teoria da educação pela afetividade defendida pelo professor Schettini; das coisas escritas há setenta anos por Vygotsky; da pergunta da professora Simara que me levou a reviver o meu período de estudante e de corne acredito que a Inclusão tem muita chance de ocorrer de forma natural. Somando tudo isto, formou em minha mente todo o projeto de um novo livro. Ali no meu lugar, mentalmente fui planejando os capítulos, introdução, abordagem e linguagem, os exemplos que aproveitarei na obra. Até o título provisório me veio, “Incluindo pelo afeto: A inclusão escolar por meio da naturalidade!”. Um sorriso me veio à face. Uma comissária passou e, pensando que eu sorria educadamente para ela, retribuiu o sorriso. Mal sabia ela que naquele momento eu estava vivendo como um cientista tom vontade de dizer diante de uma descoberta: Eureca!!!



Desci no aeroporto internacional de São Paulo. Na pista, embarquei em ônibus com outros passageiros e fomos até o setor de bagagem. Já não tinha mais nenhum funcionário me auxiliando. Peguei um carrinho e fui à esteira pegar minha mala. Estava lotada de gente. Ao vê-la, pedi a um famoso músico de uma banda de rock para pegar para mim; ele foi de uma simpatia, pôs a minha mala no carrinho e me deu um abraço desejando-me boa sorte! Saí empurrando e feliz com aquela sensação de liberdade e independência que terminou quando passei o portão e encontrei minha mãe abrindo suas asas protetoras.



De volta à rotina, estou aqui novamente na minha mesa de produção escrevendo. Dentro de poucos dias começo a escrever esse livro elaborado mentalmente no avião. Mas o escrevei com o desejo de um dia voltar para lá levando o livro publicado e dizer a todos: “Vim apresenta-lhes essa obra que foi inspira no encontro que tivemos no passado. E vos agradeço por isto. Agradeço por um dia ter vindo caminhando sozinho rumo a vocês. E depois ter saído daqui levando mais quinhentos amigos no coração!!!”

Postar um comentário

Por favor, assine o nosso LIVRO DE VISITAS, escrevendo o que desejar neste espaço. Agradecemos de coração!

Postagem Anterior Próxima Postagem