UMA RÁPIDA HISTÓRIA DOS MANICÔMIOS
Termo genérico que usado para classificar hospícios, asilos, hospitais psiquiátricos e demais lugares de tratamento da doença mental que se valem do princípio do isolamento do louco da sociedade, Manicômio eram lugares onde os internados perdiam todas as suas referências de vida. Excluídos do convívio familiar, do trabalho, do local onde moravam, da cidade, perdendo a maior garantia que a sociedade moderna pretende dar a todos: a cidadania.
Historicamente, até o século XVIII, na Europa, os hospitais não possuíam finalidade médica, sendo grandes instituições filantrópicas destinadas a abrigar os indivíduos considerados “indesejáveis” à sociedade, como os leprosos, sifilíticos, aleijados, mendigos e loucos, em uma verdadeira exclusão social da pobreza e da miséria produzidas pelos regimes absolutistas da época. Durante a Revolução Francesa, o hospital de Bicêtre, em Paris, era considerado uma verdadeira “casa de horrores” onde os internados, loucos em sua maioria, eram abandonados à própria sorte. O médico Phillipe Pinei – um dos primeiros alienistas (como eram chamados os médicos que foram os precursores da psiquiatria) -, ao ser nomeado diretor daquele hospital, começou a separar e classificar os diversos tipos de “desvio” ou “alienação mental” que encontrava, com o objetivo de estudá-los e tratá-los.
Surgiria então, o hospital psiquiátrico, ou manicômio, como instituição de estudo e tratamento da alienação mental. O chamado “tratamento moral” praticado pelos alienistas incluía o afastamento dos doentes do contato com todas as influências da vida social, e de qualquer contato que pudesse modificar o que era considerado o “desenvolvimento natural” da doença, pressupondo-se que a alienação poderia ser melhor estudada e sua cura poderia ser atingido.
Com o passar do tempo, a grande maioria dos indivíduos que chegava a essas instituições nunca mais saía. Esta situação perdurou em todos os manicômios e hospícios surgidos na Europa e nos países colonizados durante mais de dois séculos! No Brasil, o primeiro hospício foi inaugurado pelo imperador D. Pedro II, no Rio de Janeiro, em 1852. Ao invés de promover a alta da maior parte de seus internos, em pouco tempo de funcionamento este hospital já estava superlotado. Eram lugares de “enclausuramento” e exclusão social. Infelizmente, ainda hoje essa situação pode ser encontrada na maior parte dos manicômios em funcionamento no Brasil.
A VIRADA DA HISTÓRIA
Após várias décadas de uma história de muita desumanidade, o Brasil instituiu sua Política Nacional de Saúde Mental através da Lei Federal No 10.216, de 6 de Abril de 2001, tendo como premissa fundamental a des-hospitalização, com ampliação da rede ambulatorial e fortalecimento de iniciativas municipais e estaduais que propiciem a criação de equipamentos intensivos e intermediários entre o tratamento ambulatorial e a internação hospitalar, com ênfase nas ações de reabilitação psicossocial dos pacientes, sobretudo através da implementação e implantação dos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS e outros serviços similares.
Como alternativas para tal, surgiram também os CAPS – Centros de Atenção Psicossocial, instituídos juntamente com os NAPS – Núcleos de Assistência Psicossocial, através da Portaria/SNAS N° 224 – 29/01/1992. Trata-se de unidades de saúde locais/regionalizadas que contam com uma população descrita definida pelo nível local e que oferecem atendimento de cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar, em um ou dois turnos de 4 horas, por equipe multiprofissional, constituindo-se também em porta de entrada da rede de serviços para as ações relativas à saúde mental.
Outro recurso, os Serviços Residenciais Terapêuticos – SRT, são moradias inseridas na comunidade, destinadas a portadores de transtornos mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa permanência, que enfrentam dificuldades de reintegração familiar, moradia e reinserção social. Constituem uma modalidade assistencial substitutiva à internação psiquiátrica prolongada, com o compromisso de resgate da cidadania e reintegração social, não se configurando como serviços de saúde, mas sim como serviços residenciais com função terapêutica, que fazem parte do conjunto de cuidados no campo da atenção psicossocial e têm importância estratégica para a reestruturação da assistência psiquiátrica.
Segundo dados do Ministério da Saúde, de agosto de 2004 indicavam existir, em todo o país, 220 Serviços Residenciais Terapêuticos – SRT (nos quais moram cerca de 2 mil pessoas) e 546 Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, dos quais 64 especificamente para o tratamento de dependentes de álcool e drogas (CAPSad) e 41 voltados para crianças e adolescentes (CAPSi). O número de atendimentos nos CAPS, que em 2002 foi de 389 mil, em 2003 chegou a 3,7 milhões – quase dez vezes maior.
Em Janeiro de 2004 o Ministério da Saúde publicou a Portaria MS/N° 0052, 20/01/2004, que instituiu o “Programa Anual de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar” no SUS – 2004, visando permitir uma transição adequada do modelo assistencial para a assistência psiquiátrica, definindo nova classificação dos hospitais psiquiátricos, baseada no número de leitos contratados/conveniados ao SUS, com novos valores de remuneração das diárias hospitalares, nas quais estão incorporados o incentivo de qualificação do atendimento prestado, aferido pelo PNASH/Psiquiatria – Programa Nacional de Avaliação dos Hospitais Psiquiátricos, e também o incentivo peia redução dos leitos. A medida beneficia as unidades de menor porte. Cada vez que um hospital reduzir 40 leitos, mudará de classificação e ganhará um aumento no valor da diária paga pelo SUS. A nova regra começou a vigorar a partir de 1° de fevereiro de 2004.
Em números reais, nos anos 1970, o Brasil chegou a ter mais de 100 mil leitos psiquiátricos. Em 1996, eram 72.514 leitos. Em 2000, caíram para 60.868. Entre janeiro de 2003 e julho de 2004, reduziram-se 4.627 leitos. Atualmente, conforme dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES, extraídos em 05/12/2004 (atualizado até 22/11/2004), revelam que ainda existem no Brasil 55.792 leitos de psiquiatria, dos quais 7.660 (13,73%) sem vinculação com o SUS e 48.132 (86,27%) vinculados ao SUS. Até o primeiro semestre de 2005, a meta é reduzir mais 3,5 mil leitos.
Atualmente, acredita-se que, dos leitos de psiquiatria existentes no país, aproximadamente 20 mil estão ocupados por pacientes – moradores: pessoas completamente abandonadas pela família e pela sociedade, sem nenhuma perspectiva de vida. Por outro lado, pelo menos 15 mil deles poderiam retornar imediatamente ao convívio social. Cada um desses internos representa, individualmente, em termos de custo ao Estado, cerca de R$ 1.000,00 por mês, repassados diretamente para estas instituições asilares. Esta realidade vem sendo alvo de denúncias sistemáticas e bem documentadas.
Em decorrência das medidas implementadas com o advento da nova política de assistência psiquiátrica no Brasil, o número de leitos psiquiátricos caiu de 72.514 em 1996 para 53.180 em 2003. Entre janeiro/2003 e julho/2004, foram reduzidos 4.627 leitos e espera-se diminuir, até o primeiro semestre de 2005, mais 3.500 leitos.
A Reforma Psiquiátrica propõe a substituição do modelo manicomial pela criação de uma rede de serviços territoriais de atenção psicossocial, de base comunitária, onde os usuários dos serviços têm à sua disposição equipes multidisciplinares para o acompanhamento terapêutico. Adquirem também o status de agentes no próprio tratamento, e conquistam o direito de se organizar em associações que podem se conveniar a diversos serviços comunitários, promovendo a inserção social de seus membros, contando com o respeito às singularidades dos indivíduos e, antes de tudo, o seu estatuto social como cidadãos capazes, produtivos e livres. “Cura da doença mental” não é o único objetivo dos novos serviços de atenção psicossocial, mas, antes de tudo, instaurar uma nova significação da loucura na sociedade em que o “louco” seja respeitado em seu sofrimento, em sua individualidade e em sua condição de cidadão.
AS LUTAS ANTIMANICQMAiS E A BUSCA DA CIDADANIA
Também como resultado da busca da cidadania dos pacientes com transtorno mentais no Brasil, temos o Movimento e o Dia Nacional de Luta Antimanicomial, criados em 1987, por profissionais, familiares e usuários do serviço de atendimento às essas pessoas, indignados com o tratamento praticado nos manicômios. Esses hospitais psiquiátricos geralmente eram particulares e pagos pelo Ministério da Saúde, os pacientes eram submetidos à choques, lobotomias, eram maltratados, medicados erradamente e excluídos do convívio social. Passavam maior parte da vida sem nenhum direito, anulados na sociedade.
O Movimento Antimanicomial Luta por uma sociedade sem manicômios e pelos plenos direitos de cidadãos das pessoas que sofrem de transtornos mentais: de não serem isoladas, abrigadas e maltratadas em hospitais psiquiátricos, de conviverem em sociedade, de serem cuidados em serviços abertos, de morarem com suas famílias em suas casas.
Nós psicólogos temos muito a colaborar nesta atual fase histórica que busca cada vez mais a cidadania em nosso país. Sobretudo, mantendo-nos bem informados, críticos e reflexivos, conforme propõe Bock (2002): “Falar em saúde significa pensar em promoção da saúde mental, que implica pensar o homem como totalidade, isto é, como ser biológico, psicológico e sociológico e, ao mesmo tempo, em todas as condições de vida que visam propiciar-lhe bem-estar físico, mental e social. Nessa perspectiva, significa pensar na pobreza, que determina condições de vida pouco propícias à satisfação das necessidades básicas dos indivíduos, e, ao mesmo tempo, pensar na violência urbana e no direito à segurança; no sistema educacional, que reproduz a competitividade da nossa sociedade; na desumanização crescente das relações humanas, que levam à “coisificação” do outro e de nós próprios. E pensar tudo Isto significa “pensar na superação das condições que desencadeiam ou determinam a loucura. Como cidadãos, é preciso compreender que a saúde mental é, além de uma questão psicológica, uma questão política, e que interessa a todos os que estão comprometidos com a vida”, (p. 357)
Ou ainda, em uma livre citação, lembrar o que Franco Basaglia, médico e psiquiatra, precursor do movimento de reforma psiquiátrica italiano conhecido como Psiquiatria Democrática, disse certa vez: “Estou de acordo que um esquizofrênico é um esquizofrênico, mas uma coisa é importante: ele é um homem e tem necessidade de afeto, de dinheiro e de trabalho; é um homem total e nós devemos responder não à sua esquizofrenia, mas ao seu ser social e político”.
BIBLIOGRAFIA E FONTES CONSULTADAS
BASAGLIA, F. A psiquiatria alternativa – Contra o pessimismo da razão, o otimismo da prática. São Paulo; Brasil Debates, 1980.
BOCK, A.M.B. Psicologias – uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo; Saraiva, 2002. DESVIAT, Manuel. A Reforma Psiquiátrica. Rio de Janeiro, Fiocruz, 1999.
FOUCAULT, M. História da Loucura. São Paulo, Ed. Perspectiva, 2000.
FOUCAULT, M. O Nascimento da Clínica. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1994. 4a edição.
GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1999. 6a edição.
HUNDIS & COSTA. Cidadania e loucura.
Sites do Ministério da Saúde – instituto Franco Basaglia
Área
Psicologia da Arte