Um Certo Repórter Na História Do Centrinho (Parte 7)



Em setembro de 1981, o Centrinho voltou a se figurar na imprensa. Através de um extenso e dedicado trabalho assinado pelo repórter Vinícius de Macedo, o Jornal da Cidade publicou uma série de seis reportagens sobre o Hospital. Tudo numa linguagem simples, para que o leitor não conduzisse o raciocínio pelos emaranhados dos termos técnico-científicos, perdendo o natural interesse pela sua leitura. Segundo Macedo, “por ser uma reportagem é também uma história, mas nem por isso, precisa obrigatoriamente de personagens, ou do encadeamento dos fatos dentro da narrativa”.



Alguns trechos dessas reportagens merecem ser recordadas, mesmo porque, refletem o perfil do Centrinho na época:



“O Centrinho é hoje uma instituição que se alonga além da paisagem científica de Bauru, de São Paulo e também do Brasil, no campo das suas atividades. Tem convênios com várias universidades da Europa e dos Estados Unidos, tendo, portanto, um intercâmbio permanente de especialistas, onde a recíproca científica entre eles torna-se verdadeira. Torna-se fácil explicar esse equilíbrio de conhecimentos científicos, entre o Brasil e esses países. Dificilmente, tanto na Europa como nos Estados Unidos, um portador de fissura lábio-palatal, chega à idade adulta. No Brasil, infelizmente, isso ainda ocorre, pela força da razão direta do ambiente social a envolver as classes menos favorecidas. É exatamente nesses aspectos que os especialistas estrangeiros, vêm pesquisar o desenvolvimento facial na criança e adolescente, portador de uma fenda lábio-palatal. Deve-se ressaltar ser o Centrinho uma instituição aberta às universidades nacionais, também com elas convênios de cooperação técnica, através de fornecimento de campos de estágio”.






Na segunda parte da reportagem, Macedo abordou como tema os familiares do fissurado e seus dramas psico-sociais. Focalizou o Departamento de Psicologia, voltando-se quase exclusivamente aos familiares e do Serviço Social mantendo uma reunião que se poderias chamar de preparatória, onde os parentes adquirem os primeiros conceitos sobre reabilitação do paciente. “Esse é o primeiro encontro da realidade científica, com os problemas de ordem humana, sentimental e social”, escreveu o repórter, seguindo em explicações. Em certo momento, ele narra em seu texto: “Uma moça simpática aproximou-se de mim. O senhor quer acompanhar-me, por favor? – Pois não, é um prazer. Com quem vou falar? Com a psicóloga Maria Cecília.”



No gabinete da psicóloga, minha entrevista gerou o texto desta reportagem. Já desfeito o formalismo natural, quando se entrevista uma pessoa pela primeira vez, ouvi vazar por entre um sorriso, essa frase:



– Essa moça que o conduziu até a minha sala, é uma paciente e nossa funcionária, como outros que temos aqui.



–  ??? !



– Sim, paciente e funcionária.



Mas como? Não notei-lhe nenhum defeito, afirmei do alto de minha admiração e interrogação.



– Há seis anos está conosco. No fim de seu tratamento. Faz hoje, o último estágio na fonoaudiologia.



Bastou-me o que vi para sair de lá orgulhoso do Centrinho.  Não sou bauruense, mas sou brasileiro, por isso posso roubar-lhes um pouco de vossa merecida e respeitável vaidade.



A reabilitação através das artes plásticas foi o assunto da quarta matéria. Deixando de lado a frieza de se exige de um bom repórter, Macedo fez a seguinte declaração na introdução:



“A medida que vou familarizando-me com o mundo interno do Centrinho, vou também descobrindo coisa para contar ao leitor. Na primeira reportagem escrevi que ia contar uma história (não gosto de estória). Estou contando. Não aquela história do ABC de Castro Alves, contada por Jorge Amado: “Senta-te   nêga, aqui neste cais. Vou te contar uma história. A história do teu poeta”.  Na história do Centrinho, os personagens são vivos, sentem, palpitam, amam como o “Poeta dos Escravos”. São normais no seu mundo, gregados em sua comunidade. Es aí, a beleza social e humana do mundo interno do Centrinho. Na minha   história são anônimos. Nem eu, nem você leitor, nutrimos por eles aquele orgulho que nos gera a vaidade social, quase apolinea, desejada por nós para nossos filhos. Ao contrário, nos causam piedade.  Sentimento natural, exclusivo do ser humano, mas que a ciência, acertadamente repele, na busca de sua reabilitação”.



“Caminhando sempre pelo constante aperfeiçoamento, o Centrinho vai ampliando o atendimento aos pacientes e orientando os seus familiares. Há pouco criada, a Central de Saúde Pública, um dos vários setores do Hospital, tem a finalidade de dar assistência à criança fissurada e principalmente à mãe, através de um sistema educacional”. Com essas palavras, Vinícius de Macedo iniciou o quinto texto da série, tendo como meta algumas dismistificações e esclarecendo à população que “criança pode mamar no seio materno”. Na época estava sendo elaborados pelas enfermeiras Maria Irene Bachega e Sandra Thomé, com a ajuda de alguns colaboradores, o “MANUAL DE INSTRUÇÃO ALIMENTAR PARA CRIANÇA PORTADORA DE FISSURA LÁBIO-PALATAL (01 dia a 01 ano)”. Um trabalho claro e profundo que explicava em sua introdução: “O leite materno é o ideal para o bebê, porque é o alimento natural e completo, destinado à criança. Ele oferece muitas vantagens: 1 – digestão mais fácil; 2 – é o mais higiênico e não precisa de preparo; 3 – está na temperatura ideal; 4 – protege o bebê, nos primeiros meses, contra   algumas doenças; 5 – evita a diarréia; 6 – é o mais econômico. “Amamentar é dar ao seu filho carinho”.



A fonoaudiologia foi assunto de encerramento, por se tratar de uma ciência que se dedica ao estudo de aspectos especiais da linguagem, fala e audição, incluindo diagnóstico, tratamento, prevenção e reabilitação de problemas da comunicação. (A fonoaudiologia era uma ciência que estava surgindo no Brasil naquela época. Hoje é um grande e importante setor no Centrinho.)



NOTA: Essa série de artigos é fruto do documentário “Nem São Francisco Sabia… A História de Centrinho de 1967 a 1995”, hoje Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho) da USP/Bauru. Realizado entre 1994 a 1996 por Emílio Figueira, contou com bolsa de especialização da Universidade de São Paulo-USP. Foram publicados no jornal Diário de Bauru de maio a julho de 1997.

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