Meu novo artigo, publicado hoje, 11/03/2022, pelo site “Diversa – Educação Inclusiva Na Prática” da Fundação Rodrigo Mendes.
Quando fiquei com paralisia cerebral durante o parto no final dos anos 1960, para grande parte das pessoas que me conheciam, eu já estava com o meu destino traçado. Ser dependente das outras pessoas, isolado dentro das instituições. Ainda mais naquela época onde nós, pessoas com deficiência, vivíamos excluídos da sociedade.
Alguns médicos chegaram a dizer que eu não seria alfabetizado. Só que meus pais não acreditaram nisso, ensinando-me a ler e a escrever aos cinco anos de idade. Quando descobri o mundo das letras, comecei a escrever meus primeiros textos e dizia que seria um escritor.
Aqui está o primeiro e fundamental pilar da minha vida: desde bebê, minha família nunca duvidou de mim, sempre procurou os recursos terapêuticos e educacionais. Tratou-me com equidade em relação a minhas irmãs e demais crianças, permitindo-me a vida e todas as suas possibilidades.
Iniciando a vida escola em associações excludentes
Meus primeiros anos escolares foram isolados dentro de uma associação. Nessa época, existia um muro interno que separava a associação de um colégio, impedindo que os alunos com deficiência tivessem contato com os demais. Quantas vezes eu ficava olhando pelo portão de grade com cadeado as crianças correndo e brincando no pátio e não podia participar com elas?
Quando o colégio tinha alguma data comemorativa, o cadeado era aberto e nós, alunos da associação, podíamos ir até lá. Mas ficávamos separados, vigiados em um canto do pátio sem poder nos misturar e brincar com as outras crianças.
Só que eu conheci os dois lados da educação. Em 1981, aos 11 anos de idade, minha família conseguiu um documento que o governo emitia na época, autorizando alunos com deficiência a ingressarem em escolas comuns.
Mudei-me para um colégio público em uma cidade pequena, onde moravam meus avós maternos. Na associação, eu estava no equivalente à quarta série. Especialistas da época acharam melhor me regredir dois anos, temendo que eu não acompanhasse a classe e me matricularam na segunda série.
Estratégias para oportunizar o aprendizado
Fui para a classe do professor Maroca. Esse mestre tinha por hábito pessoal desde os anos 1960, 1970, andar pela cidade, procurando crianças com variadas deficiências e levá-las para escola. Ele criava todas as condições pedagógicas para elas e promovia a inclusão escolar em décadas quando sequer se cogitava isso. Um professor que acreditava em si e não media o desafio de educar qualquer estudante.
Na classe do Maroca, eu comecei a acompanhar todas as matérias como os demais alunos, a fazer e entregar trabalhos, participar dentro das minhas possibilidades de todas atividades. Sem qualquer privilégio, o que não pode haver para ninguém na educação inclusiva. A única diferença era que o professor colava as folhas de atividades com fita adesiva na mesa para eu escrever.
O ano findou, fui passando de ano, mudando de professores. Cheguei ao antigo ginásio, tive que me adaptar a mudar de professor a cada cinquenta minutos. Tudo foi acontecendo normalmente pela convivência escolar. Como eu digo, para as coisas acontecerem, basta nos colocarmos em movimento.
Esse desenvolvimento não foi só cognitivo, como também social e pessoal. Ao ser incluído na escola comum, comecei a fazer amigos. Amizades que ultrapassavam os muros escolares e eu era levado para todos os lugares por eles, participava de todas as brincadeiras e aventuras. Crescíamos juntos e descobríamos os sabores e dissabores da adolescência.
Aquele menino que na época da associação não podia nem ter amizades, agora estava totalmente incluído. Muitas coisas aprendi e superei tendo deficiência e imitando meus amigos sem deficiência, oportunidade que eu não teria se eu tivesse ficado com crianças iguais a mim na escola especial.
Benefícios da educação inclusiva
Hoje muitas pessoas se espantam ao saberem que, mesmo com paralisia cerebral, tenho três graduações, cinco pós-graduações e dois doutorados. Tenho mais de 80 livros editados, 98 artigos científicos publicados. E, enquanto jornalista, já publiquei mais de 500 textos. Grande parte voltados às questões humanitárias!
Tive vários cursos on-line de educação inclusiva que oferecia gratuitamente, atingindo mais de 30 mil pessoas. Viajei sozinho todo o Brasil fazendo palestras, o que era uma grande superação, pois me virava em aeroporto e hotéis sem apoio das pessoas que sempre estão a minha volta.
Mas digo que sou capaz de fazer tudo isso, porque um dia eu fui incluído em uma escola comum. Tive professores que não focaram primeiramente em minha deficiência, mas sim em minhas potencialidades. O bom professor não aprende com bons estudantes, mas sim com desafios, com o que lhe tira da zona de conforto!
Depois de relatar tudo isso, não quero que minha história seja vista como um fato isolado. A escola precisa perder a péssima mania de rotular “alunos normais” e “estudantes especiais/inclusivos”. O que a verdadeira escola tem são simplesmente estudantes.
Assim como um dia fui incluído em uma escola comum sem ser rotulado, toda e qualquer criança, seja qual for o seu perfil ou condição de ser, tem que ter oportunidades de se desenvolverem. Elas precisam não apenas ser integradas, mas incluídas em todas as atividades sem qualquer restrição.
Em minhas aulas e palestras falo muito disso. Tenho 51 anos de estrada e sei que a educação inclusiva é totalmente possível desde que seja bem conduzida. Posso dizer que muita coisa já melhorou nesse sentido. Reconheço que a inclusão escolar ainda tem muitos pontos para serem melhorados, estudados e corrigidos. Mas, no geral, sou bem otimista em dizer que estamos no caminho certo.
Por intermédio da educação inclusiva, da equidade e do convívio escolar, o futuro das crianças está garantido. De suas conquistas pessoais pela vida, o destino se encarregará com belas surpresas!