#pracegover – Quadro Noite Estrelada de Van Gogh com a cor azul predominante, com uma faixa preta ao meio escrito “O que é arte?” / Foto: Reprodução |
Esses dias, trocando mensagem com um amigo, perguntei-lhe o
que ele achou de um certo filme. Ele me respondeu de imediato: “Foi uma
decepção, é diferente do livro”.
Isso eu ouço direto. Na verdade, poucos se dão conta que,
quando se vai montar uma peça, um filme, uma novela, no início está escrito
“Baseado em...” Uma produção audiovisual é uma nova produção que nasce em cima
do livro, é uma nova obra, uma nova releitura, uma livre adaptação.
A ação dramática de um romance geralmente lida com
pensamentos, sentimentos, emoções e memórias do personagem que ocorrem dentro de
um cenário mental. A peça de teatro é narrada em palavras, os
pensamentos, sentimentos e eventos são descritos pelos diálogos em um
palco contido em seus limites de espaço. Um roteiro de cinema lida com a exterioridades,
com detalhes, uma história contada em sucessivas imagens, colocada no contexto
da estrutura dramática totalmente visual.
Certa vez, perguntaram ao Jorge Amado se quando uma obra
dele era adaptada para o cinema ou televisão, se ele acompanhava a elaboração
do roteiro ou as gravações. O escritor respondeu genialmente: “Eu não, quando
estou escrevendo meu livro, o diretor não vem dar palpite!”
Digo isto, porque lembrei-me que há umas duas décadas atrás,
eu entrei em uma galeria de arte acompanhado pelo filósofo e professor de
literatura Luiz Vitor Martinello. Ao ver um quadro modernista, comentei alto:
“Não entendo nada dessas pinturas”. Martinello me disse calmamente: “A arte não
é para ser entendida. É para ser sentida”.
Com o tempo, fui entendendo o que são as Emoções Estéticas
sentidas tanto na atividade criativa do artista, quanto na apreciação do leitor
ou do público consumidor da arte. Do
sublime, o belo e o kitsch (um substantivo alemão que descreve uma coisa
com mau gosto, no âmbito da estética).
As linguagens artísticas existem justamente para não ter
compromisso com a realidade. A ficção é uma narrativa imaginária, irreal, ou
para redefinir obras (de arte) criadas a partir da imaginação. Obras ficcionais
podem ser parcialmente baseadas em fatos, mas sempre contêm algum conteúdo
imaginário. É o que chamo das transgressões artísticas.
A arte é uma forma subjetiva de o ser humano expressar suas
emoções, sua história e sua cultura, dar vazão a imaginação, usando valores
estéticos, como beleza, harmonia, equilíbrio nas linguagens da música, da
escultura, da pintura, do cinema, da dança, da literatura. Nas emoções
estéticas busca-se comunicar, se expressar, passar uma mensagem.
Estamos vivendo uma sociedade altamente crítica de pessoas
que querem ter opinião sobre tudo e todos. Que leem livros, assistem a peças, a
filmes, observam a pinturas já procurando defeitos, falhas e suas faltas para
tecer comentários. E com isso, perdermos cada vez mais nossas capacidades de
nos emocionarmos esteticamente. Perdermos a cada dia nossa capacidade de nos
abstraímos momentaneamente do real e mergulharmos na fantasia.
A arte cria ilusões de realidades, espaços e pessoas
inexistentes para contar histórias que nunca aconteceram. Que não se encontram
na natureza, de forma a materializar visualmente as ideias que temos na cabeça.
O ser humano é o único animal que produz ficção, criando uma aparência de realidade
para enganar a si próprio ou a seus similares. Assim o nosso dia a dia, nossas
tarefas são a realidade que vivemos. Quem quiser viver alguns momentos de
fantasias, lúdicos, abra um livro, assista a um filme, ouça uma música.
Ou como eu digo, o papel do historiador é contar o fato como
realmente aconteceu. O papel do escritor é imaginar, contar, fantasiar como o
fato poderia ter acontecido.
E viva todas as liberdades artísticas!!!
Área
Crônicas 2020 à 2021