A FICÇÃO NÃO TEM COMPROMISSO COM A REALIDADE – Por Emílio Figueira

#pracegover – Quadro Noite Estrelada de Van Gogh com a cor azul predominante, com uma faixa preta ao meio escrito “O que é arte?” / Foto: Reprodução

Esses dias, trocando mensagem com um amigo, perguntei-lhe o que ele achou de um certo filme. Ele me respondeu de imediato: “Foi uma decepção, é diferente do livro”.

Isso eu ouço direto. Na verdade, poucos se dão conta que, quando se vai montar uma peça, um filme, uma novela, no início está escrito “Baseado em...” Uma produção audiovisual é uma nova produção que nasce em cima do livro, é uma nova obra, uma nova releitura, uma livre adaptação.

A ação dramática de um romance geralmente lida com pensamentos, sentimentos, emoções e memórias do personagem que ocorrem dentro de um cenário mental. A peça de teatro é narrada em palavras, os pensamentos, sentimentos e eventos são descritos pelos diálogos em um palco contido em seus limites de espaço. Um roteiro de cinema lida com a exterioridades, com detalhes, uma história contada em sucessivas imagens, colocada no contexto da estrutura dramática totalmente visual. 

Certa vez, perguntaram ao Jorge Amado se quando uma obra dele era adaptada para o cinema ou televisão, se ele acompanhava a elaboração do roteiro ou as gravações. O escritor respondeu genialmente: “Eu não, quando estou escrevendo meu livro, o diretor não vem dar palpite!”

Digo isto, porque lembrei-me que há umas duas décadas atrás, eu entrei em uma galeria de arte acompanhado pelo filósofo e professor de literatura Luiz Vitor Martinello. Ao ver um quadro modernista, comentei alto: “Não entendo nada dessas pinturas”. Martinello me disse calmamente: “A arte não é para ser entendida. É para ser sentida”.

Com o tempo, fui entendendo o que são as Emoções Estéticas sentidas tanto na atividade criativa do artista, quanto na apreciação do leitor ou do público consumidor da arte.  Do sublime, o belo e o kitsch (um substantivo alemão que descreve uma coisa com mau gosto, no âmbito da estética).

As linguagens artísticas existem justamente para não ter compromisso com a realidade. A ficção é uma narrativa imaginária, irreal, ou para redefinir obras (de arte) criadas a partir da imaginação. Obras ficcionais podem ser parcialmente baseadas em fatos, mas sempre contêm algum conteúdo imaginário. É o que chamo das transgressões artísticas.

A arte é uma forma subjetiva de o ser humano expressar suas emoções, sua história e sua cultura, dar vazão a imaginação, usando valores estéticos, como beleza, harmonia, equilíbrio nas linguagens da música, da escultura, da pintura, do cinema, da dança, da literatura. Nas emoções estéticas busca-se comunicar, se expressar, passar uma mensagem.

Estamos vivendo uma sociedade altamente crítica de pessoas que querem ter opinião sobre tudo e todos. Que leem livros, assistem a peças, a filmes, observam a pinturas já procurando defeitos, falhas e suas faltas para tecer comentários. E com isso, perdermos cada vez mais nossas capacidades de nos emocionarmos esteticamente. Perdermos a cada dia nossa capacidade de nos abstraímos momentaneamente do real e mergulharmos na fantasia.

A arte cria ilusões de realidades, espaços e pessoas inexistentes para contar histórias que nunca aconteceram. Que não se encontram na natureza, de forma a materializar visualmente as ideias que temos na cabeça. O ser humano é o único animal que produz ficção, criando uma aparência de realidade para enganar a si próprio ou a seus similares. Assim o nosso dia a dia, nossas tarefas são a realidade que vivemos. Quem quiser viver alguns momentos de fantasias, lúdicos, abra um livro, assista a um filme, ouça uma música.

Ou como eu digo, o papel do historiador é contar o fato como realmente aconteceu. O papel do escritor é imaginar, contar, fantasiar como o fato poderia ter acontecido.

E viva todas as liberdades artísticas!!!

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