OS FAXINEIROS DA USC – Por Emílio Figueira

#pracegove – Parte de frente da USC, um jardim gramado com variados tons de verdes, coqueiros ao fundo e, no centro, estatua de Jesus Cristo de braços abertos, céu azul, sem nenhuma nuvem / Foto: Reprodução

Um dos grandes privilégios que tive foi ter estudado na Universidade do Sagrado Coração – a USC de Bauru, uma instituição comunitária católica, ela pertence ao Vaticano – Roma na Itália. E por ser administrada na época por freiras, tinha todas as características físicas e humanitárias das instituições europeias. Começando pelo seu tamanho de oito quarteirões quadrados, com extensos e floridos jardins desenhados pelos mais habilidosos jardineiros. Com o sol irradiante que faz em Bauru, eles ficavam mais lindos ainda. À noite, a iluminação destacava o charme que muitos, na falsa ilusão de que quem corre têm melhores chances na vida, nem os percebiam.

Como também não percebiam dois senhores bem humildes e uniformizados que faziam faxina no primeiro bloco. Passavam o dia varrendo o chão do pátio, corredores, rampas, limpando vidraças das salas de aulas e atividades que lhes cabiam. A USC tinha na época perto de quarenta mil alunos somando os três períodos de aulas. Cansei de observar alunos, professores, funcionários, dirigentes passarem por esses senhores sem ao menos esboçar-lhes um cumprimento. 

Talvez eu tenha colocado reparo nisso, porque desde o começo sempre passei por eles e dei um bom dia, uma boa tarde. No começo eles estranhavam, pois quase ninguém fazia isso. Com o tempo, eles me retribuíam com sorrisos. Sempre que possível, eu parava e trocávamos algumas palavras. Havia momentos que estava em plena aula, eles limpando as vidraças pelo lado de fora, davam-me uma acenada.

Tinha momentos que, quando estava me aproximando, eram eles que tomavam a iniciativa de me cumprimentar, até perguntar algo mais do tipo “como vai, doutorzinho?”, pois às vezes eu estava com o meu jaleco de aluno de Psicologia.

A recordação desses faxineiros me chama para refletir sobre as relações humanas aceleradas e quase mecânicas que estamos vivendo atualmente. Pelo menos as mais básicas, que muitas vezes não nos permitem perceber o outro. O fato de cumprimentá-los não me fazia uma pessoa melhor do que ninguém. Desde pequeno tive como hábito ver todos por iguais, ter amigos de todas as profissões e níveis sociais.

Continuando focado no período que morei em Bauru, residia em um bairro bem de periferia, rua ainda de terra, esburacada. A casa de minha avó tinha uma grande varanda coberta, com confortáveis cadeiras. No começo da noite sentava-me lá. Meus vizinhos, faxineiros, garis, pedreiros, caminhoneiros, cortadores de cana, iam chegando, sentando-se e a gente formava rodas de bate-papos. Como era bom ouvi-los falar, contar suas rotinas, histórias de vidas, superação de obstáculos, sonhos, angústias, desejos.

Muitas narrações engraçadas. Meu Deus, como eram enriquecedores aqueles momentos. Era o encontro natural das duas classes de intelectuais. Eu, um intelectual acadêmico que adquiri todo o meu conhecimento por meio de livros e estudos em materiais produzidos por outros pensadores. E eles, os intelectuais orgânicos que adquiriram seus conhecimentos no dia a dia da lida com a vida. Conhecimentos esses que com certeza nunca encontrarei em nem uma biblioteca do mundo.

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