Esses dias, meu amigo Geraldo Ferreira, que acompanha minhas crônicas, mandou-me uma mensagem dizendo de início: “Às vezes não são só os nossos medos que tentam nos limitar. Algumas vezes pessoas tentam nos desencorajar“. Verdade. Lembrei-me dos momentos discriminatórios que já passei. Pelo menos dois.
No final dos anos 1980, ao deixar Guaraçaí e ir morar em Bauru, eu estava sem rumo. Fui acompanhado do meu saudoso tio Edson procurar uma renomada instituição nacional que visava profissionalizar pessoas com deficiência e encaminhá-las ao mercado de trabalho. Passei por algumas entrevistas até chegar à psicóloga. Ela começou me criticando duramente por não andar sozinho pela cidade, mas eu tinha acabado de sair de uma cidade com seis mil para viver em outra com trezentos e vinte mil habitantes. Tudo ainda era muito novo e assustador para mim.
À certa altura, ela me perguntou o que eu gostaria de fazer. Expliquei-lhe que era um jornalista e desejava dar continuidade a isso. Ela me disse secamente: “Você precisa tomar consciência que é um deficiente e por isto não pode ser um jornalista!” Eu simplesmente desejei-lhe um bom dia, levantei-me e nunca mais voltei lá.
Anos mais tarde, integrado em algumas rodas literárias, comecei a participar das reuniões de criação da Academia Bauruense de Letras. O projeto vingou e a fundação foi marcada no luxuoso Bauru Tênis Club. Dias antes, uma pessoa da comissão telefonou em minha casa para comunicar que não permitiria que eu tomasse posse no dia da inauguração, chegando a dizer: “Não ficará bem para a ABL ter um deficiente em uma cerimônia tão solene!”
Meu amigo e irmão de coração Geraldo também passou por poucas e boas, como ele já me contou algumas vezes. Ele tem uma anomalia em seu braço direito. Isso não lhe impediu de construir uma sólida carreira como ator, diretor de teatro. Dentre suas atividades, está atuando como preparador corporal há quase vinte anos na Cia Teatral Olhos de Dentro, um grupo de inclusão cênica com atores com e sem deficiências variadas.
Eu mesmo permaneci três anos nesse grupo. O que me marcou foi, que nos exercícios, Geraldo tratava todos por igual, sempre dizendo uma frase que eu amava: “Não estou aqui para facilitar a vida de ninguém...!” Ferreira cunhou sua própria Filosofia de Vida que ele diz a todos: "Não se limite mais do que sua limitação te limita."
O tempo passou. Agora em julho completo 38 anos de jornalismo. Na época que procurei àquela instituição, eu nem imaginava que dose anos depois, eu ingressaria em uma faculdade de psicologia, faria mestrado, doutorado e escreveria muitos artigos e livros na área. Não me tornei membro daquela Academia. Mas venho construindo uma carreira literária já com mais setenta títulos publicados e muitos planos e ideias que eu ainda quero concretizar.
Àquela psicóloga que nem de longe representa o pensamento de nossa categoria, pediu-me para ter consciência que eu era um “deficiente”. Porém, ao longo da minha existência, preferi ter a consciência que, como qualquer pessoa que sonha e vai buscar seus objetivos, sou totalmente capaz!!!
Área
Crônicas 2020 à 2021